janeiro 17, 2005

DOIS POEMAS COM SEIS ANOS.

O primeiro som devora-o a noite, mas fica para sempre
— por ter sido a primeira das coisas comuns. Aquele
minuto, nunca o repetes. Vagamente o lembrarás mais tarde,
porque é frequente falar-se do mistério da vida. Já o esqueceste,

muitas vezes choveu sobre ele e sobre nós, os relâmpagos
não bastam para que o mundo o mostre. Chamas-lhe revelação,
ao gesto que abre os braços, o primeiro olhar que se ama
lentamente, nele cabe o silêncio anterior, as coisas que estremecem

só de terem um nome, uma sombra, um modo de adormecer.
A partir daí, do primeiro som, tudo recomeça enquanto o dia
se não curva; repousando, agora, ela perfuma a vida. Haverá outra

maneira de descrever todas as coisas que nascem assim — mas
esta basta, é a mais simples. A mais amada das coisas cede
o seu lugar por esse minuto, esse som, o gesto que abre os braços.





Enquanto chove, miudinha e fria, a chuva de Janeiro,
seguro ao colo a minha filha. Ela olha vagamente a luz
esplêndida, arrebatada. Sente-se essa emoção, tão
pequena. O tempo passa e esquece, não o sente,

adormecida e encostada ao peito, um sopro seria agora
uma ventania inútil enquanto digo versos em silêncio,
grato pelo milagre de a ver perfeita. É outra coisa comum,
esta perfeição — os olhos, as mãos, a boca, um leve

perfume que há-de ficar na camisinha de flanela,
esvoaçando de Janeiro a Janeiro, afastando o medo
do Inverno (esse mal que vem entre as roseiras frias

e mais nuas do mês). Ninfinha que há-de rir, assim a vejo
em sonhos, trémula, a cabeça posando sobre a mão,
inclinada sobre a tarde, desajeitada e tão agora nascida.

2 Comments:

At 7:47 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Keep up the good work » »

 
At 1:19 da manhã, Anonymous Anónimo said...

Very nice site! » »

 

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