junho 30, 2003

BLOGOTEORIA L.G., que de NY está sempre atenta ao que se passa no Brasil e em Portugal, sugere um texto de Paulo Roberto Pires, aparecido no No Mínimo, «Literatura a jato». Paulo foi jornalista e é, agora, editor da Planeta/Brasil, onde mantém uma colecção com autores portugueses, que Nelson de Matos já referiu — e bem. Acho que vale a pena ler o texto, de 28.06.2003. Cito só uma passagem:

Dentre tantas negativas[em relação aos blogs], algumas exageradas, outras certeiras, uma frase chama a atenção: “Blog não passa de um meio de publicação”. Ou seja, a página pessoal, facílima de montar e manter, seria nessa lógica pouco mais do que um canal no qual seu proprietário, “dono e soberano”, faz o que bem entender. Esta antidefinição demarca bem, ainda, outra posição: escritor não é blogueiro, blogueiro não é escritor – pelo menos teoricamente, um administra o meio, outro produz a mensagem. O único problema é que, pela primeira vez na História, estes papéis não são tão nítidos: em geral, quem escreve publica, muitas vezes imediatamente, queimando assim várias etapas de produção e distribuição de textos. E, ainda, o que muito justamente se dá por rotineiro tem, historicamente, um peso pouco desprezível: trata-se, na prática, da total liberdade de expressão e difusão. Caiu na rede, já é público.
Há quase 70 anos, em 1934, Walter Benjamin preocupava-se com o mesmíssimo tema, obviamente em outros termos. “O autor como produtor” foi o título que deu a uma conferência, hoje em suas obras completas, proferida naquele ano no Instituto para o Estudo do Fascismo, antes portanto de o nazismo o trancafiar num campo de prisioneiros e o empurrar para o suicídio na fronteira da França com a Espanha. Exatamente como nos indagamos hoje sobre a web ou realidade virtual, discutia-se na época as transformações do universo técnico, o cinema impondo a cultua das imagens e, assim, modificando, o alcance e as possibilidades da escrita. Seu ponto de partida, o “problema da autonomia do autor: sua liberdade de escrever o que quiser”.

RUI KNOPFLI. «Não voltarei, mas ficarei sempre,/ algures em pequenos sinais ilegíveis,/ a salvo de todas as futurologias indiscretas,/ preservado apenas na exclusividade da memória/ privada. Não quero lembrar-me de nada,// só me importa esquecer e esquecer/ o impossível de esquecer. Nunca/ se esquece, tudo se lembra ocultamente. [...] Desmantelado, eu/ sobreviverei apenas no efémero bronze das palavras.» {O Monhé das Cobras

VASCO GRAÇA MOURA. O Abrupto publicou umas redondilhas de Vasco Graça Moura — em que ele nega ser o autor de O Meu Pipi. Confesso que, quando o José Pacheco Pereira mencionou umas passeatas pelos alfarrabistas de Bruxelas (ah, inveja!), houve quem pensasse: «Era bem feito. E se estes dois...» Desfeita a suspeita — ficam os versos.

ROADMAP. O Expresso traz uma reportagem sobre o Hamas. Há ali um tom ingénuo e cordato que poderia fazer esquecer o Hamas propriamente dito. No lead diz-se que o Hamas é «uma organização de assistência social — «não temos uma rede de assistência social», diz lá dentro Ismaïl Abu Shanab, um dos dirigentes. Depois, é preciso dizer que se trata de uma mistificação: as crianças que passam férias nos campos do Hamas, como nos da Jihad (há um documentário a BBC sobre o assunto — da BBC!), recebem treino militar (miúdos de dez anos são mostrados a desmontar uma Ak-47); esses «campos de férias» são considerados «escola de heróis» (é fantástico o que se pode escrever), como dizia uma reportagem da Pública há uns meses. Ninguém sabe se isto é para rir.
É desse número de miúdos que saem os suicidas. O Iraque e a Arábia Saudita, por exemplo, pagavam entre 10 a 25 mil dólares à família de cada suicida, a título de «indemnização» e «solidariedade».

Entretanto, a propósito do post de ontem à noite sobre o facto de as brigadas de al-Aqsa e de as FPLP não terem subscrito nenhum acordo de cessar-fogo, é bom lembrar que — hoje — as al-Aqsa já reivindicaram o assassínio «de um trabalhador estrangeiro». As brigadas de al-Aqsa estão ligadas à Fattah de Yasser Arafat.

RUI KNOPFLI. Acabo de saber, pelo NCS, no Desejo Casar, que vai ser publicada a obra completa de Rui Knopfli. Acho que é uma das melhores notícias «literárias» dos últimos tempos. A poesia de Knopfli é do melhor que temos, «cortante» (como diz o Nuno), transportando consigo uma ferida intransponível (a extraterritorialidade, justamente — um espaço que fica entre Moçambique e Portugal, no seu caso). Quem não conhece, leia. Quem conhece, fique um momento em silêncio, à espera dos versos.

MAIS SIONISMO. A propósito do sionismo, ainda. Por e-mail, Jorge Lemos, diz que O Teatro de Sabbath (Publicações Dom Quixote) é o seu Philip Roth preferido — os meus são, de facto, O Teatro de Sabbath e o explosivo Complexo de Portnoy (Bertrand), que tanto irrita as feministas:

«Reparo que menciona Operation Shylock, não tenho lido referências portuguesas, nem sabia que estava traduzido [tradução na Companhia das Letras, Brasil]. O livro deixa-me um pouco “puzzled”. Em que medida a teoria do “esvaziamento de Israel para evitar a perseguição ao Judeus” do Philip/2 [um dos personagens do livro] exprime as opiniões do autor? Já sei que não se deve confundir, mas Roth tem-se mostrado extremamente crítico da política israelita; parece confortável na sua situação de intelectual judeu americano; creio que se inclui no grupo dos que criticam a política exrterna dos EUA por estar demasiado ligada a Israel. Um pormenor bizarro: um dia, pesquisando na net sobre Operation Shylock descobri um site nacionalista ucraniano, fortemente anti-semita, onde se opunham a um eventual “regresso em massa de judeus à Ucrânia”... Sabe porque é que eles previam esse regresso? Porque defendiam a impossibilidade da permanência do estado de Israel e a dissolução do mesmo. Escoravam essa teoria em citações muito extensas do livro de Roth... Uma das causas desses nacionalistas é a defesa da inocência de John Demjanjuk, cujo caso é fulcral na Operation Shylock...»
[…]
«Sobre o sionismo, penso que hoje em dia se torna cada vez mais necessária um distinção. Por um lado, há o sionismo como ideia fundadora do estado de Israel, cuja necessidade foi de certa maneira forçada pelos outros povos. Este é um sionismo respeitável, talvez até indispensável. Por outro lado, há uma teorização apresentada como sionista que reclama com direito inalienável a posse do teritório do Eretz Israel. Sobre a fundamentação histórica-religiosa não me pronuncio, não digo que não exista, agora este “sionismo” parece-me irrealizável e perigoso. Esta distinção é importante de fazer, mas não se vê muitas vezes feita. Tanto mais importante que a teorização inicial do sionismo (historico-religiosa ou utilizando a religião como motivo agregador) por vezes usava a expressão Eretz Israel para dar um nome ao seu objectivo... Ora, os que hoje dizem que nunca aceitarão um estado palestiniano na Cisjordânia/Gaza também falam do Eretz Israel...»

Essa distinção de Jorge Lemos entre «os dois sionismos» parece-me acertada — o Grande Israel Bíblico (que seria o «segundo») não tem a ver com o projecto sionista que levou à criação do estado de Israel depois da II Guerra Mundial. Acho que os posts anteriores já falavam do assunto, quando A.A. escreveu o seu mail sobre o papel dos ultra-ortodoxos e aqui se discutiu o papel dos partidos haredim e da pequena seita dos Neturei Karta, por exemplo.

DE REPENTE. Exactamente assim, de repente. Desde quarta-feira que a imprensa (ou seja, as páginas do «internacional») festeja a declaração de cessar-fogo dos movimentos extremistas palestinianos. Na quinta-feira, um diário português chegou a anunciar que uma escaramuça numa das barreiras de Gaza punha em risco a «iniciativa de paz» — ora, acontece que não havia nenhuma iniciativa de paz. Que se saiba, quatro dos principais movimentos (Hamas, FDLP, Jihad e Fattah — mas não estão incluídos grupos como a FPLP ou as brigadas al-Aqsa) só hoje revelaram ter assinado uma declaração de cessar-fogo. Israel manifestou pouco entusiasmo, mas suponho que só na Europa pode haver entusiasmo bastante, não é Javier Solana que viaja nos autocarros de Jerusalém, nem vai às pizarias da Jaffa Road ou aos cafés de Haiffa — a «cidade de todos» que o terrorismo atingiu miseravelmente. Que se saiba, ainda, Yasser Arafat só em 1988 aceitou o parágrafo da resolução 242 da ONU sobre o direito de os estados da região viverem em segurança dentro das suas fronteiras — mas nenhum dos movimentos extremistas declarou aceitá-lo. O símbolo da OLP e da Fattah (símbolo que permanece no uniforme de Arafat) é, ainda, o mapa do estado palestiniano entre o Jordão e o Mediterrâneo.
De repente, quase toda a imprensa desata nesse coro inequívoco: vejam, vejam como os grupos palestinianos querem a paz, sempre quiseram a paz. Estas coisas são absurdas. Na semana passada, no Al-Hayat Al-Jadida, Adli Sadeq, vice-ministro dos Estrangeiros da Autoridade Palestiniana, que está a negociar o roadmap com os americanos, chamava a Bush «the head of the snake of the American oppression»; sobre a América, em geral, que — como se sabe — pressionou os radicais israelitas a aceitar o mesmo roadmap, Sadeq dizia que «is sinking deeper and deeper in a putrid swamp, and will extricate itself from it only as a defeated, stinking loser». Na passada quinta-feira, na véspera da chegada de Condoleezza Rice ao Médio Oriente, o Al Ayyam, diário oficial da Autoridade Palestiniana, atirava-lhe piropos e piadas racistas (sobre o facto de ser negra).
Neste reino das oportunidades perdidas, recordo uma citação de Golda Meir; tinham-lhe perguntado sobre quando haveria paz com o Egipto: «Dei instruções para que me informem de cada vez que um dos nossos soldados for morto, mesmo se for a meio da noite. Quando o presidente Nasser deixar instruções para ser acordado a meio da noite se um soldado egípcio for morto, então haverá paz.»

junho 29, 2003

FUTEBOL IV. Eu gosto do Real Madrid. Fiquei um nadinha preocupado com a hipótese de Carlos Queiroz ir para lá como treinador. Depois, fiquei preocupado quando ele foi escolhido como treinador. Posso enganar-me, claro, mas fiquei preocupado. Agora, leio no Público que Nelo Vingada foi proposto para adjunto de Carlos Queiroz. Fiquei muito mais preocupado (caramba, é o orgulho nacional a funcionar). Mas há uma possibilidade ainda — Vingada diz que «neste momento, não pode confirmar nem desmentir essa informação». Mais umas horas de esperança.

FUTEBOL III. A FIFA, a corporação do futebol mundial, decidiu que a partir de agora os jogadores de futebol já não podem despir a camisola depois de marcarem um golo. É um retrocesso — a mesma FIFA já tinha autorizado a sessão de striptease, por ser manifestamente impossível prender os braços de um jogador numa circunstância dessas. Mas os cavalheiros sofrem mesmo de excesso de vontade legislativa. Em competições oficiais, um Beckham, um Raúl, um Owen, um Ronaldo, um Derlei (eh, eh, eh…), devem, com compostura, curvar-se educadamente diante da tribuna do estádio e dirigir um respeitoso manguito aos representantes da FIFA. Nada está ainda legislado nessa matéria.

