SAMPAIO. Há, agora, uma estranha unanimidade sobre o final de mandato de Jorge Sampaio -- o que causa alguma perplexidade. Durante cinco ou seis anos, Jorge Sampaio disse e fez exactamente o que disse e fez no «final de mandato». O seu discurso, cheio de ditirambos, não mudou muito (curiosamente, tornou-se mais claro nos últimos tempos), elegendo termos como «muito complexa», «preocupação», «admito que», enfim, coisas que se poderiam dizer sobre epistemologia, futebol, touradas de Barrancos (uma das suas intervenções, como hão-de recordar-se), etc., etc. Há exactamente quatro anos, o presidente Sampaio falava sobre o ensino da mesma forma que hoje fala; não vejo onde está a decepção dos que
agora tremem de indignação. O dr. Sampaio manifestou sempre um desejo absurdo de consensos a todo o custo -- com o seu discurso sobre a inocência perfeita da cidadania e as suas irritações sempre que lhe perguntavam alguma coisa, como se todos os portugueses tivessem de participar nessa construção grandiloquente de um País homogéneo, perfeito, penteado, adjectivado, adverbiado, com ar saudável (mas de lágrima fácil), ilustrado e com boas maneiras à mesa. Na altura da sua reeleição, os milhares de cidadãos que se recusaram a sair de casa para votar não o fizeram para acompanhar um jogo de futebol, para irem à praia, para assistirem ao Big Brother ou para seguirem as aventuras da Marinha de guerra portuguesa: fizeram-no porque tanto se lhes dava que Sampaio ganhasse com 60 ou 40 por cento, desde que ganhasse e não interrompesse a modorra confortável da Nação -- e foi reencaminhado para Belém, com loas e alívio generalizado; ele tinha calcorreado o País, dizendo que teríamos de ser optimistas -- isso era o suficiente. Uma mensagem de optimismo fica sempre bem, excepto para os que sabem que ela não vale absolutamente nada.
Mas o que incomoda é esta unanimidade recente, que faz desconfiar de qualquer coisa, e que parece querer fazer esquecer os tempos em que toda e qualquer crítica (um reparo, um discordância) a Sampaio eram vistas pela sua base eleitoral como uma afronta
à instituição. O que estava
escondido em Jorge Sampaio que agora desiludiu os seus eleitores? Suponho que nada. Sampaio foi sempre muito transparente, muito previsível, nas suas qualidades e nos seus defeitos; os ditirambos discursivos serviam apenas para esconder essa qualidade, ou a falta de outras.