agosto 25, 2004

PASTÉIS DE BELÉM. Não resisto a dizer isto: já fui ao Habib's comer um pastel de Belém. Tal como a Maura esclarece no seu blog, o Habib's é a maior rede de fast food de tom árabe do mundo, e nasceu no Brasil como criação do Sr. Saraiva, um português. Na altura do Euro'2004, o Habib's lançou a promoção do pastel de Belém com um cartaz belíssimo que descrevia o pastel, falava do aspecto cremoso, da massa crocante, e do preço: «Uma piada.» Pois o pastel de Belém já se tornou moda no Brasil graças ao Habib's. E, de facto, custa 20 cêntimos de euro, quer dizer, 80 centavos de real.
P.S. - Ah, e comprei a edição da Playboy com a Mel Lisboa na capa. Na capa.

OBIKWELU, 3. O meu caro Filipe Nunes Vicente comenta a questão levantando um problema adicional:
«A tentativa oposta, a da adopção sem reservas da vitória de Obikwelu como uma “vitória nossa” é também uma posição nacionalista e xenófoba. Um anfitrião acolhedor não retira os louros à proeza que o hóspede alcança sob o seu tecto. Um país que foi escolhido e que acolheu, deixa que os frutos desse enlace cresçam sem impor o seu papel de terra fértil. A cobrança do sucesso de um emigrante, apresentando a factura da nova nacionalidade não passa de um requentado sonho de superioridade sobre o estrangeiro. O que perguntavam a Montesquieu quando trouxe o seu estrangeiro imaginário a Paris – “como se pode ser Persa?” – exprime a ruptura entre o território e o (novo) indivíduo. Essas reconstruções podem ser, como sabemos, fatais.»


P.S. - Caríssimo Filipe: toda a razão. Outra história: quando José Saramago obteve o prémio Nobel da Literatura houve uma pequena discussão, nem por isso muito surda, sobre a titularidade do prémio. Toda a gente dizia que o prémio era para Portugal e, por extensão, para a Língua Portuguesa. Na altura, discordei o suficiente para que o próprio Saramago repetisse que não, que o prémio era de todos os portugueses. Mantenho que não é. É de José Saramago; foi ele que escreveu. A questão aqui é diferente, mas os princípios gerais mantêm-se; Obikwelu correu. Por isso, além dos argumentos que invoca, tem toda a razão nessa cautela que manda apresentar. Daí ser importante o debate sobre nações, nacionalidade e nacionalismo proposto pelo Paulo Gorjão.

OBIKWELU, 3. Do Brasil, Gonçalo Soares também escreve sobre o mesmo assunto:
«A propósito de Obikwelu, acho que ele pertencia a uma selecção Nigeriana de juvenis, tendo-se escapulido aquando de um qualquer torneio em Portugal, e aí sim, descoberto por alguém do Belenenses a trabalhar nas obras. Também no Brasil existem naturalizados nas Olimpíadas. Só nesta há pelo menos um ex-ucraniano e um ex-argentino (!) na canoagem. O vencedor do ouro olímpico em Moscovo/1980 foi um brasileiro nascido (e criado) na Suécia e que ainda hoje não fala muito melhor que o Obikwelu. E os canadenses ex-Jamaicanos dos 100 metros (Ben Johnson, por exemplo)? E a Marlene Otey que agora é Eslovena? E o nosso vício de polemizar e emitir opinião sobre o que quer que seja?»

OBIKWELU, 2. Por mail, José Serra comenta a questão da nacionalidade a propósito do caso de Francis Obikwelu.
«Um pequeno comentário a propósito da recente “questão da nacionalidade” do nigeriano naturalizado português, Francisco Obikwelu. Somos um país sui generis, que se debate há séculos(?) com a própria identidade (quando deixará Portugal de ser adolescente?). Agora, por ocasião da vitória do Francis(co) Obikwelu, regressam antigas questões identitárias: o que é isso de ser português? Pode um nigeriano, naturalizado, reclamar-se o direito de competir pela nossa bandeira? E, tendo vencido, será que o sentimos realmente “nosso”, um portuga de pleno título (e, com a escassez de vitórias, um herói lusitano)? E se tivesse perdido, ou melhor, se nada tivesse ganho, como o trataríamos? Reparo com surpresa que a Europa, que jaz adormecida nos seus cotovelos, não pôs em causa o facto de Obikwelu ser o novo recordista europeu dos 100m. Não é um problema para a Europa. Por que será para Portugal? Ou melhor, para alguns portugueses? É o velho tema da pátria a que se pertence. A este propósito, recordo Teixeira de Pascoaes e «A arte de ser português», Vitorino Nemésio e a Açorianidade; lá fora, recordo Leopold Senghor e a Negritude. Haverá, porventura, uma lusitaniedade que possa ser critério de aceitação, ou não, de Francisco Obikwelu e da sua medalha de prata? […] A Pátria é a medalha de prata do Francisco Obikwelu. Porquê? Não só porque é naturalizado português (como o mágico Deco do nosso contentamento! E , espera-se, do Derlei), mas também, e sobretudo, porque TRABALHA EM PORTUGAL (apesar de frequentar a pista de alto rendimento de Madrid ou Barcelona, não tenho bem a certeza). Ou como dizia George Steiner em Barbárie da Ignorância (Fim de Século, 2004,p. 39): “O que eu digo é que a minha pátria é onde posso trabalhar. Seja em que país for, contanto que me dêem uma mesa de trabalho. Chego a Pequim, como professor convidado e, durante cinco minutos, passo por um enorme susto: a máquina de escrever tinha muito poucos caracteres, o cheiro era inenarrável, etc. E disse para comigo: ‘Que vieste tu fazer para este degredo?’ Entra um estudante que me pergunta que livro deve procurar para preparar o seminário: esqueci-me de onde estava! Faziam-me perguntas boas, eram estudantes bons e eu disse para comigo: ‘Mas sim, sabes perfeitamente o que tens a fazer aqui!’ A Pátria está onde nos deixam trabalhar.” Foi o que o Francis encontrou entre nós. Francisco, bem-vindo. És dos nossos! Obrigado pela medalha. Oxalá te acolhamos como mereces.»

