janeiro 31, 2005



O CANTINHO DO HOOLIGAN. Tanto PMF como LR , por exemplo, assinalam o mau momento do FCP. Factos são factos: em 29 jogos, o FCP ganhou 12, empatou 10 e perdeu 7. Ou seja, em 29 jogos não ganhou 17. Mais: marcou 31 golos e sofreu 23. Bingo.

PASÁRGADA. «E quando eu estiver mais triste/ mas triste de não ter jeito/ quando de noite me der vontade de me matar/ -- lá sou amigo do rei -- / terei a mulher que eu quero na cama que escolherei. / Vou-me embora pra Pasárgada.» O Bruno Fraga Braz deixou Os Outros de Nós e foi para Pasárgada. Entre Portugal, Espanha e o Brasil.

REVISTA DE BLOGS: Matemática geral: «Um projéctil é lançado verticalmente de baixo para cima. Admite que a sua altitude h (em metros), t segundos após ter sido lançado, é dada pela expressão
h(t)=100t-5t^2
i) Determina h(2).
ii) Resolve a equação h(t)=0
iii) Qual o significado dos valores obtidos anteriormente no contexto apresentado?
iv) (para alunos do 12ºano) Qual a velocidade do projéctil, dois segundos após o lançamento?» No Vizir, um blog a acompanhar.

SEM MARGENS DE ERRO. Enquanto não se sabe se Santana Lopes vai, ou não, processar as empresas de sondagens, preparemo-nos para a quinzena definitiva com o Margens de Erro, de Pedro Magalhães. Ele mostra como se lêem sondagens.

E VAI PIORAR, 2. Exactamente como escreve o Pedro: «Na linguagem política, conhecia a expressão “mama” (mais ou menos sinónimo de “tacho”). Agora, foi introduzido o termo «colo”. Creio que, pelo andar da carruagem, nesta campanha ainda alguém vai dizer “pichota”.»

E VAI PIORAR. Isto é apenas uma amostra. Vai piorar. Mas não me parece bem que haja gente surpreendida -- frases como estas, arrancadas de «um comício feminino» com o primeiro-ministro, não são excertos de campanha. São produto de um desvario qualquer; obra do desespero, provavelmente. Mas não surpreendem. É o portuguesinho na sua mais brilhante actuação, piscando o olho, malandro, arrastando alarvidades. Daqui em diante, se o candidato terminasse os seus discursos com slogans do género «força na verga!», mesmo assim não havia razão para surpresas.

BIBLIOFILIA. O José Pacheco Pereira menciona uma exposição de postais e fotografias da Biblioteca Pública de Braga (de Ana Carneiro) sobre esse tema, bibliofilia. Chamo a atenção para um nome essencial: Henrique Barreto Nunes. O Henrique fez, na Biblioteca Pública de Braga e em todos os lugares onde esteve, um trabalho absolutamente notável, muitas vezes sem os meios que devia ter. Se eu precisar de ajuda para me lembrar de um título, de uma edição, de uma linha de um livro desde o século XIX até hoje, de uma localização de um documento -- sei que posso recorrer a um dos nossos melhores bibliómanos e bibliófilos. Naquela lista enorme de cavalheiros e damas que foram agraciados com tantas comendas de mérito cultural & oficial, eu gostaria de ver o nome de Henrique Barreto Nunes. Não é que ele precise. Apenas iria honrar e reabilitar um pouquinho a lista. Ele é um dos últimos cavalheiros dos livros. Um conhecedor insuspeito -- ou seja, acima de toda a suspeita. É uma pena não se dar por ele.

NOTAS DO BRASIL. O The New York Times publicou uma peça sobre o alarme, dado por organismos públicos brasileiros, sobre a ameaça da obesidade (o tal relatório que enfureceu o governo e os responsáveis do Fome Zero). A notícia foi assinada por Larry Rhoter (o tal que foi expulso do Brasil por ter publicado uma peça sobre Lula & a bebida). O Globo, entretanto, salvou a honra do país: a fotografia que ilustra o texto de Larry, no NYT, não é de três brasileiras -- mas de três senhoras da República Checa de férias em Copacabana. O texto do NYT está correcto; mas as fotos das checas são o argumento patriótico. De facto, qualquer um vê que aquelas senhoras não têm a saborosa gordurinha brasileira, epa.