FUTEBOL II. Os deputados que foram a Sevilha fizeram-no cumprindo uma «missão política»? Claramente, não. Ou foram em nome pessoal, ou no âmbito de uma claque a que provavelmente pertencem (os Super Dragões, por exemplo), ou com um grupo de amigos que aproveitou para cear condignamente depois do jogo, ou a convite do FC Porto. Qualquer destas hipóteses é aceitável, decente e até louvável — para mim, que sou portista. Mas é só isso. Encontrem é uma justificação plausível no Parlamento: «Fomos à bola, pedimos autorização ao patrão, tirámos um dia a compensar.» Já me parecia bem.

FUTEBOL I. A questão levantada pelos deputados que pretendiam justificar a sua falta em S. Bento com o facto de terem ido a Sevilha verem o FC Porto é muito útil e deveria ser remetida para o presidente da República. O dr. Sampaio, no seu périplo açoriano, durante o qual enunciou o princípio do «patriotismo moderno e democrático» ao subir as escadarias de Angra, emitiu diversos pareceres sobre a vida pública portuguesa — o mais interessante foi sobre as críticas dirigidas aos líderes e titulares de cargos políticos: os cidadãos mais cépticos deviam ter mais respeitinho pelos políticos; uma tremenda pontaria, logo na altura do Fátima Felgueiras Show, do dr. Isaltino, etc.
Alberto Martins, deputado socialista do Porto, afirma que ter ido ao estádio olímpico de Sevilha para ver uma partida de futebol pode ser justificado como «trabalho político» (doravante, os manuais dos políticos em campanha, incluirão idas ao estádio da Luz, ao jantar da Casa do Sporting em Cantanhede, ao Retiro dos Dragões em Pinhel, etc.). Se criticarmos o deputado, estaremos a cair sob a alçada do «pessimismo nacional», do «bota-abaixo» e da «cepa torta» que o presidente da República também criticou? Ou podemos falar do assunto e dizer que se trata de uma fantástica patetice?

HOPPER. O Tradução Simultânea, tem uma sugestão, também a propósito de Hopper, que o Crítico Musical tem vindo a mostrar no seu blog: «E lembrei-me, caro Francisco, Larkin será uma das melhores bandas sonoras para Hopper.» Em certas passagens de Larkin, sem dúvida; em outras passagens de Hopper, concerteza. Acho que o Nuno Miguel Guedes poderia aceitar isto: «It means what we feel now about you then:/ How beautiful you were, and near, and young,/ So vivid, you might still be there among/ Those first few days, unfingermarked again./ So your old name shelters our faithfulness,/ Instead of losing shape and meaning less/ With your depreciating luggage laden.» Acho que foi uma boa sugestão, a do Nuno.

FRANCAMENTE. O A Carta Roubada levantou algumas questões sobre o que sgnifica «falar mais francamente» nos blogs, a propósito da reportagem da Visão . Acho que tem razão: quando se diz que se fala «mais francamente» nos blogs, isso significa que há um lugar em que se fala «menos francamente», o que não tem a ver com sinceridade, suponho — e nunca se fala assim «tão francamente»: sobre as nossas alegrias, as perdas, os nomes perfeitos, a saudade, o corpo, o mais trivial de tudo. Acho que dizer que se fala «mais francamente» nos blogs pode ser um lapso, sim; mas pode também ser uma pequena vitória, ou uma pequena abertura, ou só uma deslocação. Ou só uma distracção, o que não deixa de ser fatal.
Porque o essencial permanece: somos tão vaidosos aqui como em qualquer outro lado, e tão inseguros, humildes ou arrogantes. [Um aspecto curioso que pode merecer reflexão por parte do A Carta Roubada é o facto de os textos dos blogs não passarem pelo crivo de um editor: não são «escolhidos», revistos, cortados, recompostos, reescritos por outro — a velocidade é diferente, o tom é mais pessoal, notam-se mais as falhas (as incorrecções gramaticais, os erros ortográficos), e pode falar-se sobre «outra coisa».] Acho que a questão do «falar francamente» não tem a ver com «falar com mais sinceridade», mas com mais espontaneidade. E sobre outros temas.
Provavelmente, isso até pode estar ligado a outro assunto largamente comentado pelo A Carta Roubada e que foi lançado por Nelson de Matos: o do anonimato. Sem referir os «ruídos informáticos» (as traquinices que se podem cometer: abrir um blog em nome de outro, não haver «direito de resposta» — um tema que está a ser muito discutido nos EUA a propósito dos blogs —, «os IP que marcam a ligação do computador com a rede podem ser forjados ou roubados», etc., referidos no post do A Carta Roubada), acho que há lugar para todos. O anonimato defende essa «franqueza» de que se falava atrás? Em anonimato o blogger iria falar da vida conjugal, dos filhos, das hipotecas, do interesse que lhe suscitava a dentista, dizer que se estava nas tintas para a poesia de Wallace Stevens ou que tinha uma vontade profunda de ser analfabeto funcional? E isso seria mesmo falado? Tudo seria falado? Isso seria uma vantagem?
Por acaso, acho que vale a pena ler o que o Valete Fratres!, por exemplo, foi buscar aos textos escolhidos de Mao TseTung, substituindo o que eram «deveres de um comunista» por «deveres de um blogger».

MANUEL FALCÃO. Manuel Falcão entrou na blogomania. Está na
Equina do Rio. Mais leitura, certamente.

E o Psicossomática emigrou para Carta Roubada, mantendo as suas perguntas (e perplexidades).

junho 27, 2003

A TARDE. As tardes de sexta-feira começam pela estrada, entre pinhais. Há mensagens no telemóvel, jornais para ler, livros desarrumados no banco de trás, o começo do fim-de-semana verdadeiro. Não sei dizer o que me causa esta impressão, a da estrada ao fim da tarde sexta-feira, enquanto o dia não desaparece. Provavelmente são saudades de outra coisa.
Outro dia, a Monólogo, perguntava se «alguma vez XXXXX [um homem] escreveria sobre sentimentos de desamparo, falta de auto-confiança, alterações de humor? Não creio...» O argumento («gosto de ser a “mulher biológica” que sou») parece-me tão falível como qualquer outro e tão acertado como os melhores, mas os sentimentos ficam melhores quando são poupados; há quem fale dos seus sentimentos e quem rodeie a conversa sobre eles — a ideia de que temos de falar sobre eles para podermos mostrar como somos sensíveis, como temos coração, como sabemos (ainda) ultrapassar a pequena miséria da linguagem, parece-me ser flutuante: depende do que queremos mostrar — e não temos de mostrar nada, ou quase nada. A aparência de fragilidade que resulta desse tom confessional é muito apreciada, mas nem toda a gente fala da mesma maneira.
Eu tenho estas tardes de sexta-feira. Clarice Lispector, no Perto do Coração Selvagem, dizia apenas isto: «Impossível de explicar.» Porque não se trata apenas do fim-de-semana (quantas vezes é preciso trabalhar ao fim-de-semana, sim); é como se o mundo se reordenasse. Eu podia sentir isto ao domingo à tarde, à terça-feira, aos dias dez de cada mês; provavelmente, há muito tempo que não reivindicamos a necessidade de o mundo parar um pouco. Há um ruído de fundo que tem de deixar de ser escutado para que a música venha preencher o vazio. Isto ou outra coisa qualquer.

OBRIGADO. Ao Abrupto por recordar o filme de Claude Lanzmann, Shoah num post dedicado ao Aviz: «Saiu em DVD o filme de Claude Lanzmann, Shoah. Já escrevi imensas vezes sobre o filme, mas não importa. Quero mesmo fazer propaganda. É daqueles filmes que provocam um antes e um depois, antes era-se adolescente retardado, depois fica-se adulto, antes era-se indiferente, depois é-se comprometido, do pathos ao bathos e depois do bathos ao pathos.
Nunca vi melhor “documentário”, e vai com aspas porque a palavra é pobre. Se houvesse apenas um “documentário” sobre o século XX era este que devia sobreviver. Não há uma palavra a mais, um sentimento a menos, uma paisagem que não seja esplendidamente calma e intensamente cruel. O filme é sobre o holocausto e percebe-se como ele vem das ideias e não das necessidades, como o holocausto demonstra o extremo perigo das ideias, a sua banalidade burocrática, a sua presença quotidiana entre nós.»

OUTRA VEZ. Carlos Vaz Marques, no Outro, Eu, esclarece que a sua proposta ficcional (e se o estado de Israel tivesse nascido no Uganda?, como circulou no congresso sionista de 1898) não tinha sarcasmo. De seguida, acha que a minha pergunta — «E se não existissem judeus?», estava cheia de sarcasmo. Não tem sarcasmo nenhum, era uma pergunta com a ironia (logo depois do 11 de Setembro li que «isto» não teria acontecido se não existissem judeus) de quem sabe que se podem fazer todas as perguntas e em todas as circunstâncias. No que Carlos Vaz Marques tem inteira razão, toda a razão, é que essa má pergunta (espero que fique esclarecida essa questão do sarcasmo, Carlos) é tão despropositada como a que coloca («E se os palestinianos não existissem?»), mesmo se considerarmos que a «solidariedade» árabe com os palestinianos é recente. Aí, CVM acerta na mouche.
Sobre Karen Armstrong, que CVM cita (Holy War: The Crusades and Their Impact on Today's World), ela é também a autora de A History of God. The 4,000-Year Quest of Judaism, Christianity and Islam, um bom livro (tradução portuguesa no Circulo de Leitores e na Temas & Debates), Islam. A Short History, Jerusalem. One City, Three Faiths (Circulo de Leitores e Temas & Debates), The Battle for God: fundamentalism in Judaism, Christianity and Islam (já traduzido em português, Em Nome de Deus, na Companhia das Letras — constitui um roteiro sobre o fundamentalismo das religiões monoteístas, embora retome alguns dos caminhos que enunciou em Jerusalem. One City, Three Faiths) ou Muhammad: A Biography of the Prophet (também no Brasil, na Objetiva). A History of God é um livro excelente que vale a pena ler.

EH, EH, EH... 2 Confirmo essa informação. Amanhã, o Expresso entrevista mesmo o autor de O Meu Pipi — um trabalho do jornalista Paulo Querido que, gentilmente, disponibilizou uma imagem do seu trabalho. Ah, mas, atenção, não vai sair o nome civil do Pipi. Como o Paulo Querido sabe guardar segredos, admitem-se várias hipóteses sobre a maneira de conhecer a identidade do autor-mistério. Amigo do Aviz já contabilizou 17 sugestões aparecidas recentemente na blogosfera, de Vasco Graça Moura a Paulo Portas passando por Odete Santos (ou mesmo José Manuel Fernandes). A bolsa de apostas agita-se.

EH, EH, EH... Não é por nada (claro...) mas acho que, amanhã, o Expresso vai divulgar o nome do procuradíssimo autor de O Meu Pipi.

SIONISMO, III. Só uma coisa mais, a propósito de um novo e-mail sobre esta questão. R.G.P. escreve que «o sionismo sempre esteve ligado ao que havia de mais reaccionário» no universo da religião e da cultura judaica. Ora, caro R.G.P., isso não é verdade (já nem comento o facto de muitos sionistas estarem ligados a movimentos sociais, ao marxismo, ao «sindicalismo de base» — e, geralmente, serem liberais em matéria religiosa). Os ultra-ortodoxos sempre se horrorizaram com a perspectiva do sionismo e do regresso através de meios humanos. De resto, convém lembrar, o sionismo não é uma ideia nova ou contemporânea — ela coabita com a própria experiência do judaísmo desde sempre. Modernamente, quer Yehuda H. Alkalai (em 1845), quer, mais tarde, Zevi H. Kallisher (em 1860), escreveram sobre a concretização desse projecto, largamente criticado pela ortodoxia. Um dos aspectos mais criticáveis, segundo os ultra-ortodoxos, na ideia sionista de Herzl, era, aliás, além do próprio projecto, a sua face cosmopolita e vagamente europeia, pós-Reforma. Ora, foi através do sionismo que se intensificou a dimensão secular da cultura judaica, recusando o gueto, a passividade, a aceitação do massacre e do extermínio. No segundo congresso sionista, o de 1898, foi dito claramente que «o sionismo não tem nenhuma relação com a religião». Os Neturei Karta, justamente, consideram que essa ideia de uma terra ligada ao destino dos homens constitui uma profanação, tão grave como a idolatria do Bezerro de Ouro; os inimigos do judaísmo seriam não o anti-semitismo, a tirania que considerava os judeus «cidadãos de segunda classe», mas os judeus que punham em causa o estrito cumprimento da Lei — ou seja, o próprio Holocausto foi visto como um castigo divino sobre a heresia dos judeus que acreditavam na possibilidade de viverem numa terra dos homens, onde fossem livres para serem judeus; o Knesset era visto como «assembleia de malignos» e o estado de e Israel como obra do Mal e da heresia. Depois, caro R.G.P., é preciso compreender o sionismo moderno no contexto da shoah e da noção de extraterritorialidade que lhe é inerente, mas acho que não vamos comentar nem isso nem a necessidade absoluta da existência de um estado palestiniano. Não vamos ambos na armadilha dos princípios «seriamente estabelecidos». Desde 1948 que devia existir um estado palestiniano. Não vamos cair em banalidades de princípio.