RTP INTERNACIONAL PERDE ANTENAS. No Brasil, a Sky, o mais importante fornecedor de televisão por cabo e satélite, acaba de anunciar que a RTPi deixa de figurar no seu pacote de programas. A partir de agora e durante um mês apenas, a RTPi continuará a ocupar o seu lugar habitual no canal 86, com a SIC a ser deslocada para o canal 149. A partir de 16 de Setembro, a RTPi desaparece completamente e a SIC ocupará o seu lugar no canal 86. A Sky avisa, no entanto, que a Superliga de futebol vai ter programação especial.

agosto 23, 2004

PORTUGUÊS LEGÍTIMO, POR EXEMPLO. Um dia, em Porto Alegre, durante a rodagem do documentário Avenida Brasil, entrevistei um vendedor de cuias de chimarrão, na rua (aliás, na esquina com a Praça Montevidéu); o nome dele era Schneidermann, e perguntei-lhe a origem. Resposta: «Tche... Origem? Mãe italiana, pai alemão, sou brasileiro legítimo.»
Nem de propósito, encontrei este adesivo brasileiro bem a propósito.

OBIKWELU. O fenómeno Obikwelu despertou um debatezinho (ainda) sobre o que é a condição nacional. Parece-me que esse debate faz falta depois da onda patriótica de Junho passado. [A propósito, o Paulo acha que as suas razões não são muito divergentes das minhas; nem as minhas das suas, está claro.] Mas seria bom fazer o levantamento das dúvidas que se levantam pela imprensa e nos blogs sobre o portuguesismo desta vitória, e que me parecem patetas e patéticos. Mas a minha surpresa maior veio quando, hoje, me mencionaram, de novo, a qualidade de «português legítimo», ou seja, sanguineamente irrepreensível. Não sei o que isso seja; nesse caso, se alguma vez essa ideia voltasse ao discurso oficial, eu gostaria de ser sanguineamente repreensível e que me retirassem compulsivamente a nacionalidade.
Depois, há outro debate, «muito pedagógico» (como agora se diz...): a ideia de hospitalidade. A Maura Paoletti tem vários exemplos publicados no seu blog (certamente pouco comoventes) dos tempos em que viveu em Portugal. Mas há mais, na blogosfera e fora dela. Quando, há tempos, mencionei aqui a expressão «pois tu foste estrangeiro» a propósito da forma como são recebidos muitos emigrantes em Portugal, a citação bíblica significa um imperativo moral muito elevado. Não deve ser interpretada apenas no interior de uma condição cívica. É um dever moral, o da hospitalidade. E o nacionalismo raramente foi produtivo, inteligente ou justo.
P.S. - Obikwelu escolheu ser português, o que devia ser discutido também. É claro que Derlei vai ser português mais tarde ou mais cedo; mas aí, como assinalei, há outros interesses envolvidos.

ANTI-SEMITISMO SECUNDÁRIO, 2. Eu compreendo (com alguma ginástica, mas compreendo) aqueles que tendem a desvalorizar os ataques anti-judaicos na Europa e a juntá-los à lista de «ataques racistas»; mas não me parece uma posição séria. Ser judeu não é pertencer a uma raça; e esse argumento é definitivo. Depois das imagens do último ataque a um centro cultural judaico, em Paris, as suásticas desenhadas na parede não parecem ser apenas racistas. E o que me parece cada vez mais coincidente é o arrazoado anti-judaico que vem de gente de esquerda e de gente de direita. E que, independentemente da origem, é abjecto na mesma.
A imagem mais triste vinha precisamente na primeira página do The Guardian há uns meses, e foi reproduzida em alguns jornais portugueses; a legenda dizia «manifestações contra a invasão do Iraque» e a foto era de uma jovem quem empunhava um cartaz onde estava escrito «Kill the Jews». Mas não devemos deixar que um facto atrapalhe esses arrazoados, não é?

