setembro 28, 2004

PASSAGEM. Mindelo, Cabo Verde. Quase um oásis servido de mar. Quem esteve no deserto sabe a que me refiro.

Moças que não conseguem calar banalidades em voz alta para serem ouvidas num avião («os aviões da TAP não caem», «por isso é que em África as pessoas são mais descontraídas», «não percebo como é que alguém consegue comer isto») – e franceses ruidosos ao pequeno-almoço. Coisas insuportáveis como outras quaisquer.

setembro 27, 2004

LITERATURA. Encontrei escrita esta frase num muro de uma estrada da ilha de São Vicente, Cabo Verde: «Roubei ao mundo a melhor namorada que havia.»

setembro 15, 2004

INTERRUPÇÃO. Novo ano. Shana Tovah.

setembro 13, 2004

TURQUIA. A ler o artigo de Christopher Hitchens sobre a Turquia (na Atlantic), recomendado pelo Carlos, o nosso MacGuffin: «Turkey is everyone's idea of a "successful" modern Muslim state. A new novel will make you think twice.»

ARGENTINA. O João MF perguntava-se outro dia: «Alguém sabe o que se passa na Argentina?» Não era uma pergunta transcendente e tinha a ver com uma pesquisa do Google. Ora, essa é, curiosamente, uma das perguntas mais pertinentes para quem queira entender o tipo de futuro que está reservado aos países do Sul da América. Eu, que gosto de Buenos Aires (e do River Plate), acho que o que se passa actualmente na Argentina é bem capaz de ser uma lição para aprender devagar. Será a «solução Kirchner» um regresso ao passado?
A mitomania e a mania da grandeza das classes tradicionalmente ligadas ao poder (e o «mau governo»), mataram uma parte da Argentina do nosso tempo. Tomás Eloy Martínez, o autor de Santa Evita, um romance sobre Eva Péron e o seu mundo de fantasmas, chamava a atenção para isso há tempos, numa entrevista ao El Pais: «A classe governante com a sua confiança em que o Fundo Monetário Internacional ajudaria sempre a Argentina, perguntava-se: “Como é que vão recusar estender-nos a mão? Somos argentinos, somos importantes.” A revelação mais atroz produziu-se quando veio a queda da Argentina e ninguém se interessou.»

Há uma passagem fabulosa de um dos autores do século XIX, Domingo Augusto Sarmiento: «O mal que marca a República Argentina é a extensão. O deserto rodeia-a por todos lados e insinua-se-lhe nas entranhas.»

AGUALUSA. A ler, na edição da Época deste sábado (link ainda não disponível), a entrevista de José Eduardo Agualusa a propósito do lançamento do seu livro O Vendedor de Passados (publicado no Brasil pela Gryphus) -- sobre José Saramago: «Não gosto dele. Saramago cultiva o niilismo. É um pessimista que não acredita na vida e seus livros são contaminados pelo desencanto. É difícil escrever quando se descrê completamente da vida.»

setembro 12, 2004

LUPICÍNIO RODRIGUES. Já agora, uma informação para a Carla e para o Alberto: começou no Rio de Janeiro uma onda de homenagens a Lupicínio Rodrigues, com exposições, concertos e «conversas» -- e haverá série de televisão e filme em breve.

O QUE É A LITERATURA. Houve, este ano, alguma polémica silenciosa à volta da atribuição do prémio máximo Jabuti, o mais conhecido e mobilizador dos prémios literários do Brasil (o segundo, actualmente, parece ser o Portugal Telecom Brasil). Na categoria de ficção, o prémio foi para Budapeste, de Chico Buarque, que ficara em terceiro lugar na lista, atrás de Mongólia, de Bernardo Carvalho (o vencedor, de facto, nessa categoria), e de A Margem Imóvel do Rio, de Luiz Antônio Assis Brasil. De facto, como se compreende que um livro que fica em terceiro lugar na lista de ficção, ganhe depois o prémio máximo? Explicação simples: primeiro, o júri, com inteira liberdade, dá os seus prémios (ao Mongólia, de Bernardo Carvalho, a Poesia Reunida, de Alexei Bueno, a O Voo da Madrugada, de Sérgio Sant'anna, etc.); depois, com idêntica liberdade, a CLB (Câmara Brasileira do Livro, uma espécie de APEL e UEP) elege aqueles que lhe parecem ser os livros que mais podem mexer com o mercado e animar as livrarias. Digamos que se trata de uma ordem suplementar da literatura; mas o jogo é claro e trata-se de uma decisão honesta. Nem sempre é bom para um livro (como acontece com Budapeste), evidentemente, mas ninguém pode acusar a CLB de falcatrua. E toda a gente percebe.