Uma das ideias possíveis é ler Operação Shylock, do grande Philip Roth (há uma edição em português, muito bem traduzida, na Companhia das Letras): Roth enfrenta Roth em Jerusalém, debatendo a impossibilidade de uma condição judaica fora da diáspora. Um livro fundamental.

FLAUBERT. Não se pode perder o Bouvard e Pécuchet. No Aviz, tinha mencionado os que, tendo lido Flaubert, nunca tinham aparecido a citar Flaubert em bicos-de-pés. Acho que encontrei um blog que incarna essa ideia: bem escrito, sem malabarismos, cheio de humor no «diálogo entre dois tolos», bom mesmo.

Outros (novos — para não falar dos clássicos, Marretas, Mexia/Dicionário, Voz do Deserto, Valete, Blog-de-Esquerda, Almocreve das Petas, O Crítico Musical, Jaquinzinhos, Lomba/Obsessão — imagine-se a velocidade com que se é clássico...) que continuo a recomendar são o Portugal dos Pequeninos, o Guerra e Pas, o O Céptico, o Tempo Dual, o Crónicas Matinais (que inclui o «On Laglan Road» de Patrick Kavanagh...), o OpinionDesmaker, ou o Outro Eu, etc., etc...

O que me leva a retomar uma questão levantada pelo Abrupto (lá, no longínquo norte...) há uns tempos, quando falava do «umbiguismo». Sinceramente, e não obstante as objecções levantadas por parte dos bloggers portugueses, penso que o umbiguismo a que José Pacheco Pereira se referia tinha muito a ver com a tendência circular de reflectir sobre a existência uns dos outros, um pouco à maneira do chat — e não com o «exibicionismo», o que seria delirante.

MAINSTREAM. Acabo de ler no ContraFactos & Argumentos: «VITAMEDIAS. Don’t Blog: What happens when blogging becomes mainstream? What bad things will we face? Other technologies experienced a public backlash after a hype cycle. This blog attempts to chronicle that coming backlash.»

SINONISMO, II. Carlos Vaz Marques, no seu Outro Eu, diz que «com espírito de militância, o Aviz explica o sionismo aos goyim, de Hertzl aos nossos dias. Também sei que há um anti-sionismo de pacotilha, é só juntar água e agitar bem, mas mesmo assim continuo com uma dúvida por dissolver: que teria acontecido ao mundo se tivesse ido por diante a hipótese de criar o Estado de Israel... no Uganda? Foi o próprio Herzl que chegou a avançar a sugestão no Congresso Sionista de 1898. Os sionistas — os originais — não pensavam em termos messiânicos. Em que momento é que tudo começou a correr mal? Não deixa de ser interessante propor à imaginação um exercício ficcional em que o Uganda se tivesse tornado a terra prometida. O que seria hoje o Médio Oriente? O que que seria hoje África? O que seria hoje o mundo?»
Ora, caro CVM, não há aqui militância nenhuma (militante é que eu não sou); nesta matéria somos todos goyim. Em 1903, foi o próprio Herzl que, dadas as dificuldades e a continuação dos pogroms pela Europa fora, sobretudo depois da selvajaria russa de Kishinev (o massacre ocorreu em Abril desse ano e levou a uma emigração massiva para a Palestina), começou por aceitar a oferta inglesa de um território no Uganda de então — parte dele estaria hoje no Quénia. É preciso dizer que a aceitação da proposta ugandesa tinha a ver, unicamente, com a situação dos judeus na Lituânia, na Rússia e na Ucrânia. O Salmo 137 explica muita coisa, mas, felizmente, como sabemos, não tem nada a ver com o messianismo posterior nem com o fundamentalismo de hoje. É um imperativo ético. Compreendo, no entanto, a sugestão ficcional de Outro Eu, e um dia destes entraremos ambos no jogo.
«E se não existissem judeus?», é outra pergunta do género.

SIONISMO, I. A «questão sionista» continua no Aviz. Houve vários e-mails, alguns enxotados para o lixo, outros respondidos com o próprio texto de ontem. Surpresa das surpresas, recebo um longo texto (e muito bom) de A.A.. Depois de situar a realização do I Congresso Sionista, de 1897, A.A. escreve sobre o sionismo hoje de forma muito clara, tratando de «comentar o entendimento do Sionismo entre os judeus. Porque o problema está, ainda hoje, também aí. Como sabemos, o holocausto foi — trágica e infelizmente — decisivo para que o mundo reconhecesse a necessidade de resolver o que, à época, se chamava de “solução nacional para a questão judaica da Palestina”. Mas, já antes, mas especialmente nessa altura, apresentaram-se alguns inimigos à causa sionista: outros judeus. Como sabe melhor do que eu, os ultra-ortodoxos. E isto por razões religiosas, porque, como sabemos, o sionismo, e tal como diz, não tinha grande influência religiosa. A maioria era laica. Judeus laicos. E , por isso, os ultra-ortodoxos nunca aceitaram, nem vão aceitar, nem o Sionismo, nem o Estado de Israel. […] Ora, penso que já foi a Eretz Israel, e terá certamente visto aqueles cartazes com símbolos de violência e morte que estão, infelizmente, colocados em muitas paredes, ameaçando os judeus sionistas. Não são obra nem de muçulmanos, nem de árabes. São obra de judeus ultra-ortodoxos. Gente que, por levar a religião à letra, com ódios mil — tal como os fundamentalistas islâmicos e os senhores da inquisição de outros tempos —, se tornou parasita de Israel. Recebe dinheiro, não trabalha, não contribui em nada para o desenvolvimento do Estado, não vai à tropa, etc... e que defende a sua extinção. […] Vi verdadeiro ódio ( tirando, claro, os terroristas islâmicos[…]) foi nos olhos de ultra-ortodoxos. […] E isso também é uma realidade, e também contribui para o anti-sionismo e anti-semitismo. Porque os ultra-ortodoxos, para mim, também são anti-semitas.»
A questão colocada por A.A.é central (Richard Zimler, entre nós, falou do assunto numa entrevista de há dois anos com igual clareza): a força dos partidos haredim, ultra-ortodoxos, em Israel, vem do período posterior a 1967 com a ideia do grande Israel bíblico, e com a emigração dos países do antigo Bloco de Leste — além do conjunto de inexplicáveis privilégios das yeshivas (escolas rabínicas) e da sua clientela ultra-ortodoxa que desde 1977 frequenta os governos do Likud, quer através do Agudat, quer, depois, com a aliança que conduziu à formação do Shas, e com a influência de rabinos conservadores que os sionistas tinham já devolvido ao caixote do lixo. O assunto merece um conjunto igualmente numeroso de ensaios sobre a própria natureza do estado de Israel. Muitos dos emigrantes da Europa de Leste chegados após a queda dos regimes comunistas (ao contrário das comunidades que fizeram o seu aliyah vindos da América Latina, por exemplo), submetidos a condições de vida dramáticas e a perseguições contínuas, não se coloca a opção entre democracia e teocracia: hostilizados nos seus países de origem e hostilizados agora por países vizinhos, a única reacção que conhecem é extremamente conservadora e fundamentalista. Há várias anedotas sobre o assunto (como aquela da mãe que, num autocarro, em Israel, diz ao filho para falar yddish e não hebraico; um passageiro diz-lhe «mas o hebraico é que é a língua de Israel», e ela responde: «Sim, mas eu quero que ele continue a ser judeu.»). Este conjunto de circunstâncias somado ao poder efectivo das yeshivas , levou ao fortalecimento dos haredim, do parasitismo dos religiosos ultra-ortodoxos, e ao enfraquecimento das posições mais liberais na vida política israelita.
Há aqui, porém, uma questão complexa, que A.A. transcreve: a dos Neturei Karta, o grupo de ultra-ortodoxos conservadores e violentos, de extrema-direita, fixados sobretudo em Mea Shearim, e que rejeitam o sionismo como movimento secular, equiparando-o ao nazismo — uma vez que o poder de «restaurar Eretz Yisrael» está reservado à vontade divina e ao Messias por vir. Os Neturei Karta (literalmente, do aramaico, «Guardiões da Cidade») chegaram a afirmar que a vitória de Israel na guerra de Yom Kippur era um milagre, sim — mas um milagre de Satanás.

junho 26, 2003

HOPPER. O Contra-a-Corrente, comentando o post de ontem sobre Hopper: «Quantos foram os que, como Hopper, souberam pintar o vazio suspenso e a solidão?» Eu sei que o Contra-a-Corrente gosta de Hopper.

Mas S.S. envia um mail e, a propósito de Hopper, diz que «a solidão se espalha como uma epidemia. […] Não se pode confessar a solidão. A solidão é inconfessável, é para os românticos...[...] Não quando se é "feliz" e se está sempre a rir e a fazer rir e quando se tem uma legião de homens atrás... Não faria sentido, pois não?» Não sei. Ninguém sabe.

ADITAMENTO. Coisa espantosa, isto. Às vezes lembra o mundo real. Depois de visitar alguns dos blogs «mais alinhados», não resisto a citar aquele cavalheiro chinês: «Devemos apoiar tudo o que o inimigo combate, e combater tudo o que o inimigo apoia.» [Mao TseTung, em 1939; Obras Escolhidas, T.II]

SIONISMO. Num mail simples, G.S.O. comenta o meu post de ontem sobre a morte de Leon Uris e o sionismo. «A equiparação de sionismo a racismo tem a ver com as próprias raízes do sionismo e a ONU deu voz a essa inquietação.»
Ora, eu acho que não houve «inquietação» nenhuma. A resolução 3379, de 10 de Novembro de 1975 (que ano!), que comparava sionismo e racismo, foi aprovada pela assembleia geral da ONU com 72 votos a favor e 35 contra — e 32 abstenções. Se contarmos com cerca de 20 países árabes, os países do então Bloco de Leste e uma enorme barreira de ditaduras de África do «terceiro mundo não-alinhado», não se pode dizer que tenha sido uma resolução anormal. Qualquer resolução votada por esse bloco de países, aliás, garantia uma passagem fácil na AG da ONU. O conjunto de negociações e trapalhadas que marcou qualquer resolução dessa natureza, bem como votações absurdas, diz bem da facilidade com que países dessa área puderam dominar a comissão de Direitos Humanos, por exemplo — não para defender os direitos humanos, mas para tratar dos direitos humanos onde quer que fosse necessário.
O anti-sionismo é uma trapalhada igual. A maior parte dos colunistas que menciona o sionismo como uma ameaça, e que recentemente se ergueu em peso, ignora inclusive o nome de Theodor Herzl e aquilo que se discutiu no I Congresso Sionista — na sequência, por exemplo, do «caso Dreyfus». Se as paredes apareceram pintadas de «Morte aos judeus!» na França liberal e democrática (o primeiro país europeu a, modernamente, garantir direitos iguais a cidadãos judeus), isso significava que nas sociedades menos «abertas» a situação dos judeus seria muito pior e mais dramática, como o provam, aliás, os pogroms da época, por todo o leste europeu.
Outro dos mitos criados em torno do sionismo diz respeito à forte carga religiosa — ou de exclusão em relação a não-judeus — que o termo comportaria. Herzl frequentava uma sinagoga liberal em Budapeste, mas tanto o judaísmo como a religião foram assuntos relativamente periféricos na sua vida. O que, basicamente, o sionismo defende desde 1897 é a existência de um estado democrático onde cada judeu possa assumir a sua condição cultural e religiosa sem constrangimentos.
Os ataques ao sionismo são, geralmente, fundados quer na ignorância absoluta daquilo que o termo quer dizer, quer num anti-semitismo de vulgata. Um exemplo banal: na conferência internacional do Ano Internacional da Mulher, organizada pela ONU, em 1975, no México, a resolução final condenava o sionismo como «inimigo da mulher», mas não o sexismo, a inexistência de direitos iguais ou os maus tratos domésticos. Uma resolução desse tipo poderia ser vista como uma condenação aos países árabes presentes na conferência, da mesma forma que esse «bloco de países anti-sionistas» sempre se recusou a condenar a escravatura de negros em países árabes, na mesma altura em que Israel preparou e executou a operação de evacuação de judeus negros (falashas) da Etiópia «comunista», onde milhares deles foram mortos ou confinados a campos de concentração, separados das suas famílias. A operação, também vista como de «proteccionismo sionista», acaba por revelar um mundo trágico de subescravatura e de violência (veja-se o livro de Ze'ev Chafets, Heroes and Hustlers) poucas vezes denunciado pela imprensa.