GALERIA DE RETRATOS. A hipótese de haver eleições a 20 de Fevereiro é francamente positiva. Talvez a torrente de asneiras termine ou diminua um pouco.

NOTAS DO BRASIL. Diogo Mainardi escreveu uma crónica sobre Jorge Furtado. Este, indignado, ameaça processar não só Mainardi como todos aqueles que transcreverem a mesma crónica. O link da crónica está .

Nota: O Fabio Danesi Rossi informa, no FDR, que Furtado é um dos mais recentes protegidos do governo brasileiro («O Jorge Furtado, aliás, acabou de receber 700 mil do Banco do Brasil para fazer um curta-metragem louvando o povo brasileiro. Pra quem recebe tanto dinheiro público, não deve ser difícil louvá-lo.»)

HENRIQUE. Durante esta ausência, perdi o regresso do Henrique Burnay ao seu blog. Mais leitura.

PARAGEM NOS LINKS. Os links do Aviz foram actualizados. Terminou a vida de alguns, entraram outros.

O CANTINHO DO HOOLIGAN. Ah, assim eu gosto. O FC Porto perde e eu regresso ao blog. Sem ressentimentos.

Adenda (maior do que o post): hoje, o FC Porto não perdeu apenas o jogo – provavelmente perdeu a corrida para o campeonato. Mas não faz mal. Há muito tempo que não via o FCP jogar assim, tão mal. Aliás, nem quando perdíamos jogávamos tão mal, falhando 60% dos passes e envergonhando o azul-e-branco. A única coisa a registar foi a entrada de Cláudio. De resto, hão-de explicar-me como é que o balneário do FCP reage a uma série de expulsões desta natureza. Não, não estou a culpar os árbitros – estou a dizer que os jogadores entram em campo sem perceber o que estão ali a fazer.

janeiro 17, 2005

DOIS POEMAS COM SEIS ANOS.

O primeiro som devora-o a noite, mas fica para sempre
— por ter sido a primeira das coisas comuns. Aquele
minuto, nunca o repetes. Vagamente o lembrarás mais tarde,
porque é frequente falar-se do mistério da vida. Já o esqueceste,

muitas vezes choveu sobre ele e sobre nós, os relâmpagos
não bastam para que o mundo o mostre. Chamas-lhe revelação,
ao gesto que abre os braços, o primeiro olhar que se ama
lentamente, nele cabe o silêncio anterior, as coisas que estremecem

só de terem um nome, uma sombra, um modo de adormecer.
A partir daí, do primeiro som, tudo recomeça enquanto o dia
se não curva; repousando, agora, ela perfuma a vida. Haverá outra

maneira de descrever todas as coisas que nascem assim — mas
esta basta, é a mais simples. A mais amada das coisas cede
o seu lugar por esse minuto, esse som, o gesto que abre os braços.





Enquanto chove, miudinha e fria, a chuva de Janeiro,
seguro ao colo a minha filha. Ela olha vagamente a luz
esplêndida, arrebatada. Sente-se essa emoção, tão
pequena. O tempo passa e esquece, não o sente,

adormecida e encostada ao peito, um sopro seria agora
uma ventania inútil enquanto digo versos em silêncio,
grato pelo milagre de a ver perfeita. É outra coisa comum,
esta perfeição — os olhos, as mãos, a boca, um leve

perfume que há-de ficar na camisinha de flanela,
esvoaçando de Janeiro a Janeiro, afastando o medo
do Inverno (esse mal que vem entre as roseiras frias

e mais nuas do mês). Ninfinha que há-de rir, assim a vejo
em sonhos, trémula, a cabeça posando sobre a mão,
inclinada sobre a tarde, desajeitada e tão agora nascida.

janeiro 08, 2005



«Declina o dia,
as canas dobram-se à aragem de nordeste.
Morrerás num crepúsculo destes
quando a tempestade ruge e as penas caem,
e caem as tâmaras e as lágrimas.»

