Jornalismo & credibilidade. O Brasil no Aviz.
Alguns leitores e amigos têm escrito sobre a «cobertura» que o Aviz faz da situação brasileira. Não é coisa nova. Há anos que acompanho o assunto. A primeira vez que isso aconteceu foi na altura das Directas Já!. Não vale a pena contar mais. Tenho escrito bastante sobre o Brasil nos últimos vinte anos: gabo-me de ter chamado a atenção sobre muitos escritores brasileiros pela primeira vez em Portugal; e de conhecer o país (apenas não estive em Roraima, já agora); e de ter lido bastante. De vez em quando encontro outros entusiastas que também sabem que o Brasil não é só samba, musiquinha, futebol e praias (mas é também isso). Na literatura portuguesa dos finais do século XIX, o Brasil era tratado como «os brasis» -- tinham razão, eles. Os Brasis. O sul, o norte, o nordeste, a meia-norte, o sudeste, o sertão, as chapadas e os grandes rios, a floresta, a serra, o pampa, tudo. Uma das acusações que de vez em quando me fazem é a de que a minha informação está inquinada. O argumento usado é o de que cito muito a Veja. Não é verdade. Ambas as coisas não são verdade: 1) que eu cite muito a Veja; 2) que a Veja não seja credível. Eu tenho um caso com a Veja, sim, porque acho que a Veja é muito bem feita e raramente tem sido desmentida (ao contrário da Isto É, por exemplo) nas suas investigações. Quando era director da Grande Reportagem tínhamos um acordo de colaboração com a Carta Capital, por exemplo. Mas, embora conheça alguns repórteres da Veja e seja até leitor de Mário Sabino como romancista (ele é editor da revista), não cito muito a revista. Et pour cause. É uma guerra portuguesa, evidentemente (sobretudo quando as pessoas dizem, «ah, mas a Veja não é um modelo de jornalismo!»). Pelo contrário, et pour cause, cito bastante os três majors: OESP, Globo e FSP. Mas a lista de jornais que frequento está nos links do blog. Aí ao lado, em baixo. Embaixo. Não citarei a Caros Amigos, evidentemente, nem os jornais ligados a partidos e influências locais. Mas reservo-me o direito de ter as minhas próprias informações.
O caso brasileiro é complexo em Portugal e complexo na Europa. Tem Lula pelo meio. E tem a vitória da esquerda há dois anos. O caso brasileiro transformou-se numa questão de fé. No dia das eleições que deram a vitória a Lula, recordo como foi tratada na televisão portuguesa a única pessoa que declarou que não tinha votado Lula e que assumiu a sua desconfiança (curiosamente, foi um treinador de futebol, Marinho Peres -- todos os outros, desde sambistas de aluguer a actores falavam dos novos tempos que estavam aí, como uma promessa de paraíso): houve quem se risse dele, do desgraçado e incréu.
Bom. Eu sou incréu, na verdade. Reservo a minha fé para outras áreas e a minha credulidade para questões pessoais. Acompanho a política brasileira desde há vinte anos; vi as multidões em redor do funeral de Tancredo e também a vi em redor de Collor (à hora a que Collor era eleito, estava em Lisboa a entrevistar José Wilker, que votava Lula). Vi o impeachment de Collor. Sarney, Itamar, FHC, Lula. Fui parcial algumas vezes, sim. Confesso: nunca gostei de Collor nem de Itamar nem de Sarney (nem do que ele escrevia). Desconfiei da tucanagem como toda a gente, mas acho que o governo de FHC foi o melhor que pôde acontecer ao Brasil naquelas circunstâncias. Sim, li coisas inacreditáveis. Li até Frei Betto, imagine-se (mas também li Paulo Coelho…). Li a propaganda petista (inimaginável). Não interessa.
Mas sou incréu. Fui incréu em relação a Lula e previ que acontecesse isto. Escrevi-o antes das eleições, quando os jornais, as rádios, as televisões, tratavam Lula (em Portugal) como a segunda aparição da Virgem. Não era. Mas, à parte a parcialidade da minha própria opinião, não fui parcial nem escondi factos nas minhas reportagens, nem acrescentei outros.
Os políticos do centrão português veneram Lula por provincianismo, porque ele era o operário e o retirante que chegou ao Planalto. Há dois anos era difícil dizer mais do que isso. Eu disse e escrevi. Não escondi factos. Limitei-me a isso. Lembro-me de quando o Manuel Carvalho, num editorial do Público, logo na altura das eleições, chamava a atenção para as contradições do lulismo e do novo poder petista – e das muitas cartas de leitores indignados com o «soez ataque» a Lula e ao Brasil. Linchamento.
O que me interessa neste escândalo político actual no Brasil não é a derrota de Lula nem a queda do PT. Isso é o menos. Lula significou, para muitos brasileiros, a redenção por anos de humilhação diante das oligarquias. Eu compreendo isso. Claramente. Mas acho, a esta distância, que o Brasil precisava de passar por isto, para compreender que ética e política são coisas diferentes e que a esquerda brasileira não tinha o exclusivo da moral nem da ética. Nem era seu património.
