PORTUGAL POSITIVO. Parece que umas boas almas engendraram um novo slogan que dá pelo nome de Portugal Positivo. O que a ideia que o Portugal Positivo transporta é que os portugueses andam “descontentes com a situação”. Ora, estar “descontente com a situação” é um dado que se mantém há larguíssimos anos – com alguns intervalos regulares – e que constitui, mesmo, uma das características da sensibilidade nacional, salvo durante os momentos em que a economia “vai bem”, ou seja, em que há dinheiro para gastar, e abundantemente.
A ideia, segundo percebi, teria a ver com a necessidade de melhorar a auto-estima dos portugueses e mostrar-lhes que, afinal, há coisas boas a acontecerem em Portugal: “Há excelentes empresas, óptimas organizações, brilhantes técnicos, grandes investigadores e cientistas”, dizia um dos textos da iniciativa. Este discurso é conhecido e recorrente. O presidente da República usa-o bastantes vezes para mostrar, durante as suas “presidências abertas”, que os portugueses devem levantar a moral e deixar a “cepa torta” (é outra das suas expressões, e errada, porque a cepa é quase sempre torta). Geralmente invocam-se os nomes de cientistas, artistas e até empresários e desportistas, para provar que temos boas razões para estarmos confiantes. A verdade é que, em quase todos os casos, tiveram de ultrapassar as barreiras e fronteiras nacionais para conseguirem trabalhar e levar adiante os seus projectos. Não é caso único nem exclusivamente português. Mais: para produzir um obra de génio, para mostrar talento e para criar novidade, não é preciso melhorar a auto-estima dos portugueses – é sobretudo necessário trabalhar, quase sempre contra factores como o próprio País (o que acontece em muito lado), a sociedade, a mediocridade das burocracias, o desengano dos pobres de espírito, a fatalidade da história. Não há outra maneira.
O que a ideia do Portugal Positivo traduz é a sensação de que devemos acreditar mais em nós. Trata-se de uma trapalhada. Os portugueses acreditam muito em si mesmos e têm uma auto-estima elevadíssima, como disse Vasco Pulido Valente e já tinha dito Eduardo Lourenço; basta ouvir um dos muitos fóruns da rádio para perceber que os portugueses acreditam muito nas asneiras que dizem e na ignorância que transmitem. Sobre a guerra do Iraque, o défice do orçamento, a literatura, o Euro 2004, a pedofilia, os portugueses acreditam mesmo no que pensam. Mesmo que o que pensam não seja especialmente importante ou inteligente e não passe de repetição de lugares-comuns.
Ao contrário do que supõe essa ideia de “melhorar a auto-estima dos portugueses”, o que é necessário é, de facto, melhorar as condições da sua bolsa. Vão ver como os problemas de auto-estima desaparecem. Isso tem acontecido ciclicamente: em momentos de festa, de euforia (com a representação de D. Manuel ao Papa, com a exposição do Mundo Português, com a Expo’98, com as vitórias do FC Porto e com o Euro 2004), as questões de auto-estima não se colocam a não ser às elites.
Esse é o problema das elites portuguesas: elas gostariam de ter outro país. Um país mais culto e mais educado, mais “moderno” e sem bolsas de pobreza dramáticas. Por isso, em vez de aborrecerem os portugueses, deviam primeiro olhar para si próprias. Para a televisão que criaram, para a escola que permitiram, para a arrogância da vida política, para os maus exemplos empresariais. [Jornal de Notícias]