José Agostinho Baptista

janeiro 07, 2005

LIVRARIA BUCHHOLZ. José Leal Loureiro (A Regra do Jogo, lembram-se?) é o novo director da Buchholz. Ele acha que «pré-falência [é] uma expressão demasiado violenta» e anuncia que a livraria está a preparar «um reforço de capital, e está a tentar incrementar as vendas e reduzir alguns custos, com vista a voltar a funcionar em pleno». Muito bem.

FORNICAÇÃO. Fawzan Al-Fawzan, professor na universidade Al-Imam, na Arábia Saudita, tem uma explicação para a ocorrência do maremoto asiático:
«We know that at these resorts, which unfortunately exist in Islamic and other countries in South Asia, and especially at Christmas, fornication and sexual perversion of all kinds are rampant. The fact that it happened at this particular time is a sign from Allah. It happened at Christmas, when fornicators and corrupt people from all over the world come to commit fornication and sexual perversion. That's when this tragedy took place, striking them all and destroyed everything. It turned the land into wasteland, where only the cries of the ravens are heard. I say this is a great sign and punishment on which Muslims should reflect.»

janeiro 06, 2005

OBRIGADO. Ao Superflumina, obrigado pela distinção e pela lembrança.

janeiro 05, 2005

POLÍTICA GERAL. A declaração do presidente da República sobre as grandes dificuldades que se aproximam traz água no bico. Ou bem que as eleições se fazem para clarificar e calar o ressentimento ou então é melhor ficar toda a gente a discutir pactos de regime e a metafísica do bloco central.

LUX. Convidar o dr. Pôncio e a Margaria Rebelo Pinto para as listas de deputados elegíveis é uma espécie de anúncio de um cruzeiro pelas Caraíbas. Evidentemente que não funcionaria. A Margarida (declaração de interesse, como faz Pacheco Pereira no Abrupto: é minha amiga) e fez bem em recusar; não tem jeito para a política e nunca lhe vi um comentário sobre o assunto. Já quanto a Pôncio Monteiro, e como se viu, o destino escreve torto por linhas habitualmente tortas.

BUCHHOLZ, 2. Acredito que só os amigos da Buchholz, ou seja, os seus clientes, aqueles que passaram pelas suas escadas, estantes, livros empilhados, desorganização, maus tratos, labirintos, três andares, inutilidades & raridades, pequenas maravilhas, achados, prazos de entrega, presenças do Assis Pacheco, poderão decidir o destino da livraria. Pessoalmente, penso que o encerramento da Buchholz, se vier a confirmar-se, constitui uma perda para a geografia cultural de Lisboa. O mercado é fatal e uma livraria também funciona no interior dessa maquinaria. Simplesmente, acho que os seus clientes podem fazer um esforço suplementar.



BUCHHOLZ. Este texto poderia estar no site da livraria Buchholz (que está em remodelação) e teria todo o gosto em publicá-lo. Infelizmente, antecede esse texto (divulgado por Pedro Tamen, de quem o recebo) o seguinte aviso: A Livraria Buchholz, lugar de referência do nosso (pequeno) universo cultural encontra-se em situação de pré-falência. E este pedido de um grupo de amigos: «Agradece-se a todos quantos a frequentaram que a voltem a visitar, de vez em quando. Comprar um livro que não se encontra em mais lado nenhum pode, eventualmente, ajudar a reerguê-la.»
A Buchholz é uma livraria com história. Foi fundada em 1943 pelo livreiro alemão Karl Buchholz, que deixou Berlim depois da sua galeria de arte e livraria terem sido destruídas pelos bombardeamentos. A actividade de Buchholz era incompatível com o regime de Berlim, nomeadamente a venda de autores considerados proscritos, como Thomas Mann. No entanto, a relação de Buchholz com o regime era algo dúbia pois tanto compactuava em manobras de propaganda alemã como salvava da fogueira obras de Picasso e Braque, condenadas pela fúria nazi.
No início, a livraria estava situada em Lisboa na Avenida da Liberdade e só em 1965 se instalou na rua Duque de Palmela. O interior foi projectado pelo próprio livreiro ao estilo das livrarias da sua terra natal. O espaço estende-se por três andares unidos por uma escada de caracol, com recantos e sofás que proporcionam uma intimidade dos leitores com os livros. A madeira das escadas, chão e estantes torna o espaço acolhedor e agradável.
Hoje, a galeria continua a ser uma referência cultural com um público fiel que preza o espaço de convívio que a livraria sugere. A selecção dos títulos é vasta e inclui várias áreas: artes, ciência, humanidades, literatura portuguesa e estrangeira, livros técnicos e infantis, na cave funciona uma secção de música clássica e etnográfica. Apesar de não ser especializada em nenhuma área, a secção dedicada à ciência política é frequentada por muitos políticos da nossa praça. A Buchholz acolhe ainda eventos especiais como lançamentos de livros, sessões de leitura, e o "Domingo Especial" que são os saldos anuais da livraria, uma vez por ano, no último domingo de Novembro. Na Buchholz on-line pode percorrer as estantes da livraria sem sair de casa e ainda encomendar livros nacionais e alguns estrangeiros.