LEITURAS & LEITURAS. Leio no Retorta, um comentário ao post que escrevi há uns dias sobre o acto de leitura e a humildade da leitura. É evidente que há sempre qualquer coisa atravessada nisto, sobretudo quando falamos de exibicionismo. Escreve o Retorta que «o exibicionista pode sentir-se acima dos outros e as suas opiniões incontestadas. Esta intimidação, quer seja feita com "cultura" ou com outro tipo de armas, tem como efeito um enfraquecimento do debate e troca de ideias.» Acho que é preciso distinguir esse exibicionismo, desagradável e desonesto, da alegria da leitura: quando se lê um livro e se fica incapaz de não falar sobre ele. Acontece que um livro desses se mete sempre onde não é chamado, em todos os minutos do dia, a cada hora do dia. Há um amigo, com quem tenho serões de bar, que tem essa vertigem: a do livro que não se cala. E, então, reproduzimos diálogos do livro, frases inteiras, entoamos a fala dos personagens, tudo isso. Entre nós, diante do Bushmills.
Mas, manifestamente, há aquilo para que o Retorta chama a atenção: a incapacidade de falar sem ser através da invocação permanente do livro que cala toda a gente, essa intimidação. Às vezes vê-se fulano que, para anunciar uma ideia — nem por isso interessante —, invoca esse mestre incontestado: «Eu acho que, como diria o imortal Stevenson, o mar está cheio de água.» Na televisão, em entrevistas «intimistas», isso tem um resultado demolidor. O entrevistador pergunta qualquer coisa banal, como «gosta de futebol?»; a resposta tem esse excesso garantido: «O mundo do prazer, escreveu o genial Heine, alás citando Espinosa, é acessível a todos.» Aquilo que a pequena intelligentsia faz é banalizar os nomes, como banaliza os autores. Por isso é que é extraordinário descobrir alguém que leu Flaubert e nunca citou Flaubert; não quer dizer que, ao citar Flaubert, o tenha desvalorizado — quer, simplesmente, dizer que se trata de uma descoberta espantosa. Isso acontece muito mais vezes com pessoas que não são propriamente «formadas em humanidades»; fico sempre encantado ao descobrir alguém da microbiologia ou da física que se apaixona, muitas vezes de forma delirante, pela literatura mexicana, ou pelos versos de Poe. Ou quando se descobre, por exemplo, numa entrevista de Stephen Jay Gould, a sua enigmática erudição em Bach, basebol e Hawthorne.
Recordo sempre com incomodidade um velho colega de faculdade (de outra faculdade, em Lisboa) que, a meio de uma viagem de autocarro, o 18 ou o 42, citava Barthes, o Prazer do Texto, e qualquer coisa da Kristeva, rodeado de leitores do Record ou de senhoras que iam às compras na Almirante Reis (acho que a minha desconfiança pós-adolescente sobre Barthes começou aí, provavelmente). Anos mais tarde, encontrámo-nos numa esquina do Príncipe Real; ao fim de dois minutos confessou-me que andava a ler Paul De Man. Nunca acreditei.

BORGES. Everness «Sólo una cosa no hay. Es el olvido./ Dios, que salva el metal, salva la escoria/ y cifra em Su profética memoria/ las lunas que serán y las que han sido.// Ya todo está. Los miles de reflejos/ que entre los dos crepúsculos del día/ tu rostro fue dejando en los espejos/ y los que irá dejando todavía.// Y todo es una parte del diverso/ Cristal de esa memoria, el universo;/ no tienen fin sus arduos corredores// y las puertas se cierran a tu paso;/ sólo del otro lado del ocaso/ verás los Arquetipos y Esplendores.»

PESSOAL E TRANSMISSÍVEL. O jornalista Carlos Vaz Marques tem um blog. Ele escreve muito bem.

BRASIL. CC escreve num mail sobre literatura brasileira: «Só muito recentemente ultrapassei o meu preconceito (infundado e idiota) para com a literatura oriunda do Brasil e a revelação explodiu como uma bomba, sob a forma de um nome maior: Raduan Nassar. Li tudo dele (o que dito assim, apenas serve para impressionar quem não sabe o quão pouco ele publicou) e os seus livros serviram (para além do inerente deleite intelectual) para me abrir um novo universo literário.» Raduan Nassar é uma das vozes fantásticas do Brasil, sim (está publicado em Portugal pela Relógio d’Água), e é um tropeção em todos os que acham que o Brasil está rendido aos guionistas, como ouvi outro dia num debate — trata-se de poesia da mais pura, sem verso nem floreado. Nassar, paulista, é um caso único — porque deixou de escrever mal se estreou; os seus livros estão confinados a três títulos que vale a pena reter: Lavoura Arcaica, estreia de 1975; Um Copo de Cólera, de 1978, e Menina a Caminho, contos, de 1997 (todos publicados pela Companhia das Letras). É uma literatura que terminou como começou: sem ter lugar, de outro tempo. Hoje leio Raduan Nassar com a impressão de ele se ter multiplicado em muitos livros de seguidores e de emuladores; não há uma única metáfora sua que não tenha sido levada à exaustão por milhares de textos que pretendem «fazer novidade» sem perceberem que a novidade, em literatura, é uma explosão (como escreve CC no seu mail). Recordo que os dois livros maiores de Raduan Nassar são de 1975 e de 1978; se tivessem sido lidos, evitaríamos muitas coisas avulsas e pobres — sim, não teríamos milhares de críticos louvando a eterna originalidade de certos autores caseiros, por exemplo, que dão erros de gramática e cortam a direito pelos parágrafos, envergonhando os tipógrafos de antanho (tipógrafos de antanho!, diria Machado de Assis).

DEPRESSÃO GERAL. S., de Nova Iorque, escreve a dizer que «os blogs estão a deprimir-me ainda mais» do que o novo projecto de investigação que está a preparar na área da microbiologia. Eu compreendo: subo pela rua, para casa, e ligo o computador. O que pensa uma parte do mundo sobre o resto do mundo?
Três discos para o serão: «At First Light», de Silje Nergaard, «Changing Places», do Tord Gustavsen Trio (muito bom), e uma deliciosa misturada de clarinete, de Woody Allen. Joel Neto está a aprender a tocar clarinete e diz que é o instrumento mais difícil de tocar no jazz; isso não sei, mas agradeço ao pai do N.C.S. que, em Ponta Delgada, me estendeu o disco à saída de casa, como prenda. Tínhamos passado uma tarde daquelas — chovia na parte sul da ilha, fazia sol da outra; as nuvens abriram e aparece o sol em cima do areal do Pópulo, iluminando o Livramento até lá em cima. E tínhamos bebido coisas espantosas, sim. O disco do Woody Allen acrescentou um pouco de felicidade.
Por isso, às vezes acho que compreendo S., que faz um intervalo na microbiologia para ler os blogs portugueses. Subo a rua (um dos prazeres de Aviz é ir ao café comprar cigarros e ficar uns minutos mais, até serem horas de começar a subir a rua), e penso: o que pensa uma parte do mundo sobre o resto do dele?

junho 25, 2003

QUARTO DE HOTEL. Toda a solidão que conheço, quase toda, vem nos quadros de Hopper — a solidão silenciosa, que extermina; a que vem do vazio, do fundo, do nada. Edward Hopper nunca me sugere música, escandalosamente; apenas um fio vagamente musical, como Harold Budd muito ao fundo de tudo, como se nada tivesse o direito de interromper aquela perfeição feita de pradarias, escadas de velhas mansões, restaurantes vazios, quartos de hotel, mulheres por quem nos apaixonamos só porque existem em algum lugar. Não vale a pena falar sobre a luz, a intensidade, o que resta disso tudo — em cada Hopper há a ideia de que nunca nos salvamos, de que nunca se ultrapassará essa estreita barreira a separar-nos da felicidade.
Hoje, o Crítico Musical mostrou Quarto de Hotel. Eu fico sempre sem saber se alguém gosta de Hopper. Acho que ele é devastador.

BUSCA DA EXCELÊNCIA A «busca da excelência» é uma expressão banalizada (por exemplo, no ensino). Mas parece-me que vale a pena lembrar que quarenta estabelecimentos de ensino privados têm cursos com notas mínimas de acesso situadas entre 0 e 1 valores.

LINKS Sei que não é muito importante, mas espero que a coluna dos links já esteja a funcionar. Eventuais correcções serão acrescentadas ao longo do dia.

junho 24, 2003

AVISO. Houve um pequeno acidente com a coluna dos links – amanhã retomará funções.

O’NEILL. Aos Vindouros, se os Houver «Vós que trabalhais só duas horas/ a ver trabalhar a cibernética,/ que não deixais o átomo a desoras/ na gandaia, pois tendes uma ética;// que do amor sabeis o ponto e a vírgula/ e vos engalfinhais livres de medo/ sem preçários, calendários, pílula,/ jaculatórias fora, tarde ou cedo;// computai, computai a nossa falha/ sem perfurar demais vossa memória,/ que nós fomos pràqui uma gentalha/ a fazer passamanes com a história;// que nós fomos (falta necessidade!)/ quadrúmanos da vossa humanidade.»
De Ombro na Ombreira, 1969

URIS, SIONISMO. Soube pelo Valete Fratres! da morte de Leon Uris. Uris é um autor que está nas minhas estantes desde há muito tempo. Natural, dirão alguns; provavelmente. A esquerda sempre viu nele um nome detestável, o do autor de Exodus , romance-saga, sionista por excelência, centrado na narração da aventura de milhares de judeus que procuravam, depois da II Guerra, um lugar para viver. O problema de «ter um lugar para viver» é central quer na consciência judaica de Israel quer na cultura da diáspora — com a shoah, os campos de extermínio e o nazismo, o judaísmo confirmava a «condenação à extraterritorialidade» como uma tragédia mais do que como uma condição cultural. A criação do estado de Israel, bem como o sonho sionista, de Herzl a Ben Gurion, garantia a existência desse lugar— uma democracia onde cada judeu pudesse habitar em segurança e ter a possibilidade de, sem constrangimentos, assumir a sua condição cultural e, voluntariamente, religiosa.
Leon Uris retratou o mundo dos heróis comuns, a paixão, a derrota e a humilhação que daria lugar mais tarde à concretização dos sonhos que embarcaram no navio de exilados e sem terra. Duplamente humilhados, claro — primeiro, na Europa que lhes serviu de campo de extermínio; depois, num navio que nunca foi autorizado a tocar terra. O livro foi um best-seller. Essa foi a primeira ameaça, que se fazia acompanhar pela divulgação dos horrores e da hipocrisia dos que continuavam a admitir a existência de «um problema judeu» (em plena «Solução Final», o mufti de Jerusalém, Haj Amin al-Husseini, visitara Hitler para pedir-lhe que permitisse aos árabes resolver «o problema dos elementos judeus na Palestina pelo mesmo método pelo qual a questão está a ser resolvida nos países de Eixo»); a segunda foi o próprio sionismo que, em 1975, uma deliberação da ONU, em plenos anos setenta, num coro de maquinações (entre países árabes, comunistas e «não-alinhados»), equiparou ao racismo. A mesma ONU permitiu, em 1984, que o delegado saudita para a Conferência sobre Tolerância Religiosa, da Comissão de Direitos Humanos (a mesma que albergou a Síria, China, Cuba ou a Líbia), declarasse que «o Talmud diz que um judeu será condenado para eternidade se não beber todos os anos o sangue de um não-judeu» como argumento «anti-sionista».
Uris não foi um escritor brilhante. Os seus milhares de páginas eram sagas e frescos históricos, romances sobre sonhos em movimento e heróis colectivos — havia nelas generosidade e imaginação, aventura e predição. Exodus é uma dessas histórias fantásticas que transcreve um momento radical da vida do povo judeu. E Uris ficou como um dos seus ícones respeitáveis, porque a gratidão é um valor essencial para quem preza a memória.