EMIGRANTES E PORTUGUESES. Já vão longe os tempos em que a selecção nacional de futebol tinha um treinador que achava que havia «portugueses legítimos» e «os outros». Depois, gerou-se a «questão Deco» em torno da bandeira das quinas e das cores da camisola. Agora, Obikwelu. A minha opinião sobre o assunto já foi publicada várias vezes, quer aqui quer noutros lugares. E sobre a política de emigração já escrevi qb.
É evidente que futebolistas não são emigrantes. Mas há uma questão curiosa sobre Obikwelu que acaba de ser colocada pelo Paulo Gorjão:
«Deixo aqui uma perguntinha para algumas pessoas que hoje estarão a celebrar orgulhosamente a medalha de prata de um português na final de 100 metros, nos Jogos Olímpicos de Atenas. Na actual moldura legal, que apenas permite a entrada de cinco mil e tal imigrantes por ano, será que alguma vez Francis Obikwelu teria tido hipótese de vir para Portugal e, mais tarde, de se naturalizar português?»
Obikwelu não veio para ser atleta olímpico português; veio trabalhar nas obras num país considerado «um dos menos receptivos a acolherem cidadãos emigrantes». Por isso, quando vejo almas justas e vozes sensatas reclamar esta «vitória portuguesa em Atenas», também sorrio como o Paulo, embora por razões um pouco diferentes.

agosto 22, 2004

UNIÃO. O Duarte festeja. «Bruxelas aprova farinheira de Estremoz», como noticia o Expresso. Seria interessante saber o que mudou nos hábitos alimentares dos portugueses depois da entrada na União. É um assunto e tanto. O tamanho e a distância entre os dentes dos garfos, por exemplo, chegaram mesmo a mudar? Foi positiva a proibição das colheres de pau nas cozinhas dos restaurantes? E as tábuas de cozinha, terão de ser de material sintético? Os espanhóis continuam a comer os pequenos linguados que antes se encontravam também em Portugal? O Português Suave mudou para Português, toda a gente sabe -- haverá aí alguém com ciência e paciência suficiente para fazer uma lista dessas leis e novos hábitos?

PREOCUPAÇÕES DO HOOLIGAN. Tanto eu como o J. Flávio estávamos preocupados, sim. O João esclarece que o Duarte esclarece (e ninguém melhor do que ele...) que a bola se mantém na RTPi. Portanto, de vez em quando lá teremos futebol pátrio com fusos horários pelo meio. Canal 86, com quatro horas de diferença.


COMO SILVA, POR EXEMPLO. A seguir a Obikwelu, Silva é o mais português dos nomes. Com ou sem medalha.


FRANCIS. [Actualizado] Mesmo que tivesses ficado em último hoje à noite. Mesmo assim. Mesmo que tivesses acabado com os sapatos rotos, não te queixarias. Mesmo assim e de qualquer maneira. Há coisas que nos devolvem a pequena garantia de que o esforço vale a pena. Francis Obikwelu é um nome absolutamente assim. Português, até.

INDICAÇÕES SOBRE ORTOGRAFIA. O Pedro Ornelas publicou um bom conjunto de observações sobre os dicionários e a ortografia. Vale a pena dar lá um salto. Já agora, e aproveitando o lamiré do Pedro, que tal pensarmos que o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa vai entrar em vigor, segundo tudo leva a crer depois da cimeira da CPLP em São Tomé?

O ANTI-SEMITISMO SECUNDÁRIO. Um cemitério judaico vandalizado não vale nada. Há tantas coisas vandalizadas, estradas, casas, memórias, bibliotecas cheias de proibições, passeios estropiados, jardins, aldeias de África, borboletas que não completam um dia de vida. Um cemitério judaico não vale nada. Uma pedra não vale nada, é certo. As coisas têm sempre uma justificação, como se sabe -- uma coisa por causa de outra, há minorias mais rendíveis do que outras, racismos com outra origem que são sempre mais funestos. A vida não vale grande coisa. A memória é um desperdício.
Há muito tempo que não falava do assunto. Há muito tempo que tinha prometido a mim mesmo assistir ao espectáculo e à desonestidade. O riso e o silêncio andam juntos. O estímulo da barbárie ajuda a desculpar outras barbáries, a justificar os vandalismos, a estabelecer uma espécie de doutrina comparativa sobre o sofrimento. Batem em judeus? Que importância tem comparado com o sofrimento que anda em toda a parte? E quando são vandalizados cemitérios cristãos na Indonésia? E quando os muçulmanos são dizimados na Índia, em Gujarat? A barbárie diante do silêncio. Chegam mensagens curiosas: a televisão israelita acaba de transmitir um documentário sobre o sofrimento palestiniano. É preciso chegar a esta minha hipocrisia de invocar isto para poder falar daquilo? Onde está alguém a vigiar a linguagem, as equivalências morais, a superioridade do sofrimento, o que é relativo no Kosovo e no Sudão, na Índia e no Peru? Nada é relativo. Quando falo disto falo de outra linguagem, não quero ganhar um voto que seja. Nas tintas. Falo do que não tem equivalência moral. Sim, têm razão, não é anti-semitismo primário; secundário, convenhamos. De segundo nível.
Lamento pobretanas, este. Lamento indigente, sofrível, medíocre. Só um lamento ao lado do riso e do silêncio; a ironia gasta-se muitas vezes. Façam como quiserem: um cemitério judeu não vale nada. Nada. Aliás, quando invoco a imagem do cemitério judaico invoco todos os cemitérios em que isto se transformou. Não quero ganhar um voto, um milímetro do mapa. Mas compreendo aqueles que não aceitam ser esmagados de novo, uma outra vez, uma pequena vez que seja. Silêncio e riso.