POLÍTICA GERAL. Não percebo o espanto gerado pelo caso Pôncio Monteiro. Mas compreendo a gargalhada.

LIVROS NAS BIBLIOTECAS. DIREITOS DE AUTOR, 9. Ora, o pagamento dos direitos de comodato aos autores, pelo empréstimo de livros nas bibliotecas públicas portuguesas, como já escrevi antes, é um problema a encarar. De qualquer modo, o regime actual não é desconfortável e a moratória pedida pelo Estado português (através do Instituto do Livro), até 2012, é uma coisa sensata e com a qual estou absolutamente de acordo. Até porque as bibliotecas públicas têm contribuído, de forma notável e incansável, para a divulgação das obras dos autores portugueses. E, também, para a sua venda.

LIVROS NAS BIBLIOTECAS. DIREITOS DE AUTOR, 8. O Jorge Vaz Nande, de A Peste, acha que a pergunta deixada por Luís Carmelo, «se levada às últimas consequências», põe em causa «a responsabilidade dos autores no progresso cultural»; se bem me recordo, o Luís questionava a circulação de fotocópias e o que isso significava de dano em matéria de direitos de autor. Ora, a responsabilidade dos autores não se perde ao reivindicar o justo pagamento pelos seus direitos. É disso que ele vive – e não de subsídios do Estado. «We, authors» – mais uma vez. Há autores que ganham a vida (apenas ou também) com aquilo que escrevem; não é justo que lhe sejam negados os direitos sobre os seus textos. Os autores contribuem ou não para o progresso cultural – isso é com cada um – mas não é justo que o seu trabalho não seja pago. Sobre esta matéria devemos ser claros. Ou se pensa no autor como um funcionário do Estado (ou de uma autarquia, de um instituto, de uma escola), sujeito ao regime geral do funcionalismo público ou ao regime particular do contrato que assina, ou como um sujeito independente que, de facto, vive do produto do seu trabalho. A liberdade de um autor deve estar, em princípio, nas tintas para o progresso cultural. A literatura não tem nada a ver com a cidadania, os mecanismos de regulação da sociedade, as comendas do 10 de Junho ou a auto-estima dos seus concidadãos. Eu sou um «trabalhador independente»: não tenho horário de trabalho, não tenho 13º mês nem «regalias sociais» senão as que obtenho com o meu trabalho. Não vale a pena enumerar.
O J.V.N., em A Peste, enuncia várias vezes o princípio dos «direitos morais» de um autor, e eu compreendo do que se trata. Mas, de facto, falamos de outra coisa. Toda a gente acha que fulano, autor do texto x, tem direitos morais sobre o seu texto x; porque foi o seu autor. Assim, diremos que fulano é autor do texto x. Os direitos morais consagram a autoria propriamente dita, a integridade da obra, a sua textualidade, o direito a ser citado como autor, a impossibilidade de a obra ser alterada sem o seu acordo, etc. Mas deve consagrar-se outro direito: que ninguém ganhe um cêntimo com a utlização do texto x sem autorização ou acordo do autor de x. É claro que há esse outro argumento: a literatura (a escrita, o que quiserem) é uma arte pobre, um negócio pobre. Pode ser. Mas tem um valor.
Por exemplo, também compreendo a preocupação do Rui Manuel Amaral, no Quartzo, Feldspato & Mica quando diz que «os grandes beneficiados serão todos os Dan Browns e Margaridas Rebelo Pinto deste pequeno mundo». Mas não vejo que a retribuição de direitos de autor ao Dan Brown ou à Margarida seja uma injustiça ou que isso beneficie apenas «aqueles que menos precisam de compensações desta natureza». Eu sei que o Rui não escreveu a palavra «apenas»; mas muitos gostariam de a ver lá escrita para significar que só esse género de autores pode ser beneficiado.

