janeiro 05, 2005

LIVROS NAS BIBLIOTECAS. DIREITOS DE AUTOR, 8. O Jorge Vaz Nande, de A Peste, acha que a pergunta deixada por Luís Carmelo, «se levada às últimas consequências», põe em causa «a responsabilidade dos autores no progresso cultural»; se bem me recordo, o Luís questionava a circulação de fotocópias e o que isso significava de dano em matéria de direitos de autor. Ora, a responsabilidade dos autores não se perde ao reivindicar o justo pagamento pelos seus direitos. É disso que ele vive – e não de subsídios do Estado. «We, authors» – mais uma vez. Há autores que ganham a vida (apenas ou também) com aquilo que escrevem; não é justo que lhe sejam negados os direitos sobre os seus textos. Os autores contribuem ou não para o progresso cultural – isso é com cada um – mas não é justo que o seu trabalho não seja pago. Sobre esta matéria devemos ser claros. Ou se pensa no autor como um funcionário do Estado (ou de uma autarquia, de um instituto, de uma escola), sujeito ao regime geral do funcionalismo público ou ao regime particular do contrato que assina, ou como um sujeito independente que, de facto, vive do produto do seu trabalho. A liberdade de um autor deve estar, em princípio, nas tintas para o progresso cultural. A literatura não tem nada a ver com a cidadania, os mecanismos de regulação da sociedade, as comendas do 10 de Junho ou a auto-estima dos seus concidadãos. Eu sou um «trabalhador independente»: não tenho horário de trabalho, não tenho 13º mês nem «regalias sociais» senão as que obtenho com o meu trabalho. Não vale a pena enumerar.
O J.V.N., em A Peste, enuncia várias vezes o princípio dos «direitos morais» de um autor, e eu compreendo do que se trata. Mas, de facto, falamos de outra coisa. Toda a gente acha que fulano, autor do texto x, tem direitos morais sobre o seu texto x; porque foi o seu autor. Assim, diremos que fulano é autor do texto x. Os direitos morais consagram a autoria propriamente dita, a integridade da obra, a sua textualidade, o direito a ser citado como autor, a impossibilidade de a obra ser alterada sem o seu acordo, etc. Mas deve consagrar-se outro direito: que ninguém ganhe um cêntimo com a utlização do texto x sem autorização ou acordo do autor de x. É claro que há esse outro argumento: a literatura (a escrita, o que quiserem) é uma arte pobre, um negócio pobre. Pode ser. Mas tem um valor.
Por exemplo, também compreendo a preocupação do Rui Manuel Amaral, no Quartzo, Feldspato & Mica quando diz que «os grandes beneficiados serão todos os Dan Browns e Margaridas Rebelo Pinto deste pequeno mundo». Mas não vejo que a retribuição de direitos de autor ao Dan Brown ou à Margarida seja uma injustiça ou que isso beneficie apenas «aqueles que menos precisam de compensações desta natureza». Eu sei que o Rui não escreveu a palavra «apenas»; mas muitos gostariam de a ver lá escrita para significar que só esse género de autores pode ser beneficiado.

Adenda: Posso contar uma história que não é estranha a muitos. Acho comovente que, um dia, a pessoa que estava a paginar um livro, tenha ficado chocada com o valor pago ao seu autor. Esse valor era aproximadamente 1/3 do valor que essa pessoa receberia para paginá-la. Honestamente, achou que era uma injustiça. Mesmo estando a contribuir para o progresso cultural da sociedade, naturalmente.