A TERRA SEM VIDA Leio no Tempo Dual alguma evocação de Trás-os-Montes e de uma árvore de que há muito tempo não ouvia falar: o negrilho. Lembro-me dos negrilhos altíssimos, de Inverno, encostados aos muros (e das árvores suas contrárias: as cerejeiras e as amoreiras, que eram o esplendor do Verão), escuros, nas estradas em redor de Vinhais, por exemplo, sobretudo na que seguia de Ousilhão para Bragança e atravessava a serra da Nogueira. No Tempo Dual vejo também Vila Flor. Não é uma terra de negrilhos, propriamente, é já terra quente, mas aquele vale pareceu-me sempre espantoso, uma espécie de terra sem vida sem explicação, cheio de amendoeiras, eucaliptos e giestas, oliveiras, albufeiras isoladas, presas às colinas. Havia a Quinta dos Zimbros, no caminho para Moncorvo, no que era o antigo Vale da Vilariça, confinando com o Sabor e o Douro; e havia aquele céu azul-forte, cheiroso, quente; e havia pontes e pequenos aquedutos que de repente apareciam na estrada sobre rios e ribeiros invisíveis (tinham secado ou sido consumidos e desviados); e havia o xisto com riscos amarelados, muros, pombais no alto da serra (entre zimbros, sim, ciprestes e cedros sem classificação). Quando se partia de Vila Flor para o Douro (ou seja, para Moncorvo e Pocinho que era, praticamente, o centro do mundo visto a partir do rio — falo dos anos sessenta e setenta), era como se se deixasse atrás de nós um mundo cheio de aparições, bruxarias, histórias de infância, igrejas abandonadas (como a de Adeganha). Um dia, numa viagem sem destino, encontrei num lugar não muito distante daquele que aparece em Tempo Dual, uma velhíssima Bíblia hebraica. Para mim foi como se se tratasse de uma revelação vinda do nada — um sinal da sobrevivência, como as casas cujas ombreiras tinham sido raspadas para esconder o lugar onde antes estava a mezzuzah com os seus rolinhos que já tinham desaparecido há muito, ou os armários onde se guardava a matzah. Foi sempre uma região inexplicável, sim. Trás-os-Montes, a Trás-os-Montes essencial começa, para mim (vindo por essa estrada de Marialva, Vila Nova de Foz Côa, Vila Flor), quando vejo o primeiro castanheiro à beira da estrada. Seria uma sorte ver negrilhos.

MOACYR SCLIAR O Jorge Marmelo, justamente, lembra que acaba de sair no Brasil (edição da Companhia das Letras) o novo livro de Moacyr Scliar. Scliar é um dos grandes autores brasileiros de hoje, pouco divulgado entre nós, como quase tudo o que é brasileiro e realmente bom (não, não vou enumerar, não vou listar os «meus» brasileiros). Saturno nos Trópicos. A melancolia Europeia chega ao Brasil é um livro invulgar — trata-se de um ensaio escrito de um ponto de vista inicial muito curioso; Scliar é médico, vale-se bastante do seu conhecimento da psiquiatria e da neuropsiquiatria para avaliar até que ponto a melancolia brasileira é um resultado de dois factores: o impacte do terror europeu (perseguições religiosas e políticas europeias, a peste, a sífliis e as catástrofes — consequentemente, a fuga de europeus para o Brasil) e, por outro lado, o impacte do «conhecimento da arte» dos europeus em terras brasileiras — onde estariam afastados de tudo. A tese de Scliar é fascinante, ao abordar o sentimento europeu nos trópicos: a melancolia é essencialmente europeia e não brasileira; é uma herança, uma importação da qual os brasileiros não se conseguem livrar.

O mundo de Moacyr Scliar, de O Exército de um Homem Só a A Majestade do Xingu ou A Mulher que Escreveu a Bíblia é um dos mais raros — cultíssimo, quase erudito, atravessado por um livro desconhecido de grande parte dos seus leitores, que é A Condição Judaica, uma raridade de 1987. Os seus emigrantes europeus em Porto Alegre, as suas mulheres invencíveis ou velhos portadores de mistérios, são personagens fantásticos, deliciosos. Eu recomendo.

E, já agora, veja-se outro autor do Rio Grande do Sul que vale a pena conhecer, Tabajara Ruas, publicado em Portugal pela Ambar: A Região Submersa ou Netto Perde a Sua Alma. Escrita da mais fatal.

MARMELO! Dou, claro, as boas vindas ao meu amigo Jorge Marmelo, cujo blog já aí está.

VOZ DO DESERTO. George Steiner escreveu que «a moda é a antecâmara da morte». O Voz do Deserto, em combate espiritual & filosófico, escreve isto: «Tanto ouvi de Michel Foucault que no final da licenciatura já atribuía mais densidade filosófica ao Michel Vaillant.» Aconteceu-me o mesmo.
O que me lembra sempre aquelas meninas «do curso do lado», que diziam pequenas pérolas, fantásticas, citando mestres, curvilíneas e cheias de apontamentos. Havia qualquer coisa de gelatina quando citavam os derradeiros parágrafos de As Palavras e as Coisas (elas diziam sempre lêmôzilêchozes), sobre a morte do homem, o riso filosófico. Nunca lhes vi outro riso senão esse, contido, envergonhado, apadrinhado nos seminários de quintas-feiras ao fim da tarde. Temo por elas. Onde estarão? Terão descoberto quantos filósofos mais (citados em fragmentos, nunca lidos — ah, vantagem dos «estudos literários» e da arte do corte & costura), quantos «aparelhos de leitura», máquinas de metáforas e quinquilharias?

CHARUTO. Não resisto. Nem que seja para avisar o Fumaças, que até já deve conhecer — mas os robustos expedidos pela Fábrica de Tabaco Estrella, de São Miguel, Açores, são magníficos para a época (a Estrella já produzia os Beldina, os Coroa e os Coroa Real — estes útlimos são churchill). É claro que eu daria tudo por um Ramon Allones, em formato robusto ou churchill (o tal que eu acho que Deus fumou no fim da tarde de sexta-feira, numa varanda, vendo que a obra estava bem feita), mas com o Verão e os almoços mais curtos, estes são muito, muito (como é que se diz?) aprazíveis. E não temos de explicar porque é que não estamos a fumar aqueles charutos novo-ricos que toda a gente exibe em casamentos & funções afins. Fixem a sugestão.

CAIRO O A.I.P., que está no Cairo, escreve ao Aviz: «Entretenho-me hoje nos tempos livres a ler bilhetes tal como a minha bisavó fazia, há 120 anos, lendo as fofocas da "causerie de quinzaine" que lhe chegavam pela assinatura do "Journal des Demoiselles"...» Os blogs também são isso.
«Sempre que passo na zona, a caminho de Estremoz, dou o jeito a passar por Aviz para ver a silhueta da terra, as laranjeiras e essa tal cor de fim de tarde.» Aviz está cheia de calor — 40 graus ao fim da manhã, há uma neblina que vai e vem: lembro-me dos dias de Agosto de outros anos (espero este, agora), das ruas silenciosas, do calor, da claridade, do vento ao fim da tarde, do aroma das laranjeiras. Escrevo «aroma» porque se trata de aroma e não de outra coisa qualquer. Só aroma. Imagino o do Cairo (nunca estive no Cairo — acompanhei parte do Sinai, a partir de uma viagem tresloucada, vindo do Neguev), o calor, o ruído, aquilo que AIM chama a cidade dos «mil minaretes, caótica e fascinante», mas sem laranjeiras, sem a mancha de água do Maranhão (o RDF pergunta se ainda está sujo, o Maranhão — está, infelizmente; é estranho como a maior albufeira portuguesa está neste estado deplorável) ao fim da tarde.

RISO O meu amigo Pedro Paixão achará graça, certamente — e eu não resisto a contar. Ontem estava a ler (estou acompanhado pela «Recherche», já escrevi — tradução de Pedro Tamen), o Sexo na Cabeça de Luis Fernando Verissimo. Tinha-me passado isto quando comprei o livro. Há uma história, a de Alencar Alípio, tradutor (da obra do Dr. Brow, autor de Sex and You, Sex and the Married Man, Sex and the Divorced Man, Sex and the Liberated You, Sodomy and You, etc.) e sexólogo reputado na imprensa brasileira: ele recebe cartas de leitores e, entre elas, está uma de um tal Pedro Paixão: «Há dias chegou uma carta de um leitor que se assina “Pedro Paixão”. Ele conta que gosta de besuntar a sua mulher com gemas de ovos antes de possuí-la, num Hino à Fertilidade. Publiquei sua carta na coluna e, num impulso, comentei que ele devia passar a mulher também em farinha de rosca antes de possuí-la, num Hino à Milanesa. Ele escreveu outra carta dizendo que me vai matar.» No final do conto, a mulher de Alencar Alípio, Dora, avisa que está na porta o Pedro Paixão: «Ele diz que se chama Pedro Paixão e que você o está esperando.» E Pedro Paixão faz então a sua aparição, de arma na mão, disposto a vingar-se. Ooops.

junho 23, 2003

CORRIGENDA. Ah, o que é a tragédia do copy & paste... No post em que comentava o diálogo entre José Pacheco Pereira e o Pedro Mexia, citei as duas frases que me pareceram mais significativas. Erros meus. Citei correctamente a frase do Pedro Mexia, sim, mas omiti aquilo que as distinguia, precisamente. O Pedro dizia que Pacheco Pereira usava «com demasiada latitude o termo "umbiguismo". A linguagem, caro JPP, também é uma forma de as pessoas se esconderem.» No Abrupto, Pacheco Pereira escrevia: «A linguagem, caro Pedro, também é principal forma de as pessoas se esconderem.» [o bold é meu…] Dois dias depois, provavelmente, a coisa já não tem importância, mas fica a «corrigenda».

Outra nota: descobri o Guerra e Paz. Um blogger que nomeia, entre os seus autores «bastante J.L. Borges (never quite get it though)», Philip Roth (agradecimentos especiais e pessoais), além de Delillo ou Updike, merece que nos desloquemos lá. E, ainda por cima — vantagem indesmentível —, depois de ler o seu aviso: «Não julguemos os outros pelo que lêem.» Aí é que está.

PERIFÉRICOS. A arrogância é infantil e quase sempre ignorante. Devíamos responder-lhe com poucas palavras, até para dizermos que já não temos paciência. Poderíamos dizer, por exemplo: «Somos todos de Vila Pouca de Aguiar.» Agora, de cada vez que passar por Vila Pouca de Aguiar sentir-me-ei mais orgulhoso ainda. E iríamos ao Lux com a Periférica debaixo do braço, pelo menos.