Adenda: Posso contar uma história que não é estranha a muitos. Acho comovente que, um dia, a pessoa que estava a paginar um livro, tenha ficado chocada com o valor pago ao seu autor. Esse valor era aproximadamente 1/3 do valor que essa pessoa receberia para paginá-la. Honestamente, achou que era uma injustiça. Mesmo estando a contribuir para o progresso cultural da sociedade, naturalmente.

LIVROS NAS BIBLIOTECAS. DIREITOS DE AUTOR, 7. O Jorge Marmelo chama a atenção para dois pormenores nesta questão, ambos do ponto de vista dos autores e um deles esquecido. O Jorge, nas suas intervenções que conheço foi uma das pessoas que sempre afirmou que os autores não devem ter um «tratamento de favor», mas recorda:
«Lembras-te de ter sido criada uma taxa sobre a venda de fotocopiadoras destinada, dizia-se, a compensar os autores pela reprodução das suas obras? Conheces alguém que tenha recebido um tostão? Chegou a ser aplicada? Ou conheces, por exemplo, algum jornalista que receba os direitos de autor resultantes da venda de artigos seus pela entidade patronal, não só a particulares, mas a outras publicações e "sites"? Já se sabe que as leis que nos protegem podem até ser muito avançadas e justas, mas os resultados são, normalmente nulos, como sucederá provavelmente com a taxa das bibliotecas. Já a eliminação do benefício fiscal de que beneficiamos terá efeitos imediatos. Limpinho.»
Limpinho, de facto. Talvez isto acrescente um pouco à pergunta do Luís Carmelo, que tem toda a razão de ser.

janeiro 04, 2005

LIVROS NAS BIBLIOTECAS. DIREITOS DE AUTOR, 6. Sobre a questão dos direitos de autor, que tem vindo a ser tratada a propósito dos empréstimos nas bibliotecas, escreve o Luís Carmelo:
«E o que dizer das fotocópias que fazem dos nossos livros (refiro-me aos ensaios e sobretudo àqueles que aparecem permanentemente nas bibliografias em licenciaturas e mestrados?»

janeiro 03, 2005

REFORMA DO ENSINO, 2. Mais notas sobre o tema lançado pelo Ademar Ferreira dos Santos, no Abnóxio. Por exemplo, no Ar Fresco. E o sinal de conforto do À Espera dos Bárbaros. Entretanto, Vital Moreira informa sobre a publicação de um blog sobre ensino superior, com a contribuição de outros bloggers portugueses.

EMPRÉSTIMO DE LIVROS NAS BIBLIOTECAS. DIREITOS DE AUTOR, 5. Por email, João Branco entra na discussão sobre o tema «pagamento de direitos de autor ao empréstimo de obras em bibliotecas».
«A questão aqui vai mais longe do que a responsabilidade ou não dos autores em colaborar com a cultura, ou o ressarcimento destes compensar ou não. A questão aqui é "os limites do direito de restrição de cópia" (não acho que o termo "direito de autor" seja correctamente aplicadohoje em dia, excepto se considerarmos coisas como direitos morais à integridade das peças). Como consumidor (também sou autor, mas isso são outras contas) penso que os direitos de cópia terminam na primeira transacção comercial. Não há lugar a pagamentos em qualquer transacção posterior - incluindo o emprestimo público de uma obra que foi comprada. Obviamente aos detentores do direito de cópia (quão poucas vezes são estes os autores) interessa-lhes aumentar os "direitos dos autores" à custa dos direitos dos consumidores. Esses interesses podem existir e até os considero legítimos, mas porque devem eles sobrepor-se aos interesses do público?»
A resposta segue.