RECEITA DE CARIL. A Diotima («...aus Lissabon...») provoca-nos com a sua receita de caril:
«Está na altura de afogar as gambinhas naquele repasto - ah, e era vê-las deliciadas de se afogarem naquele mar das índias, as putinhas saborosas. Coloca-se o sal, esse condimento que alegra as veias, e deixa-se estar. As gambinhas atingem o seu pico sexual aos 15 minutos. [...] Como tudo tem o seu tempo, como na vida, eu fumo um cigarro e encho o copo antes de preparar a faca que tirará a vida a um molho viçoso de coentros. Estes servirão de gargantilha para o meu caril.»

PRECIOSISMOS? A Maura, apesar de se ter mudado para o Brasil (e de flirtar no eixo São Paulo/Florianópolis) continua sempre atenta às coisas de Portugal. Desta vez apanhou esta, saída do conglomerado de reportagens da RTP: «Os dois irmãos que morreram afogados na Praia de Pedrógão eram da mesma família.»


CAVALEIRO DE OLIVEIRA. Para explicar algumas coisas portuguesas (e da sua fermosa estrivaria) eu recomendo a leitura de um texto do Cavaleiro de Oliveira, publicado há tempos pela Frenesi, traduzido e preparado por Jorge Pires: Discurso Patético Sobre as Calamidades Presentes Sucedidas em Portugal, na sequência dos acontecimentos de 1775. É claro que o Cavaleiro de Oliveira (Francisco Xavier de Oliveira, 1702-1783)foi queimado em efígie como herético, mas isso é um pormenor.
A ilustração é de João Abel Manta.

DUALIDADE? Caro Gabriel: se fosse ao contrário, uma parte do céu cairia com estrondo. Não é novidade.

A PARVOÍCE. [Actualizado] Pergunto-me muitas vezes sobre o que leva gente de esquerda e gente de direita (reparem que não escrevo «a esquerda» ou «a direita»; não vá o diabo tecê-las) a dizerem exactamente as mesmas coisas quando, «na blogosfera», revelam o seu anti-semitismo. E acho que é a parvoíce mesmo. Nem conseguem ser agressivos; só mentecaptos.
É evidente que há outra razão para isso tudo: a ignorância que, normalmente, arrasta consigo a arrogância. Recomendo os posts de Nuno Guerreiro no seu blog (sobre o anti-semitismo em França e as citações do Not a Fish).
Não vale a pena, por isso, demonizarem a linguagem e os textos do Crónicas Matinais, onde a Ana Albergaria tem vindo a dar exemplos -- desde há mais de um ano -- sobre a matéria.


PORTUGUESES, 2. Cláudio Versiani é um fotógrafo brasileiro (e esteve nos bons tempos do Correio Braziliense) que vive actualmente em Nova Iorque (para onde voltou depois de uns meses em Portugal) e que está atento à vida dos portugueses no Brasil. Graças a ele li hoje esta notícia no Estado de São Paulo: «A portuguesa Elizabete Sardinha mede 1,62 metro, pesa 57 quilos e tem 30 anos. Está longe dos padrões exigidos pela moda, mas nesta sexta-feira realizou o sonho de desfilar na passarela. Ela ganhou o concurso de beleza do presídio de mulheres Talavera Bruce (TB), na zona oeste, onde cumpre pena de quatro anos por tráfico de drogas. Elizabete, que nasceu em Coimbra e fazia um curso de esteticista em Portugal, concorreu com outras 16 companheiras presidiárias.» O jornal acrescenta que «como prêmio, a portuguesa ganhou uma calça jeans, um ventilador e um kit com produtos de beleza».
[Na foto, Elizabete Sardinha está acompanhada por Vera Loyola, a senhora que os jornais dizem ser a socialite do Rio, seja lá o que isso for.]

Nem de propósito, acabo de ler um texto do Cláudio, no blog de Ricardo Noblat; geralmente, o Cláudio escreve sobre Nova Iorque e os EUA, uma vez que vive lá. Desta vez, retoma um assunto muito comum aos brasileiros que vivem no exterior: «Essa historia ilustra um sentimento que nós, brasileiros, terceiro-mundistas temos. Ou pelo menos a maioria de nós. Bom é Paris ou Nova York. Mas a realidade é sempre diferente. Morar em Nova York é muito legal, mas legal mesmo é morar no país da gente.» O que lembra Jobim quando colocou a hipótese de regressar ao Rio (ele vivia nos EUA). «Você vai regressar?» «É. Eu sei, eu sei. Nova Iorque é bom, mas é uma merda. O Brasil é uma merda, mas é bom.»