O CANTINHO DO HOOLIGAN. Regresso ao mundo do futebol pelo pior dos motivos, perfeitamente acessório. O Joel Neto publicou um livro sobre José Mourinho (José Mourinho, o vencedor. De Setúbal a Stamford Bridge. Dom Quixote); o ex-treinador do FC Porto tentou impedir que o livro chegasse às livrarias. Confesso que, na altura, não percebi bem porquê. Hoje, ao ler quatro parágrafos dispersos ao longo do livro, percebo. Se houvesse biografias não-autorizadas, como as de Joel Neto, sobre figuras populares que pensam ser delas o reino dos céus, talvez houvesse mais decência em Portugal.
Quando escrevo «decência» não escrevo «bom comportamento»; um bom cafajeste é uma coisa digna de se ver.

setembro 10, 2004

SAMPAIO. Há, agora, uma estranha unanimidade sobre o final de mandato de Jorge Sampaio -- o que causa alguma perplexidade. Durante cinco ou seis anos, Jorge Sampaio disse e fez exactamente o que disse e fez no «final de mandato». O seu discurso, cheio de ditirambos, não mudou muito (curiosamente, tornou-se mais claro nos últimos tempos), elegendo termos como «muito complexa», «preocupação», «admito que», enfim, coisas que se poderiam dizer sobre epistemologia, futebol, touradas de Barrancos (uma das suas intervenções, como hão-de recordar-se), etc., etc. Há exactamente quatro anos, o presidente Sampaio falava sobre o ensino da mesma forma que hoje fala; não vejo onde está a decepção dos que agora tremem de indignação. O dr. Sampaio manifestou sempre um desejo absurdo de consensos a todo o custo -- com o seu discurso sobre a inocência perfeita da cidadania e as suas irritações sempre que lhe perguntavam alguma coisa, como se todos os portugueses tivessem de participar nessa construção grandiloquente de um País homogéneo, perfeito, penteado, adjectivado, adverbiado, com ar saudável (mas de lágrima fácil), ilustrado e com boas maneiras à mesa. Na altura da sua reeleição, os milhares de cidadãos que se recusaram a sair de casa para votar não o fizeram para acompanhar um jogo de futebol, para irem à praia, para assistirem ao Big Brother ou para seguirem as aventuras da Marinha de guerra portuguesa: fizeram-no porque tanto se lhes dava que Sampaio ganhasse com 60 ou 40 por cento, desde que ganhasse e não interrompesse a modorra confortável da Nação -- e foi reencaminhado para Belém, com loas e alívio generalizado; ele tinha calcorreado o País, dizendo que teríamos de ser optimistas -- isso era o suficiente. Uma mensagem de optimismo fica sempre bem, excepto para os que sabem que ela não vale absolutamente nada.
Mas o que incomoda é esta unanimidade recente, que faz desconfiar de qualquer coisa, e que parece querer fazer esquecer os tempos em que toda e qualquer crítica (um reparo, um discordância) a Sampaio eram vistas pela sua base eleitoral como uma afronta à instituição. O que estava escondido em Jorge Sampaio que agora desiludiu os seus eleitores? Suponho que nada. Sampaio foi sempre muito transparente, muito previsível, nas suas qualidades e nos seus defeitos; os ditirambos discursivos serviam apenas para esconder essa qualidade, ou a falta de outras.


SHAARE TIKVAH. Encerram-se as comemorações do primeiro centenário da Sinagoga Shareh Tikvah, na Av. ALexandre Herculano, em Lisboa. Ver a evocação de Nuno Guerreiro, no Rua da Judiaria.

BARNABÉ. Parabéns ao Barnabé, outro dos lugares de referência na blogosfera portuguesa, e que comemora um ano de existência.