REFORMA DO ENSINO. Outros blogs citaram também este post. Recomendo bastante este começo, de Ademar Ferreira dos Santos (são três posts com o mesmo título, «Uma certa escroqueria universitária»). E este, também do Ademar. No Abnóxio.

janeiro 02, 2005


A VIAGEM DE IAQUB, 4. Em Manaus, o Rio Negro assustara-o: os únicos rios que vira, em sonhos certamente, tinham sido os rios da Mesopotâmia, e nenhum era tão grandioso, tão frio, tão profundo e tão escuro como aquele que o barco segue de Belém para Santarém, de Santarém para Óbidos, de Óbidos para Juruti e Itacoatiara, de Itacoatiara até às águas sujas de Manaus, onde Iaqub chegara em Dezembro de 1894, numa manhã de domingo em que os sinos tocavam às primeiras horas da manhã e se aproximava o Natal dos cristãos. Mal descera do barco em São Luís do Maranhão, apenas o tempo de passear pelas ruas do porto. Quando passara ao largo de Alcântara, falaram-lhe de Belém como a última fronteira, e Iaqub imaginou que daí em diante as florestas à beira da água haviam de parecer-lhe os pomares ao longo dos rios do paraíso, as margens do Tigre e do Eufrates, com as suas cheias imensas de onde tinham vindo os profetas e continuavam a chegar a fruta, os carregamentos de armas, de seda e de retratos vendidos no mercado de Beirute. Mas nada o assustou como as margens dos rios do Acre, cheios de sombras e de animais despedaçados.



A VIAGEM DE IAQUB, 3.
Como seria Manaus nesse ano de 1894, quando Iaqub desceu do barco, no Rio Negro, e viu as obras das ruas, a lama dos pátios, tão diferentes de Beirute, tão diferentes de Marselha, onde esteve duas semanas à espera de barco para o ou-tro lado do mar? Devia ser um desgosto grande e uma dor sem nome, porque a Serra de Contamana, a fronteira com o Peru, tinha o perfil negro da maldição lançada sobre todos os homens solitários que se atrevem a enfrentá-la ao fim do dia.

A VIAGEM DE IAQUB, 2. Ele próprio só pôde reconstituir essa viagem de Iaqub Youssef, o libanês, quando descobriu que no interior da caixinha, em papéis sujos, havia muitas anotações manuscritas, numa letra minúscula e cheia de erros de ortografia em português que demorou a entender. Durante um mês, praticamente, juntou os papéis, folhas avulsas arrancadas a cadernos improváveis, com linhas quase desaparecidas ou apenas amarelecidas pela humidade, salpicadas de café, manchadas de cinza, cheirando às florestas e a fumo de cigarro – havia números, geralmente preços de café, de cachaça, de açúcar, de sal, de quinquilharias, brinquedos que seriam vendidos nas aldeias do Itucumã, do Acre ou do Rio Negro depois, sabão que sobrevivia às travessias dos rios.

A VIAGEM DE IAQUB, 1. A história dessa caixa é estranha, longa, demora a contar, mas ele conhecia-a através de Iaqub, o vendedor de quinquilharia que saiu de Beirute em Julho de 1893 e que dois anos depois, em Setembro de 1895, chegaria à Serra de Contamana subindo o Juruá, o mais pequeno dos rios. Para quem nunca esteve na Amazónia, é difícil imaginar como se chega quase à nascente do Juruá-Mirim, tanto mais que o rio nunca foi muito navegável. Não era rio de pesca, não era rio de gente, sobretudo na época das chuvas, de Outubro a Maio, e só se chegava a ele saltando de rio em rio, de igarapé em igarapé, de colina em colina, sobrevivendo aos ataques dos índios, às alucinações, aos animais desconhecidos e às febres.

AS RESTRIÇÕES ALIMENTARES. Não poder comer isto ou aquilo é um limite civilizacional. Mas também é uma de duas coisas: uma marca distintiva e um sinal de arrogância. Mas podemos escolher, é sempre esse o caminho.