PORTUGUESES. Quando oiço aqueles senhores de dedo espetado evocando a glória de termos sido portugueses, eu também penso nestes. Graças a eles, ainda temos alguma cor.

agosto 21, 2004

TIAGO VERDIAL. Esta história eu gostava de escrever, a de Tiago Verdial, «espião português» ao serviço da Kroll, implicada em vigilância e escutas ilegais à Telecom Italia, presidente do Banco do Brasil, L. Gushiken (actual ministro da presidência de Lula, na altura ligado a um dos grupos que disputavam a Embratel), e que incluiram «flagrante» de uma reunião entre conspiradores para tomar o poder na mesma Embratel em Lisboa (no Ritz, creio). Este foi um dos blogs mais visitados durante a semana da prisão de Verdial. Os argumentos são os do costume («Tiago está sendo acusado de crimes que ele nem poderia, nem conseguiria cometer, mesmo que tivesse essa intenção ou algum interesse. Ele é o famoso peixe pequeno, geralmente quem acaba sendo crucificado em historias desse tipo. Não é rico e não tem essa vida glamurosa de espião que já começou a ser retratada em toda a mídia, sempre morou de aluguel e nem tem carro.»), mas a história que circula em vários lugares é complexa o suficiente para ser bem contada.

IMPRENSA. A discussão brasileira sobre a liberdade de imprensa e a noção de autoridade & vigilância merece atenção. Ricardo A. Setti contribui.

agosto 20, 2004


O PEQUENO CANTINHO DO HOOLIGAN. Nada como um pequeno festejo para começar a época.

CASA PIA. Sobre o caso, alguns pontos de vista deste blog merecem atenção.

QUESTÕES DE IMPRENSA. O pessoal continua na senda das grandes vitórias. No Brasil, segue a questão da liberdade de imprensa. Leituras avulsas: na Primeira Leitura, no blog do ex-ministro (é do PT, portanto) Cristovam Buarque, Guilherme Fiúza no No Mínimo, de Hélio Schwartsman no Folha de São Paulo, e agora de Luis Fernando Verissimo, no Globo. Cuidado com as canetas, rapaziada.

E MENSAGENS PARA OS VIAJANTES. Os que andam de lugar em lugar, de cidade em cidade, de ilha em ilha.


O MEU PATRIOTISMO.
Obrigado, Costa Rica. Eternamente grato.

LEITURAS DISPERSAS. Outro blog que vale a pena ler – uma espécie de diário, mesmo, com gastronomia incluída (uma variante de caril muito apetitosa) – é o Diotima.

EU SEI, EU SEI. Não se consegue resistir durante muito tempo.

agosto 14, 2004


CLOSED FOR THE LONG SEASON.



«So I belonged no further to the work.
I gathered cups and folded up the cloth
And went. But they still kept their ease
Spread out, grateful, under the trees.»

{Seamus Heaney}

O PAÍS É UMA COISA ESTRANHA. STEINER: «Estamos perante variantes, glosas. Uma vez mais e sempre, gostaria de compreender qual vai ser a nova metáfora da esperança, a nova estética da esperança. É possível que tenhamos de percorrer túneis extremamente sombrios até que a confiança da imaginação se recomponha.» {Barbárie da Ignorância}

RÁDIO. O Blasfémias (A.A.A.) evoca um dos momentos mais abjectos da rádio deste ano, com a participação de um idiota chamado Mário Alberto. Na altura, neste blog e no Homem a Dias houve protestos -- mas sem indignação, calma. O pessoal achou graça ao inimputável.

agosto 12, 2004

POEMAS. Descubro um livro, A Palavra Exuberante, de Zetho Cunha Gonçalves (edição Parceria A.M. Pereira), um pequeno conjunto de poemas cheios de África — ignorados até agora, o que é uma pena. Algumas surpresas:

«Terra? As queimadas da infância,/ as velhas árvores ardendo,/ castiçais na noite.»

«Música? Lembra-me uma coisa/ muito antiga, onde ninguém toca,/ com receio de quebrar o encanto do ar.»

«Os barris de vinho/ cortados ao meio/ —selhas/ onde crescem/ as açucenas.»