DER UNTERGANG. «É arrepiante», escreve Helena Ferro Gouveia, no Público de ontem, «ouvir [Bruno] Ganz recriar a pronúncia austríaca e a dicção teatral característica do “Führer”. O actor consegue mesmo nalgumas cenas quase inspirar simpatia ao espectador, sem no entanto relativizar a desumanidade, a megalomania, a demagogia e a demência do ditador.» O filme é Der Untergang, de Oliver Hirschbiegel, actualmente em exibição na Alemanha – e, pelo que li na crítica alemã (no Frankfurter Allgemeine), parece ser um bom filme. Mas parece-me estranho o último parágrafo do texto do Público: «Escudando-se no rigor histórico, sem recorrer ao instrumentário hollywoodesco, Der Untergang é um filme sólido cuja força reside em não fazer juízos de moral.» Não fazer juízos de moral? Não fazer juízos de moral é o que dá força ao filme?

POPULISMO DE UM LIBERAL À MODA ANTIGA. Se é verdade que, ao gastar 100 euros em compras, o Estado cobra 19; que ao lucrar 100 euros, o Estado enriquece 33; e que, ao ganhar 100 euros, o Estado fica com 50 – há aqui um problema qualquer, não sei qual.

GÁVEA VAIDOSO. O Gávea, blog português sobre literatura brasileira, esteve durante dois dias no primeiro lugar do TopLinks, o índice dos blogs do Brasil.

PORTUGAL DE CARA NOVA. A primeira página do Segundo Caderno de O Globo sobre a exposição no Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro.

setembro 09, 2004

FOZ CÔA. Seguindo à distância o ruído das televisões (das duas a que tenho acesso) em torno dos acontecimentos de Freixo de Numão e as reuniões de multidões à volta do tribunal de Vila Nova de Foz Côa, vejo uma situação surreal. Não que o que aconteceu não tivesse acontecido -- e não me atrevo a tirar substância aos factos. Desde a minha infância, que foi vivida aí, que casos desses aconteciam todos os anos, várias vezes por mês, em jogos de futebol (no velho campo pelado de Foz Côa tanto como nos de Touça, Sebadelhe, etc., etc.), em romarias, ajuntamentos de domingo. O que aconteceria à realidade se não existisse, finalmente, a televisão?

ON WAVES. É estranho como o aborto se foi transformando na bandeira mais ruidosa da esquerda.

INDEPENDÊNCIA. O Estado de São Paulo diz que «o Presidente quer maior cooperação com Portugal», referindo Santana Lopes, que aliás não identifica na sua primeira página, com o primeiro-ministro de olhar triste e abandonado. O herói do Dia da Independência era Vanderlei Cordeiro de Lima, medalha de bronze na Olimpíada de Atenas: ele é o símbolo de todas as conspirações detectadas e inventadas contra o Brasil.

ONTEM. Ontem, à tarde, na sinagoga Mekor Haim, no Porto, o rabino Shlomo Moshe Amar presidiu a uma cerimónia inédita e muito especial: 'hachnasat Sefer Torah', a entrega da Sefer Torah. A comunidade marrana de Portugal tem a sua casa, sempre a teve.

PORTUGAL. Vejo o Portugal-Estónia na ESPN, com bons comentários. A RTP-i deixará não um mas os dois principais pacotes de cabo & satélite no Brasil (além da Sky, também a Net), sendo substituída pela SICi já a partir de 16 de Setembro. O que vai acontecer à Superliga, isso preocupa-me.

setembro 07, 2004

GÁVEA. O Gávea é um blog de portugueses sobre literatura brasileira. Sugestões podem ser encaminhadas à vontade.

POPULISTA BOM, POPULISTA MAU. O João Miranda, no Blasfémias, resume assim o encontro de hoje entre Santana Lopes e Lula, em pleno Dia da Independência e em plena onda de patrocínio oficial ao «patriotismo brasileiro». Não sei se era preciso mais um empurrão para o «patriotismo brasileiro» actual, mas, como todos eles, arrasta consigo uma série de incongruências. O novo «caso Larry Rhoter» vem nesse sentido (Larry é criticado oficialmente pelo governo por se limitar a reproduzir as críticas que no Brasil têm sido feitas ao projecto de lei sobre a imprensa, quase unânimes na imprensa). Santana Lopes gostaria muito, gostaria. Mas não pode.

ESQUECIMENTO. Dias sem blog, esquecimento pela certa. Não assinalei o primeiro aniversário da Grande Loja, sem dúvida uma das boas referências portuguesas. Ficam as saudações, sinceras.