GÉNERO HUMANO. Ontem à noite, na televisão, vi pela primeira vez (juro) uma coisa chamada Paula Bobone. Ficou confirmada a intuição de que é sempre possível bater recordes (a expressão é de Woody Allen e aplica-se a outra matéria). Herman José perguntou-lhe se o anel que trazia era criação da própria: que não. Que não era capaz de criar uma coisa daquelas. Que, se fosse capaz, deixava a literatura e dedicava-se àquilo. Depois, uma pérola: na próxima semana sai Socialíssimo, o seu novo livro, o que a levou a dizer que a existência do jet set implica a sua mediatização, mas alertando: «Não é Socialismo, atenção, é Socialíssimo.» Ooops.
Não sei se viram (eu sou um distraído, nunca tinha visto antes), mas foi absolutamente digno de figurar já não sei em que top do mais miserável. A quantidade de coisas que aparece na televisão faz, de vez em quando, duvidar da possibilidade de haver género humano.
Paulo Francis, numa emissão do Manhattan Connection, disse um dia: «Considero-me tecnicamente morto.» Não sei a quantidade de vezes que uma pessoa se deve declarar «tecnicamente morto» depois de ver televisão. Uma das faces da miséria do género humano no seu esplendor é assim.

STEINER, COMENTÁRIOS II. «O idioma essencial do poema, do trecho musical, do quadro ou da escultura é a linguagem da sobrevivência.»

STEINER, COMENTÁRIOS I. «Decorre daqui que a heresia pode ser definida como "releitura interminável", reavaliação infinita. A heresia recusa-se a pontuar a exegese. Não há texto que não seja ne varietur. O herege discorre sem fim.»

STEINER, COMENTÁRIOS, BLOGS. «O comentário não tem fim. Nos mundos do discurso interpretativo e crítico, o livro, como vimos, engendra livros, o ensaio alimenta ensaios, o artigo produz artigos. O mecanismo do interminável é como uma praga de gafanhotos. A monografia alimenta-se da monografia, a visão da revisão. O texto primeiro é apenas a fonte longínqua da proliferação exegética autónoma. […] Tanto nas suas convenções retóricas como na sua substância, os textos secundários tratam de textos secundários. Os livros de interpretação e crítica literária, de crítica e de arte e estética musical, são sobre livros anteriormente escritos sobre os mesmos temas ou temas muito próximos. O ensaio tem por destinatário o ensaio, o artigo tagarela com o artigo numa interminável galeria de ecos lamurientos. Com efeito, na actualidade, as principais energias e inspiração da produção universitário-jornalística na área das humanidades são de natureza terciária. […] No judaísmo, o comentário interminável e o comentário sobre o comentário são elementos essenciais. As lâmpadas da explicação não podem deixar de arder diante do tabernáculo. O infinito hermenêutico e a sobrevivência no exílio são, no meu entender, elementos da mesma família.»
Georges Steiner, Presenças Reais.

junho 22, 2003

NOVIDADES. O Portugal dos Pequeninos é uma boa surpresa na net. Não mencionei ainda o Flor de Obsessão, o blog de Pedro Lomba, nome inspirado em Nelson Rodrigues, nem o Tempo Dual. Mas foram, todos eles, boas novidades.

Leio isto no O Crítico Musical: «Escuto enlevado o concerto BWV 1052 de Bach, com cravo obligato, chego ao céu, onde Bach certamente repousa e agradeço-lhe, dava a minha vida por uma obra destas.» Além da erudição do crítico, que é simples, séria e fluente (por exemplo: não se fala muito, hoje, sobre a necessidade de erudição), há ali um prazer que ninguém consegue desmentir.

Noutro tom, e retomando o interesse de Pedro Lomba por Nelson Rodrigues, assinalo que o ContaCorrente descobriu a existência de uma raridade bibliográfica assinada por um Nelson Rodrigues certamente fascinante: trata-se do «grande Dr. Nelson, autor dos Elementos Teórico-práticos de Contabilidade Geral e Analítica». O ContaCorrente acrescenta que a edição é da Rei dos Livros, em 1959. Isso é que é.

O Blog da Papoila cita Clarice Lispector. Quase tão bom como ver o Portugal dos Pequeninos citar Hannah Arendt logo de manhã.

TOMAR PARTIDO. Ainda sobre o post anterior: Abrupto diz que «tomar partido» é uma coisa que se deve reservar: «É uma coisa muito séria, e só se justifica para coisas muito sérias.» Totalmente de acordo, porque «não se pode estar a viver sempre num estado de grande excitação moral». Mais uma vez, creio que estamos diante de uma questão geracional, o que não me assusta nada; tem a ver, também, com a capacidade de olhar as coisas com uma certa distância, e com o facto de já termos ouvido muita coisa ao longo da vida. Desvalorizamos certas irritações, certas paixões, algumas bandeirinhas — mas é importante mantermo-nos despertos para as palavras dos outros, para a linguagem dos outros, para frases que aparecem como uma ventania no meio do deserto. A metáfora justifica-se, porque nem sempre o «meio» (o blog, por exemplo) é o mais importante; às vezes, é no deserto que se rompem os maiores silêncios. Por isso, leio certos blogs com uma admiração crescente: no meio de irritações e de «umbiguismos» (concerteza que existe) há ideias que se retêm como uma explosão. Isso vem da capacidade de estarmos disponíveis, o que supõe tolerância. Eu também acho que a tolerância é a única palavra que nunca suportou ser metáfora — tolerância é tolerância; às vezes é aceitação, outras vezes é recusa.
A um certo nível, claro: há discussões em que não entro — sobre quântica (e como eu gostava!), sobre matemática, sobre teoria das ondas, sobre economia política, etc.; e há uma tolerância que entra na linha de risco, quando concede espaço à ignorância, que é o pior de todos os males, se lhe juntarmos a tentativa de nos enganar com leituras nunca feitas ou com aquela arrogância que se desmascara com facilidade — até dá pena. Mas a ignorância e a arrogância andam de mãos dadas (e rimam, sim): quem és tu para dares opinião?; quem és tu que não te conheço do meu filofax?; quem és tu que não apareces no Lux? São perguntas equivalentes. É por isso que devemos estar disponíveis; para ficar ou para passar adiante. A vida é muito rápida.

ESCONDER, NÃO ESCONDER. Conta-se em poucas palavras: o Pedro Mexia escreveu que Pacheco Pereira «usa com demasiada latitude o termo "umbiguismo". A linguagem, caro JPP, também é uma forma de as pessoas se esconderem.» A resposta de Pacheco Pereira foi essa mesma: «A linguagem, caro Pedro, também é uma forma de as pessoas se esconderem.»
Mais do que um «inventário circular» de argumentos — ou de demonstração, por parte de JPP, de que a linguagem se pode usar «nos dois sentidos» —, acho que estamos diante de um problema sério sobre «a natureza dos blogs» e, mais seriamente, sobre «exibicionismo» e «umbiguismo» nesta actividade. Pacheco Pereira é extremamente crítico em relação a esse «umbiguismo», mas creio tratar-se, também, de uma questão geracional. O modo de circulação dos textos na internet não tem, por enquanto — nem sei se terá, em tempos mais próximos —, essa carga responsabilizadora que se atribui ao «papel impresso», aos jornais e revistas. Os blogs são, muitas vezes, repositórios de aventuras pessoais, muito mais pessoais do que o debate intelectual: quem escreve blogs não está sujeito a um editor. Escreve-se directamente para uma tela flutuante; o universo de leitores de blogs é muito circular, as pessoas conhecem-se ou vão-se conhecendo, recebem mensagens, mails, recados, apoios. A tentação de dar a conhecer os mundos pessoais é muito maior: há quem resista à tentação, num mundo em que a «solidão», a incomunicabilidade e as «afasias de grupo» justificam também o aparecimento dos blogs (veja-se o post da Psicossomática no Abrupto); há quem queira exactamente dar a conhecer esse lado, justamente porque os mundos pessoais tendem a justificar, primeiro, e a substituir, depois, o debate intelectual; do género: «eu vou ver o filme do João César Monteiro, logo penso certo número de coisas», ou «eu escrevo sobre futebol, logo identifico-me com a tribo», ou «falo de Leo Strauss logo já sabem o que penso». A lógica do «quand dire c'est faire» acaba por ser substituída pela do «quand faire c'est dire».
Portanto, esconder ou mostrar não são coisas inocentes quando se fala na linguagem dos blogs, nem tem unicamente a ver com a marca «anglo-saxónica» (que seria mais pessoal, na primeira pessoa); passa pela forma como se quer dizer e pelo que se quer dizer, e pela injunção estabelecida entre «literatura» e, por exemplo, «história» ou «sociologia». Por isso, essa disputa (corporizada pelo Pedro Mexia e pelo José Pacheco Pereira) tem todo o sentido, embora se compreenda que ambos sabem muito bem do que falam.
Penso é que o mundo dos blogs oferece todas as possibilidades; há lugar para blogs muito mais «literários», blogs muito mais «ideológicos», blogs extremamente pessoais (que abrem essa fenda na intimidade — por onde aparece o exibicionismo, provavelmente infantil), etc. E até há lugar para esse cruzamento ideal entre a aventura pessoal e um certo rigor no debate intelectual, sem pôr em risco a natureza fragmentária deste suporte ou até o seu lirismo — um comentário sobre a paisagem, uma frase sobre a noite, um sinal sobre nós (sim, são essas coisas) — ou o seu humor. A questão é que, nos blogs, há linguagens muito diferentes a competir no mesmo espaço. E isso é magnífico desde que não se queira transformar a «blogosfera» (o termo é do Pedro Mexia) naquilo que ela, manifestamente, não é.
Por outro lado, criar um blog implica sempre uma quebra da reserva de intimidade (que não pode ser confundida com o «umbiguismo chique» — ou seja: transformarmo-nos em problema central do que se escreve, publicar um livro sobre desgraças e desventuras pessoais, mostrar a casa à Caras, dizer como se foi abandonado pela mulher, transformar o círculo de amigos no único grupo de gente disponível no mundo): nós sabemos que livros andamos a ler, a que horas frequentamos a net, a que horas estamos disponíveis para escrever, ou seja, a que horas nos irritamos, a que horas nos apaixonamos. A nota de Pacheco Pereira sobre os fins-de-semana tem igualmente a ver com isso — a busca de audiências não é menosprezável na maioria dos blogs, mas também acho isso natural, dependendo daquilo que cada um faz dos seus fins-de-semana e dos imperativos que transporta para os fins-de-semana (Pacheco Pereira sabe ao que me refiro).

A linguagem esconde o que quisermos escrever, mostra o que quisermos ler. Há sempre sinais.

junho 20, 2003

SÁBADO. O meu sábado começa mais cedo. O Aviz regressa depois do crepúsculo de amanhã. É sempre bom haver «um crepúsculo amanhã»: «Traz-me de volta ao teu coração/ traz-me de volta à terra/ deixa que um dia apenas seja o intervalo/ de uma vida sem enseadas, sem sinais/ sem testemunhos/ sem os quatro rios do paraíso, esse/ grande bosque onde uma folha de palmeira/ nos mergulha na sombra// Traz-me de volta ao coração/ à terra, à tua terra.»

LI E GOSTEI. O Gato Fedorento publicou um post sobre o assunto em epígrafe, ou seja, a coluna de Marcelo Rebelo de Sousa na revista Os Meus Livros, continuando o debate sobre a matéria, já anunciado em Abrupto ou no Textos de Contracapa (entre vários) e já discutido aqui no Aviz. Eu acho que é uma conversa que vale a pena ter e manter, independentemente do prof. Marcelo ou apesar dele.

Vale a pena ler o post do Gato Fedorento. Só por não lhe querer pagar direitos é que não o republico aqui.