Muitos mails dizem que este escândalo é inventado pela imprensa. Não é. É uma prova de que fé e política não funcionam juntos. E de que este escândalo revela até que ponto o PT se preparava para transformar o Brasil numa espécie de «México do PRI» com o apoio da imprensa aliada, do dinheiro e da lavagem ideológica permanente.
PS - Lembro quando comecei a chamar a atenção, em Portugal, para as crónicas de Diogo Mainardi e de como a reacção era violenta: escroto, escarro, era o que diziam. Mainardi é brilhante. «Ah, mas não é o Paulo Francis!» Quem disse isso? Mainardi foi o único que arriscou a cabeça e o emprego de colunista. Disse o que pensava e daquela maneira.
10 Comments:
A esperança que vencia o medo, com Lula, faz agora o Brasil doer. Afinal, o medo venceu a esperança.
É natural que não queiramos ir à praia quando faz mau tempo. O bom ou o mau tempo são coisas sobre as quais não temos (ainda) controlo. Também a ética e a política, pelo que se afirma neste post, parecem ser da mesma ordem dos fenómenos meteorológicos, ou seja, são "assim", diferentes. Nada a fazer, pelos vistos. No entanto, usada a expressão "a ética e a política são diferentes" com valor de argumento, parece-me a mim que evidenciam, por parte de quem a usa, uma espécie de necessidade de que a realidade se lhe adeque, para que o resto do texto tenha a necessária coerência. Como diz o José Gil, citando um pivot da TV, "é a vida"!
Estou mais de acordo com o parágrafo onde se afirma que a fé e a política são coisas diferentes, embora neste texto, na perspectiva do jogo ideológico entre o dito e o não dito, ambas as expressões se equivalham quanto à sua visão interna.
Quanto ao fim do mundo e aos videntes que o dão por anticipação, é caso para folhear as teorias do acaso. Explicam muito.
Em resumo, para estar ciente da grave situação criada pelo PT (essa manta de retalhos), e pela falta de coragem (ou pela real incapacidade) de Lula para pôr o dedo na ferida (que não é certamente no sítio onde este post quer pôr o bisturi, não precisava eu de videntes nem de opinião tão auto-centrada. Digamos a finalizar que a ética e a política só são diferentes quando queremos ou consentimos que o sejam, questão essa que nos leva de novo à questão da fé em política, que só não gera realidade adequada, quando deixamos a realidade aos sabores dos acasos em jogo de pano verde, ou quando a deixamos ao arbítrio dos deuses.
Por tudo isto, meu caro "f", fé e política, ou ética e política, podem ser, com mais qualquer coisa, a mesma coisa.
Excelente documento, FJV! É bom ler este ponto-de-ordem-na-mesa que arruma muito bem as ideias sobre o Brasil e sobre a forma como o Lulismo foi digerido em Portugal. Subscrevo totalmente o “PS” sobre o Diogo Mainardi.
um abraço,
Francis
Brilhante análise! Bom seria se os próprios brasileiros pudessem ver a situação com uma pequena fração, que fosse, da tua lucidez...
Gostaria de comentar apenas a apreciação feita aqui à revista Veja. Fui leitor e assinante da revista por vários anos. E deixei de lê-la por considerá-la parcial. Talvez seja muito esperar que um orgão da imprensa, do Brasil ou de qualquer outro lugar, seja imparcial. Mas a revista passou a incomodar-me bastante com sua parcialidade. Tenho motivos para crer que hoje a revista Veja tem fortes ligações com o PSDB, o partido do ex-Presidente FHC. Como o articulista que mantém este blog parece ter apreciado o governo FHC, parece natural que elega a revista Veja como sua mais respeitada referência. No entanto, ainda que se ponha de lado a orientação política ou associações que a revista possa ter, não se pode negar que Veja tem sido muito criticada pela sua forma de fazer jornalismo. Não se pode ser bem informado hoje no Brasil se, além dos veículos da imprensa, não se acompanhar a crítica que se faz ao seu trabalho. Uma das referências principais de que dispomos no Brasil de avaliação crítica da própria imprensa é o Observatório da Imprensa, uma iniciativa independente, encabeçada pelo jornalista Alberto Dines, que mantem um programa de debates na TV Educativa (estatal) e um riquíssimo sítio na Internet. Vale a pena visitá-lo
http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/
De acordo com informações oferecidas pelo próprio sítio: O Observatório da Imprensa é uma iniciativa do Projor - Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo e um projeto original do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Ronaldo,
Bem podes prègar no deserto. Neste blogue, para além do elogio mútuo, os comentários valem pouco. No entanto, para os poucos que aqui vierem e não estejam para se manifestar, vale a pena que apareçam comentários como o teu. Sempre sacodem algumas teias de aranha!
FLAP FLAP FLAP
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