LARRY AGAIN. Larry Rhoter, o correspondente do The New York Times no Brasil de novo na mira do governo, desta vez por causa de uma peça sobre o estapafúrdio projecto de regulação da imprensa que o governo queria fazer aprovar no Congresso. Rohter teve o seu visto de permanência no Brasil cancelado há uns meses, depois de publicar um texto no NYT sobre «os problemas de Lula com a bebida»; felizmente, alguém chamou Lula à razão (crê-se que o ministro da Justiça, Thomaz Bastos). Desta vez, o caso «tem antecedentes» e pode ser mais absurdo.

O BRASIL E A CPLP. O Paulo Gorjão notou um interesse do presidente brasileiro na sua política africana, nomeadamente na cooperação com Moçambique. «Até que ponto», pergunta o Paulo, «Lisboa e Brasília serão parceiros ou rivais (ou as duas coisas) no espaço geográfico dos PALOP? A resposta a esta questão prévia ajudaria a clarificar qual deverá ser o papel a desempenhar pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) no âmbito da política externa portuguesa.» Ora, o Brasil está interessado qb na CPLP; a aproximação sucessiva que o Itamaraty e o Planalto fazem a África, mesmo que tenha como ponto de partida as escalas da CPLP (S. Tomé, Cabo Verde…), tem a ver com outra ambição mais larga das actuais autoridades de Brasília e com a sua tentativa de colocar o Brasil na cena diplomática internacional. A CPLP é uma escala. O objectivo do Brasil, ao perdoar a dívida de Moçambique, do Gabão, de Cabo Verde, ao prestar homenagem à ditadura do Gabão ou ao visitar a Síria, a Líbia, mesmo ao tentar estabelecer pontes mais sérias com a China, é precisamente esse e não pode desligar-se da tentativa de assumir a liderança dos países do sul da América, promovendo o Mercosul contra a Alca, cedendo à mesa das negociações em matérias sensíveis da balança comercial com a Argentina (a «guerra dos electrodomésticos», por exemplo, terminou com uma aparente derrota comercial brasileira mas com um incremento do seu peso político no cone sul), assumindo a pacificação do Haiti – com uma das metas à vista: caçar votos para obter um lugar fixo no Conselho de Segurança da ONU.
Quanto à CPLP, seria tema para muita outra conversa.

CRISTÃOS. Num texto publicado na semana passada na Folha de São Paulo, Olavo de Carvalho chamava a atenção para um fenómeno curioso: o número de vítimas mortais, em todo o mundo, resultante das perseguições a cristãos em países muçulmanos.

CONTINUA A CONVERSA ANIMADA. A ideia de que não vale a pena discutir o anti-semitismo (primário ou secundário) nestas condições, parece-me justa. Sobretudo quando se verificam duas coisas: 1) dualidade de critérios; 2) ignorância sobre aquilo de que se fala. Por exemplo: quando se fala de judeus, fala-se de quê? Quando se escreve sobre judaísmo, fala-se de quê (de religião?, de cultura, de associações judaicas?)?
Primo Levi: «Nestas coisas nunca se experimenta a sensação de nos deixarem em paz.»

Por outro lado, em matéria de discussão sobre o Médio Oriente, uma coisa é certa: enquanto não existir um estado palestiniano, nada feito. Um estado palestiniano democrático, onde as pessoas se ocupem dos seus negócios, das suas vidas, das suas escolas – e deixar de existir «a Palestina», uma plataforma para que as ditaduras do mundo árabe possam manter todos os álibis e sublinhar todas as desculpas para apoiarem o terrorismo ali ou noutros lugares. Esse estado não existe desde 1948 porque os estados árabes da região não quiseram. Duvido que ainda hoje o queiram, com clareza.

setembro 06, 2004

REGRESSO. Regresso ao blog a meio de um «fim-de-semana grande» no Brasil, o da Independência; é o «feriadão». Todas as grandes imagens que encontro nas televisões e nos jornais que leio vêm da Rússia e não vale a pena repetir a comoção. Mas, como de costume, recomendo a leitura de uma reportagem de Martin Adler publicada na série mensal da Grande Reportagem, há três anos. Na altura, andámos à volta com a peça de Martin e com as suas fabulosas fotografias; tinha ocorrido há semanas o massacre do teatro de Moscovo. E demos capa ao assunto. Aliás, toda a capa. E escolhemos um título: «Lembras-te de Grozny?» Martin Adler tinha entrevistado, na altura e dois anos antes, em Grozny, vários cidadãos árabes. E publicara um nome: al-Qaeda. Uns meses antes, estivera na Etiópia, também em serviço para a GR. E uns meses depois partiu para Bali. Soma absurda de coincidências.