A ÚLTIMA FLOR DO LÁCIO. Será muito mau falarmos da nossa língua? Há sempre um tom de «conservadorismo» quando se fala no «respeito pela língua», mas eu penso ser, antes de mais, uma questão de delicadeza — escrever com má ortografia é meio caminho andado para a perdição. A questão da mudança de «Comentarios e Delirios» para «Comentários e Delírios» não é trivial e traduz esse respeito por parte de quem me ajudou a colocar os acentos (era um problema «informático»...). A banalização do mau português escrito atinge o coração da língua e tem sido obra (sim, eu sei, além da escola, da má leitura, das famílias, etc., etc.), por exemplo, da televisão, que tem vulgarizado aquelas barras de rodapé com mensagens SMS. Há emissões que deixei de ver porque aquilo me agredia e não creio que isso aconteça por ser «demasiado sensível» (para aquela canção dos Titãs...), mas creio que ninguém de bom coração e boa educação suporta ver assassinada a língua portuguesa todos os dias na televisão pública. Lembro aquele programa de desporto às terças-feiras, em que a RTP deixava passar todo o género de atentados à ortografia e à gramática (já não me refiro às alarvidades, a que todos deveríamos ser poupados), ou as emissões «para emigrantes».
Eu sempre tinha pensado no assunto (não escrevo «indignado»; desde que o dr. Soares inventou o «direito à indignação» e o dr. Sampaio lhe tomou o fio, que a ideia de «indignação» me parece profundamente desvalorizada e estragada), mas a primeira vez que o simples sobressalto passou a ser pânico ocorreu no Brasil. Um amigo carioca que costumava ver a RTP-i perguntou-me se «benesse» se escrevia «benece», porque tinha sido isso que tinha lido no rodapé da televisão, durante uma emissão qualquer da RTP-i. Corei.
Sérgio Augusto, um magnífico crítico de cinema brasileiro (do «Estado», da «Veja», da «Bundas», do «Pasquim», etc., etc.), acabou de publicar Lado B (edição da Record) — um livro de crónicas. Aí, quando se refere à língua portuguesa, escreve quase sempre «a última flor do Lácio». Esta preocupação brasileira com a língua portuguesa contrasta bastante com a falta de preocupação das nossas elites em relação ao assunto. Sérgio Augusto fica em pânico diante de um erro ortográfico (já agora, o Sérgio é o autor de um magnífico texto sobre o significado de «bunda»; comentando o facto de os esquimós terem várias dezenas de palavras para «neve», acabou por descobrir que isso era uma ninharia diante daquilo que os brasileiros acabam por registar no dicionário para «bunda», e alinhou mais de 200 sinónimos — é muito mais útil do que «neve», sem dúvida, sobretudo no Rio de Janeiro). Mas Nelson Rodrigues também ficava — espumava. E Paulo Francis. O Ruy Castro, que é biógrafo de Nelson Rodrigues («O Anjo Pornográfico»), dizia que Nelson tinha reinventado o prazer de ler em língua portuguesa. Frequentemente, encontro sinais desse respeito pela nossa língua entre as elites brasileiras; falo de professores, jornalistas, mas também de políticos, o que é esmagador, tendo em conta a qualidade deles em ambas as margens do Atlântico.

Durante muito tempo, a escola privilegiou a chamada «competência comunicativa» em detrimento da «competência linguística» dos «falantes» de português. O resultado é uma pequena calamidade quando se trata de escrever. Quando vejo os papéis escritos pelos jornalistas de rádio e televisão, sobretudo, também entro em pânico. «Mas isto é só para ser lido», dizem eles, quando chamo a atenção para a ausência de acentos ou de pontuação, ou mesmo para erros ortográficos. Continuo em pânico.

E continuo em pânico quando leio os rodapés das televisões (ontem, na RTP, mencionava-se uma «organização onusiana» para significar um organismo da ONU...), quando amigos professores me contam que os alunos escrevem nos testes do secundário com o tipo de simplificação das «mensagens SMS». Há uns linguistas que defendem que não se deve reprimir essa balbúrdia, mas acho que é vandalismo a mais. Por isso, lembro-me sempre do Sérgio Augusto e da sua menção permanente à última flor do Lácio, este resto de dignidade à disposição de quem fala português; ou no Rubem Fonseca, que escreve num português tão bom.
Da última vez que estive com o Sérgio, ele dizia de alguém: «Bom, mas a escrever tão mal, como é que há-de ter opiniões de jeito?»

ACENTOS Agradeço penhorado ao O Crítico Musical o favor de me ter ensinado a colocar os acentos no cabeçalho do Aviz. Assim, «Comentários e Delírios» deixa de ser «Comentarios e Delirios», o que estava a incomodar-me bastante, confesso. Regresso à normalidade da minha relação com a última flor do Lácio.

JOÃO CÉSAR MONTEIRO.Eu não vi Vai e Vem, de João César Monteiro, e confesso que nunca fui seu admirador para além do facto de ter visto os seus filmes. Mas aquela ideia de os livros não serem para ler, é muito boa. «Não são para ler», diz o personagem a certa altura. «São é uma boa companhia e não dão tanto trabalho como os cães.» MRS poderia comentar a frase?

junho 19, 2003

RABI HILLEL. Infelizmente, o mais que há é esquecimento; perdemo-nos frequentemente, o que me lembra o comentador do Talmud que sugeriu: «Não perguntes o caminho a quem o conhece, pois de contrário não te poderás perder.»
Porque é que há frases assim?

MAIS DO QUE SENSIBILIZADO. Com os beijos remetidos pela Bomba Inteligente, naturalmente. Voltarei ao J.L. Borges, pelo menos.

E especialmente comovido com a oferta da tradução inglesa do testamento de Judah ibn Tibbon pelo Latinista Ilustre. Guardo-a com prazer e assinalo a generosidade. Lamento não poder retribuir de imediato (não tenho a biblioteca à mão). Era bom que, de memória, fosse possível citar todos os poemas com que, de repente, se quer agradecer um gesto ou um texto.

JUDEU VINDO DO BRASIL II. Por acaso, ao contrário de R.P.A., que me enviou um mail, eu acho graça ao Quando eu Digo, eu Falo!. Li isto, recentemente: «Só pode ser esse sangue judeu. Eu deveria ser mais um brasileiro católico-kardecista-umbandista. Não teria tantas neuroses e poderia atribuir a culpa de todos os meus problemas num karma ou encosto qualquer. Acenderia uma vela numa encruzilhada, mataria uma galinha preta, encontraria a verdade num livro de Chico Xavier para no fim "me descobrir" na Igreja Universal do Reino de Deus e ir xingar o pessoal do Carneiro Preto. Como eu seria feliz, meu Deus.» [Se eu casasse com a filha da minha lavadeira, talvez fosse feliz.] Para os que pensam naquela dimensão mais fria e laboratorial do «sentimento religioso», o Victor Grinbaum leva as coisas com bastante humor, o que se justifica perfeitamente. É por isso que ele pergunta, como um teólogo: «Se o homem veio do macaco, de onde veio a Sharon Stone?»

JUDEU VINDO DO BRASIL. Para quem se interessa, tem graça o post «CONTATOS IMEDIATOS DE TERCEIRO GRAU COM UMA EVANGÉLICA» publicado no Quando eu Digo, eu Falo.

ESCRITA EM DIA & BLOGS. O ContraFactos publica um resumo muito bem feito da emissão do Escrita em Dia (Antena 1, quartas-feiras, meia-noite) sobre blogs. Obrigado, pela parte que me toca; certamente que os participantes da conversa também gostaram. [Aliás, o ContraFactos é um blog especialmente atento: detectou logo o erro no link que o Aviz estabeleceu para a Visão, e eu agradeço a correcção.]

BORGES. «Que importa mi perdida generación/ ese vago espejo/ si tus libros la justifcan./ Yo soy los otros. Yo soy de todos aquellos/ que ha rescatado tu obstinado rigor./ Soy los que no conoces y los que salvas.» [Jorge Luis Borges]

INSÓNIA. Nestas ocasiões (insónia), supomos sempre que Joyce tinha razão. Se não me engano, ele falava de um «ideal reader affected by an ideal insomnia».

NELSON RODRIGUES II. O problema com certa avaliação de Nelson Rodrigues é que ignora esse lado infantil da sua personalidade — e da sua «ideologia». A paixão por Otto Lara Resende, por exemplo. Eu imagino o pobre Lara Resende fugindo a sete pés de um Nelson histriónico que denunciava todo o género de confidências como uma criança deliciada por poder partilhar um segredo. Esse segredo era a amizade que Nelson dedicava a alguns dos seus contemporâneos, num mundo que o desprezava como «autor teatral» e o desconsiderava como «folhetinista», para além de o censurar permanentemente em ambas as categorias. Falo de censura real, de censura aos seus textos, de reacção escandalizada do Rio e de S. Paulo nas plateias onde católicos e polícias do espírito comungavam o mesmo território. Nesse campo, só recentemente foi reabilitado, quando deixou de ser visto como um «tarado inconsolável», viciado em sexo e em desvios comportamentais, fascinado pelo incesto e pelo adultério.
Ao mesmo tempo, há nos seus textos a reivindicação de uma pureza radical, próxima da beleza pura do sexo e do que quer que seja o amor (não sei, ninguém sabe) — cheia de pudor, de contenção e de desvario.
E há outra coisa que nunca deixou de me fascinar: a violência da sua linguagem. Quando se abre o Flor de Obsessão, o conjunto de frases seleccionadas por Ruy Castro, essa violência, se desligada das crónicas em que aparecem originalmente, atinge-nos sempre; forçamo-nos a decorá-las, a certas frases, certas expressões que são tão acertadas como aflitivas e trágicas — «idiotas da objectividade», «óbvio ululante», «grã-fina das narinas de cadáver», «padre de passeata», etc., etc.
Não é um mundo de beleza, o de Nelson Rodrigues, mas de conflito permanente, de contradição consigo mesmo. A beleza é um resíduo e uma «última necessidade» porque Nelson nunca, quase nunca cede à facilidade do romantismo. E, mesmo quando cede, não é «romântico»; aparece a defender o lirismo dos outros. No caso do festival de música moderna brasileira ganho por Geraldo Vandré (o que são as coisas de geração: alguém se lembra de «Só p'ra não dizerem que não falei de flores»?), Nelson aparece a defender Chico Buarque, a verdadeira flor lírica que a esquerda tinha sacrificado para uma canção «de intervenção» como a de Vandré.
Estas coisas são velharias e eu só as vivi depois de terem acontecido. Mas também vivi o primeiro campeonato do mundo brasileiro, em 1958 (e só nasci em 1962), e aquele texto em que Nelson Rodrigues diz que nunca tinha visto tantos brasileiros como no dia em que, na Suécia, Pelé contribui para a Copa. Essa «obsessão do brasileiro» acompanhou-o sempre. Na célebre Marcha dos Cem Mil, no Rio, uma manifestação contra a ditadura, Nelson vê a desagregação do brasileiro; escreve ele (estou a fazer isto de memória) que viu toda a gente na «passeata»: grã-finas, padres barbudos, torcedores do Flamengo, estudantes da PUC, jornalistas, cartazes sobre o Vietname e Cuba — mas não tinha visto «um único brasileiro». O brasileiro de Nelson ocupou-lhe todas as suas crónicas em 1968 (o ano de Paris, da China, do Vietname, de Cuba, de Berkeley) como uma ficção que lhe foi tão cara como o entardecer de Ipanema ou o «guisadinho de abóbora com carne de sol» (que em seu entender era a síntese da «comida doméstica brasileira») ou o Maracanã («Onde até minuto silêncio é vaiado»).
O mais desonesto que se lhe pode fazer é misturá-lo no saco de patifes que acompanharam todas as ditaduras.

MEXIA REGRESSA. Pedro Mexia regressa à blogosfera ele-mesmo, com o Dicionário do Diabo. Parece bem a toda a gente — e à alma de Ambrose Bierce sobretudo, a quem Mexia toma emprestado o título The Devil's Dictionary. O Dicionário do Diabo define-se como «blog conservador, de costela liberal em algumas matérias».