agosto 11, 2004

TÁXIS. Escreve a Cláudia, por mail, sobre a história que aqui contei há dias sobre uma história de táxis no aeroporto:
«Acabei de ler a sua história sobre taxis. Toda a gente tem uma e todas são igualmente angustiantes. Só não se percebe porque é que não existiu ainda uma regulamentação séria daquela actividade. Ou ainda, milagre dos milagres, uma iniciativa de auto-regulamentação.
Houve um taxista que me tentou atropelar depois de ter que "fazer um serviço de merda" comigo às 3 da manhã, da Lapa para o Bairro Alto. Passou o percurso inteiro a dizer palavrões, e chegando ao destino, arrancou mal eu tinha tirado a segunda perna do carro. Estava eu a tentar equilibrar-me quando o criminoso arrancou violentamente para a frente, ganhando espaço, para depois pôr a marcha atrás a toda a velocidade. Uma amiga que estava comigo empurra-me para fora da estrada, evitando que eu fosse atropelada. Isto ultrapassa a falta de respeito pelo outro, isto é um atentado físico.
Esta é a minha pior história. Entre outros episódios já me pediram para eu me juntar ao célebre slogan enquanto conduzir beba (ó menina, beba uma cervejinha comigo), já tive que andar a pé para ir buscar trocos ("eh pá então dá-me uma nota de 20 euros?"), já suportei ofensas repetidas por ter de apanhar taxis do aeroporto para a Av. dos EUA, onde a minha família mora. Já tive que decifrar mapas de ruas, suportar os cigarros de taxistas que se passeiam com cinco autocolantes a dizer "proibido fumar". Já me disseram que pôr cinto de segurança era uma ofensa (os palavrões que eu oiço, esses, não são ofensa), já fui transportada por pessoas de idade avançada e sem reflexos para conduzir. Eu tenho muito medo de andar de taxi em Lisboa...»

agosto 10, 2004

ANDA TUDO LIGADO. O Billy Shears, do Aifai, recorda aquele momento em que, no palco de The Last Waltz, a homenagem aos The Band, Robbie Robertson se refere a Van Morrison: «Van, the Man!» Isso lembrou-me o festival de Derry, há uns anos (em 1994), quando Van Morrison deu um concerto muito, muito bom (eu ia a escrever «memorável», mas isso diz-se tanto...). No dia seguinte, em Dublin, o The Irish Times, rompendo com a sua circunspecção e gritando com uma voz de fazer inveja a Robbie Robertson, publica uma manchete impressionante: «Van, the Poet.» Mais nada («...e mai nada...»). «Van, the Poet» era uma manchete ousada, sim. E quantos jornais portugues escolheriam uma semelhante?

ACORDO ORTOGRÁFICO DE REGIME. De resto, o Acordo Ortográfico vai parecer-se muito com estes acordos de regime, com a diferença de que não se sabe muito bem o que significa um acordo de regime em matéria como a justiça, por exemplo. Parece que o que está em causa, ou subjacente à oferta de pacto de regime, são questões do código penal e do código de processo penal -- e não a justiça propriamente dita. Sobre os códigos, espera-se que o Parlamento trate do assunto e rapidamente, para se acabar o regime de queixinhas. Sobre a justiça (ou a Justiça), espera-se que a lei seja respeitada e que os «seus agentes» trabalhem de acordo com as regras. Isso é que era um grande acordo de regime.
Tudo isso será certamente impossibilitado pela forma como a investigação policial é analisada em directo, como os processos vão parar às mesas das redacções, como os telefonemas privados são tornados públicos, como a promiscuidade e as regras de favor são protegidas. Nada de escândalo; é assim há anos. Por isso, o verdadeiro acordo de regime era esse: obrigar a cumprir a lei e haver gente decente a cumpri-la.

ORTOGRAFIA ALEMÃ. O João Miranda, do Blasfémias, chama a atenção para este texto do Público: alguns jornais regressarão à antiga ortografia alemã dado que a adopção das normas da reforma de há oito anos está a causar problemas: «A introdução das regras confundiu os alemães de tal maneira que os pais passaram a escrever de modo diferente dos filhos, as crianças de modo diferente dos autores cujos trabalhos são lidos na escola e os autores de modo diferente dos jornais e revistas em que os seus trabalhos são publicados.» Este é um assunto que nos devia preocupar um nadinha, uma vez que o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (de que o actual primeiro-ministro foi, na altura, um entusiasta) foi já aprovado e na última cimeira da CPLP, em São Tomé, se voltou ao assunto no sentido de apressar a sua entrada em vigor. É um assunto para retomar.
P.S. - O assunto não é novo, de resto: o Frankfurter Allgemeine Zeitung já tinha abandonado a nova ortografia. É o meu jornal.


ORTOGRAFIA, GRAMÁTICA. Sim, caro Pedro Ornelas, a Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Lindley Cintra e Celso Cunha (a «grande» ou a «pequena») é, de facto, exemplar. A nossa melhor gramática. (Imagens das capas das edições portuguesa, João Sá da Costa, e brasileira, Nova Fronteira.)

P.S. - O Pedro ficou com a expressão «classe educada», que eu usei várias vezes, «atravessada». Não é caso para isso. O próprio Pedro dá resposta à questão no seu post de hoje («uma 'classe educada', numa quantidade e qualidade que não tem qualquer comparação com a de há 30 anos»). O grande problema da «classe educada» é a sua demissão e desresponsabilização -- como se nada fosse com ela. Já um dia escrevi aqui sobre a «responsabilidade social dos ricos»; talvez um dia fale sobre a «responsabilidade social das 'elites cultas'», mas é também a elas que se aplica o meu texto de ontem sobre Sam Shepard.

