abril 15, 2005

Neva em Ushuaia

Neva em Ushuaia por alguns instantes. São os primeiros
sinais do Outono, vindos de El Martial ao fim da tarde.
Os poetas locais compõem os versos adequados à circunstância
– o Diário del fin del Mundo publicará depois sonetos, odes,
vilancetes e até uma milonga irregular sobre a brancura
que emudece diante do canal. Para isso serve a poesia,
que é mais útil nas pequenas cidades: ilustra os museus, os jardins,
estátuas de almirantes, exploradores, viajantes da Antárctida,

almocreves heróicos que atravessaram o estreito de Magalhães
para chegarem a Ushuaia. Neva em Ushuaia e comovo-me
nas ruas molhadas diante das livrarias e das lojas de tabacos,
e digo o nome dos meus filhos, Maria, Manuel, Francisco,
subo as escadarias, vejo a neve diante dos museus, das portas,
vejo os caminhantes que se abrigam nos cafés e olham
com surpresa a primeira neve do Outono. Mudo os meus versos
e empobreço-os, tocados pela primeira neve, a primeira neve

do Outono que cai sobre o fim do mundo, cai sobre a baía,
cai sobre o glaciar, cai sobre a mudez mais fria da pedra,
sobre as montanhas escuras, e nada resta do primeiro verso,
nada fica da primeira palavra, como uma ventania do sul.