Pedro Norton, na Visão de hoje, refere-se à «Coluna Infame» (cujos textos continuam online) como um exemplo raro da «direita que pensa». Haver uma «direita que pensa» parece-me um reconhecimento cheio de audácia mas eu preferia mesmo que o blog de JPC/PM/PL seja considerado como o de alguém «que pensa». No país eternamente e quase permanentemente em «silly season», o debate como se processou nos blogs parece-me ter sido único e «A Coluna Infame» desempenhou um papel importantíssimo — como muitos outros blogs, naturalmente. Diante do jornalismo clássico, os blogs apareceram como concorrentes sérios e à altura em matéria de opinião, de combate e de energia. Não vale a pena tecer elogios aos blogs, só registar a sua vitalidade enquanto existirem. Dito isto e homenageada a «Coluna» (o que é tudo menos original e deve estar a cansar imenso os seus autores), passemos em frente. L'chaim, Pedro.

junho 18, 2003

NELSON RODRIGUES I. De vez em quando vem à baila e já se sabe que é um catalizador de ódios de estimação ou de amores cultivados. Descobri Nelson Rodrigues no Brasil, tardiamente; comprei a biografia de Ruy Castro («O Anjo Pornográfico»), vi (na TV Cultura e na Educativa) alguns programas em reprise. A figura era fantástica: um menino sincero, fatal como os seus textos, descuidado, o «paletó» de ombros caídos, a gravata mal escolhida, sinais de um homem que passeava por Copacabana de camisa apertada no colarinho, diante dos biquinis.
A desgraça de Nelson Rodrigues foi ter sido de direita. Não por ser conservador, não; de direita (Arnaldo Jabor confessou recentemente ter escutado as piores críticas depois de ter feito «O Beijo no Asfalto» ou «Toda a Nudez Será Castigada»), apoiante do regime, fascinado por Médici quando a esquerda estava na rua. Mas eu não esqueço o que me perturbou mais, a sua figura de miúdo e aquela sinceridade que lhe foi sempre fatal, contra os estabelecidos de todas as condições. Isso, por si, não faz dele um génio. Mas eu gosto. Depois volto ao assunto.

MAIS GESTOS SIMPÁTICOS. O País Relativo, o O Complot, Espigas ao Vento e o O Intermitente assinalaram também a chegada do Aviz. Obrigado.

A BLOGOSFERA É SIMPÁTICA, SIM. Estas coisas são simples de fazer, mas julgava que já tinha passado mesmo de moda. Agradeço, portanto, as referências ao AVIZ que têm aparecido um pouco por todo o lado e chegam por mail: ao De Direita, ao Conversas de Café, ao 100nada, ao Quarto do Pulha, ao Nelson de Matos, ao O Projecto...

Vamos ver se aguento a pedalada... Já não tenho idade, é o que é. Eh, eh, eh.

SPORTING, PORTO, A CADA UM A SUA DESGRAÇA. O Daniel Oliveira lamenta-se amargamente (tem razão para isso) pelo mau aspecto dos azulejos de Taveira no Estádio de Alvalade. De facto, aquilo não passa pela cabeça de ninguém. Mas não fiquem os sportinguistas a chorar sozinhos; nós, portistas, por exemplo, temos um estádio mais bonito do que o de Alvalade (as verdades são para serem ditas, caramba!) — mas temos aquela desgraça de se chamar (ah! bom-gosto!, ah! decência)... Estádio do Dragão. Ora bolas. Há cada uma.

BLOGUES NA RÁDIO. Hoje à  noite, o «Escrita em Dia» (Antena 1, meia-noite) tem um debate sobre blogues [aceito a grafia, pronto...]. Vão estar lá o José Mário Silva, o Nuno Costa Santos, o Pedro Mexia e o Pedro Lomba. Uma hora de conversa. O Pedro Mexia anunciará o seu novo blogue.
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OBRIGADO. O Abrupto assinalou a chegada do Aviz à blogosfera, tal como os simpáticos Gato Fedorento, o Janela Indiscreta, o Modus Vivendi e o Valete Fratres. O André Barbosa foi o primeiro, por razões familiares e pelo almoço que está prometido...


AVIZ. Ao fim da tarde, Aviz é provavelmente uma das vilas mais simpáticas de Portugal. Há laranjeiras nas ruas, a luz parece laranja-ocre-azul (isto é lá cor?), como a dos rodapés das casas. Ontem, aqui, perguntaram-me como é viver em Aviz: como em outro lugar qualquer, mas com menos gente e mais céu e mais água na barragem do Maranhão. Não dá para fazer poesia com isso, sobre viver no campo, perto da natureza, rodeado de alentejanos, com pão de forno, beldroegas, espinafres, empadas de galinha, autarcas comunistas, excursões de reformados, oficinas de automóveis e resquícios saudáveis de Portugal velho. Não tenho uma fé intensa nas coisas do campo nem nos subsídios da PAC, a vida é muito simples nesta matéria: tenho biblioteca, jardim, casa, vizinhos, um largo diante da porta. Gosto de Aviz ao fim do dia — com a cor do crepúsculo, laranja-ocre-azul. E ao amanhecer. Não há supermercados, livrarias, lojas de charutos, sex-shops ou armazéns da Zara, mas há um hábito saudável que é o de ir a Espanha fazer as compras do mês, ou encomendar pela net — entregam em casa, direitinho. Como concelho de maioria comunista, tem os anos contados; a população está a desaparecer a um ritmo desastroso. Também não tem ADSL ou netcabo, mas os livros da Amazon.com chegam pelo correio na mesma. Os melros estão no mesmo sítio, há meia-dúzia (não mais, atenção) de bons agricultores que não vivem exclusivamente de subsídios, e o pão da D. Margarida, que vem de Benavila ou Casa Branca, é o melhor da zona. Não é o cúmulo da felicidade, mas já nem me lembro de alguém falar do assunto.
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LIVROS & LEITURAS. O Abrupto diz que só agora descobriu o nome da coluna de Marcelo Rebelo de Sousa na «Os Meus Livros» — «Li e Gostei». Caramba, homem: maldade pura.
O facto é que MRS não tem uma coluna; tem uma listagem. Nem sequer uma listagem afectiva ou afectuosa, coisa desculpável e até, em certos casos, meritória (evocam-se tíulos de memória, autores «próximos», lembranças de uma tarde de Verão). A listagem de livros é uma prática provinciana e devorista — ler tudo, passar os olhos por tudo, sobrevoar as montras das livrarias, associar nomes em bibliografias. Na academia, sobretudo naquilo que antes eram as «humanidades» ou as «letras» e agora são parte das «ciências humanas», vulgarizou-se a prática corrente da citação a propósito de tudo e de nada. O que poderia ser um empréstimo amigável passou a ser exibição pura: «Vejam como eu cito Habermas em alemão!» (mas, depois, as páginas da edição alemã não coincidem com as da francesa ou espanhola) Ou: «Não sabes que saiu um livro do Américo Fontoura do Caramulo?» (Ninguém tem coragem para dizer que desconhece a importância de Américo Fontoura do Caramulo para a teoria da desconstrução ou para a medalhística novecentista, essa é que é a verdade.)

Citação, roubo e montagem de citações (lê-se um artigo de uma revista, cita-se Rorty fora de contexto, escolhe-se um adjectivo antes de Lyotard — Lyotard é barato —, enumeram-se dois livros das «breves» do «Libération»; quem vai conferir tudo?); mas também exuberância. A exuberância não é desonesta mas sim esquizofrénica. Vive da multiplicação e da associação de títulos, misturando «informação» (saiu isto, saiu aquilo) com «garantia de leitura». MRS está neste caso — de vez em quando desato à gargalhada ao ver as suas recomendações de monografias de vilas do Douro juntamente com romances de Maria Roma. Eu gosto de monografias de vilas do Douro e até guardo uma série delas — Lamego, Régua, Resende, Mós do Douro, Foz Côa, Mesão Frio (para não falar de Trás-os-Montes e de Boticas, da autoria de José Pacheco Pereira), mas acho que ninguém consegue ter coragem de ler uma durante a semana para a recomendar depois de criticar Fátima Felgueiras e a conferência de imprensa directamente do Rio de Janeiro, ou de comentar a final de Roland Garros. Essa esquizofrenia tem um lado generoso, claro, mas não é honesta quando se diz «li e gostei».
De facto, o Abrupto tem razão, toda a razão, inteira razão, quando fala da banalização da leitura. Muitas vezes acontece que só se lêem verdadeiramente os livros que já se leram — regressar a um livro é uma aventura muito mais saborosa do que descobrir um novo autor, por muito que possa ser (como é que se diz?...) deslumbrante. O prazer da novidade, do novo, do «recém-chegado à nossa banca de trabalho», do «acaba de ser publicado», é sempre duvidoso. Ler coisas novas custa cada vez mais, contra mim falo: detectam-se falsificações, já conhecemos a história, já se sabem os truques, onde é que já se leu isto?, oh isto outra vez não!, já não tenho paciência para propaganda, etc, etc.
Outro prazer definitivo é ler pela primeira vez os livros que «todos os outros já leram». Está a acontecer-me com a «Recherche», que eu nunca tinha lido (saiu agora a tradução de Pedro Tamen, na Relógio d'Água). À medida que vou lendo descubro uma coisa notável: algumas pessoas que falaram de Proust estão inteiramente certas naquilo que disseram; mas centenas delas nunca tinham lido Proust, afinal — citavam Proust, a importância de Proust, a obra-prima. Mas não tinham lido. Acho isto muito triste, ou seja, uma desilusão. Uma obra-prima, nessas circunstâncias, é inquestionável, tal como o «acto de leitura», uma espécie de iniciação; fala-se dela e milhares de pessoas dizem: «Claro que ele já leu Proust.» Aconteceu-me a mesma coisa quando li Thomas Mann («Os Buddenbrook») porque Pacheco Pereira tinha insistido no livro em várias crónicas e no «Flashback». Foi a primeira vez que tive pena de não poder ler em alemão (tal como tive pena de não poder ler «O Sino da Islândia», de Halldór Laxness, em islandês) — nessa altura descobri uma coisa notável, a humildade da leitura. Quando se descobre alguém que nunca citou uma linha de Flaubert mas que leu todo o Flaubert, valoriza-se bastante essa humildade. Porque, às vezes, ler é ler para dentro (não é bem isso), ler onde não há necessidade de prestar provas dessa leitura, embora apeteça sempre falar sobre «o que se lê verdadeiramente».
A banalização da leitura é um dos pecados veniais da pequena intelligentsia, e apresenta gradações de exibicionismo que podem ser graves e doentias. Mas MRS não é propriamente, ainda, uma Oprah... Sabe-se, quase sempre, que uma recomendação sua «leva água no bico». Tal como quando fala de política, naturalmente.
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OOOOPS. Diz muito bem o Blogue dos Marretas que há uma falha no Aviz. O nome do Blogue dos Marretas não constava da lista de links aqui ao lado. Foi distracção pura. De resto, estava convidado para a inauguração — como o próprio fez notar na bela nota de boas-vindas que incluiu no seu blog. Obrigado, Statler.

Mas, já agora, será que o «Aviz» pode figurar na lista de convidados do Blogue dos Marretas, ali à direita? Obrigado.
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junho 17, 2003

EH, EH, EH. Aproveitando a onda, certamente, acaba de ser publicado o n.º 0 do A Voz de Felgueiras. Não estou a brincar. Dois dos títulos de primeira página deste número: «Felgueiras ao rubro com a vitória do FCP na Taça UEFA» e «Futebol Club da Lixa, por Paulo Rebelo». Ah, rapazes, tento na língua. Só lhes falta falar no clube da terra, hã?
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LEITURAS FANTÁSTICAS. Só agora me dou conta, e a informação vem no Picuínhas, de que o projecto de Constituição Europeia (1ª parte + 2ª parte) tem umas simpáticas 235 páginas, distribuídas por umas encorajadoras 60000 palavras, aproximadamente.
Isto faz «uma diferença» em relação à Constituição dos EUA, que 13 páginas (inclui, informa o Picuínhas, as 27 emendas – um total de 8300 palavras.
Fico siderado. Aí está material de leitura, disso ninguém se queixa.
Este excesso de palavreado vem provar que mais um preâmbulo sobre Deus e a Europa seria uma enormidade. M. d'Estaing citaria a «Summa Teologica», Santo Anselmo, tudo o quisermos – e ele ainda permitir. Pobres tradutores-intérpetes (penso na minha amiga Vera C., que acaba de «interpretar», durante dias seguidos, os desvarios dos tecnocratas do constitucionalismo europeu). Afinal, para que serve uma constituição europeia? Há pouco dizia-me o L.N.: «Para dizer quem manda e para lembrar até que ponto devemos obedecer.» 235 páginas? Isso faria as delícias de um juiz da Boa-Hora.
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