ALEGRES IRONIAS. Ler o post «Alegre», de Duarte Moral, no Golpes de Vista, sobre Manuel Alegre como «apóstolo da esquerda».

agosto 09, 2004

HOOLIGAN DE MANHÃ CEDO. Às vezes, de manhã cedo chegam as boas notícias. Há coisas que recomendam Victor Fernandez, não tenho dúvidas.

BOTAFOGO. O excelente Nuno Lima – que, se não é alvinegro, adepto do Botafogo mesmo, é um dos melhores portistas a norte do Equador – ficou surpreendido com a minha referência ao hino do fogão estragado pelo Zeca Pagodinho. E enviou-me, em mp3, a versão anterior, de Beth Carvalho e do grande Ed Motta, e onde consta a narração de outro golo de Garrincha.

UM BLOG. Já recomendei hoje o Aifai; recomendo também o Rititi; as defensoras da literatura feminina tremem.

DARFUR. «The situation in Darfur is not an American issue. It is not a European issue or an African issue. [...] The cruel irony in all of this is that the world has been down this road before, in both Somalia and Rwanda.» Não se trata de indignação.


ORTOGRAFIA & SAM SHEPARD. O que eu queria dizer com os textos sobre ortografia e o Português está escrito de outra maneira por Sam Shepard em «O Pedaço do Muro de Berlim», uma das histórias de O Grande Sonho do Paraíso: um miúdo do secundário (sétimo nível, nos EUA) pede ao pai que lhe conte coisas sobre os anos oitenta para a disciplina de estudos sociais. A princípio, o pai não se lembra («Diz que a coisa mais importante dos anos oitenta era ter sido quando ele conheceu a minha mãe e quando eu e a minha irmã nascemos. Quando lhe digo que não é permitido falar de assuntos pessoais, ele diz: e para além disso o que é que há?»), «que nem se consegue lembrar de ter vivido durante a década de oitenta». Mas depois a irmã fala do Muro de Berlim. Ele, o estudante do sétimo nivel, pergunta «como é que ela sabe essas coisas» e «ela diz que é porque estava lá». E apresenta «um pedaço de cimento pintado mais ou menos do tamanho de um cheeseburger». «Isso é um pedaço do Muro do Berlim», diz ela. O pai fica excitadíssimo com a recordação de Berlim e mete-a num saco plástico, transparente, ata-o com fita cola, etiqueta-o com «marcador preto Magic Marker, como se fosse uma espécie de rótulo de museu ou coisa do género». «É completamente doido», lembra o estudante. «Como é que se pode esperar que eu saiba a resposta? Eu ainda nem sequer tinha nascido quando aquilo aconteceu.» O pedaço de Muro de Berlim «é apenas um pedaço de cimento», diz ele. «Não o percas», pede-lhe a irmã. «Como é que posso perder? Tem um rótulo», responde ao sair de casa.
E é isso que a discussão sobre o Português evoca neste momento, uma ligação à história da nossa vida. Não apenas um rótulo, uma regra, uma norma, uma perseguição. Mais uma delicadeza para com o passado e as letras que foram escritas antes de cada um de nós as escrevermos, uma a uma.

ALIÁS (O CANTINHO DO HOOLIGAN NÃO PERDOA). Em relação ao texto anterior, esqueci um ponto. Outro dos meus discos deste Verão é a série de hinos dos times brasileiros publicada pela Placar: o fantástico hino do São Paulo (pelos Capital Inicial e Ira! -- nunca vi tanta trapalhada, mas o hino sobrevive), o do Flamengo (Herbert Vianna e Gabriel O Pensador), Bahia (Caetano, Gilberto Gil, Bethânia e Gal), Botafogo (por Zeca Pagodinho, mas lembrando um golo de Garrincha em gravação da época -- é o preferido dos meus filhos), Vasco (Paulinho da Viola e Los Hermanos -- com os sons iniciais lembrando um golo de Roberto Dinamite), Santos (Arnaldo Antunes), Atlético Mineiro (que rock! -- Tianastácia e Rogério Flausino, dos Jota Quest), Palmeiras (Branco Mello, dos Titãs, Simoninha e Igor Cavalera, dos Sepultura), Cruzeiro (Samuel Rosa, dos Skank), do Vitória Bahia (Daniela Mercury, mas era escusado) por exemplo. A versão do hino do Corinthians é demasiado hip-hop & soul, com Negra Li, Paula Lima, Rappin Hood e Xis. Há ainda os do Fortaleza (Fagner) e do Goiás (Zezé di Camargo, o sertanejo petista).
Portanto, depois de chamar a atenção para Telemann ou Van Morrison, eu tinha de estragar tudo, não é?

agosto 08, 2004

MÚSICA A GOSTO. Ora aí está o Aifai, um blog de «música e pouco mais», entre o barroco e a pop, falando de Telemann, Boismortier (sim, Joseph Bodin de Boismortier, concertos para cinco flautas) ou The Kings of Convenience («Winning a Battle, Losing the War», «Summer on the Westhill»...), Van Morrison, Nick Drake ou Brad Mehldau. Blog para frequentar. Além do mais, fiquei contente por saber que Billy Shears ouve com essa frequência «Whinin Boy Moan», de Van Morrison («Well let the whinin boy moan/ If you don’t know how to do it yourself/ Let the whinin boy moan...»). É uma das minhas preferidas, embora o meu Van Morrison deste Verão seja um regresso ao Too Long in Exile só para me lembrar de J. L. Hooker em «Gloria» e «Wasted Years». Vícios.

P.S. - Já agora, Boismortier (1691-1755) é um dos músicos de eleição do meu computador. Pouco conhecido, recomendo (até para fazer concorrência ao Aifai), Suites, Sonatas & Concerto for Viola da Gamba, os fantásticos Seis Concertos for Cinco Flautas (eu tenho uma edição da Naxos, suponho que haverá melhores) e as Sérénades chez Marie Leczinska, de que apenas tenho o volume 2.




CORMAC MCCARTHY. Está finalmente publicado em português o romance de Cormac McCarthy, Meridiano de Sangue (ou o Crepúsculo Vermelho no Oeste)(Relógio d'Água), traduzido por Paulo Faria.

VIAGENS DE DEPUTADOS. Declaradamente contra a nova lei que permite aos deputados desdobrarem os seus bilhetes de avião de classe executiva em dois de turística, a fim de levarem um familiar. Absolutamente contra.

GRAVAÇÕES. «Tudo se dilui para que as verdades se confundam com as mentiras», relembra o bem informado A Grande Loja. Mas foi assim desde o princípio do processo -- e teria de ser assim, considerado o que estava em jogo no processo da Casa Pia. À medida que se multiplicavam as detenções, os interrogatórios, as notícias, o próprio processo transformou-se num Benfica-Sporting, cheio de profissões de fé e de questões de convicção. Também teria de ser. Caso as gravações sejam publicadas -- o que, nesta altura, é de somenos importância para o nível de abjecção que já se conhece ao processo --, os jornais ou as televisões que o fizerem terão de indicar com clareza o modo como as obtiveram e como assumem a sua colaboração no crime. Caso se confirme que as gravações que circulam em Lisboa são uma «selecção apertada dos “momentos mais quentes” das conversas entre o jornalista do Correio da Manhã e vários dos seus interlocutores», também estamos perante outro indício importante. O Jornal de Notícias de hoje dá conta da opinião de Germano Marques da Silva, que pensa que «a divulgação dos conteúdos é serviço público, como uma forma de defesa da democracia», com o argumento de que «se as fontes devem ser protegidas, a manipulação também deve ser evitada; precisamos de saber o que aconteceu neste caso». Simplesmente, a divulgação dos «momentos mais quentes» e não da totalidade das gravações obtidas por Octávio Lopes, constituirá uma forma de manipulação. Tudo isto já estava escrito.

agosto 07, 2004

BRASIL, PORTUGAL. Um estudante brasileiro vai processar o governo português por ter sido impedido de entrar no País, é uma notícia da Folha de São Paulo de ontem. O goiano Wesdras Ribeiro Xavier diz que foi humilhado no SEF do aeroporto de Lisboa. Segundo a Folha, não há razão aparente para lhe ter sido negado o direito de entrar em Portugal -- o cidadão brasileiro é estudante, tinha dinheiro consigo, cartão de crédito e telefonemas para fazer. A ideia dele era passar uns dias em Lisboa e seguir para Londres, onde tem família. Acontece que a família goiana de Wesdras tem alguma importância no país (o pai é deputado) e advogados. É um caso a seguir com muita atenção.

TÁXI. Cheguei a Lisboa de cadeira de rodas. Um taxista guarda-me as malas no carro e dou um endereço, perto do Marquês de Pombal -- acrescentando que a seguir quero ir ao Campo Grande. «Ó amigo, isso é que não pode ser. Está na minha hora de almoço e o almoço é sagrado. E além do mais, não estou para fazer serviços de merda. Porque é que me havia de tocar isto a mim?» Os utilizadores dos táxis do aeroporto da Portela estão permanentemente diante do Muro das Lamentações, expiando culpas que desconhecem. Mas, diante daquela lógica irrefutável, rendi-me. Entre ser recebido assim ou a ouvir o fórum da TSF, fiquei com a impressão de que as coisas são como são.

VERÃO PORTUGUÊS. Ainda não tinha estado em Portugal desde que Santana Lopes é primeiro-ministro. Está calor.
P.S. - Mas há sempre boas notícias...

ORTOGRAFIA, CAIXA DO CORREIO, 4. Paulo Jorge Santos publicou, no O Céu Sobre Lisboa, de Pedro Ornelas, um interessante texto sobre a mesma matéria.
«Na minha Faculdade, com pontuais excepções, os alunos só escrevem na altura de exames. Alguns alunos chegam ao 3º ano sem terem nunca realizado um único trabalho escrito. Alguém me explica como é possível melhorar o domínio da língua portuguesa desta maneira?»

Veja-se, também, o texto de Pedro Ornelas sobre o assunto.
E um esclarecimento: eu, quanto à norma, acho que deve ser definida; mas escrever é outra coisa completamente diferente. Só esta precisão.

ORTOGRAFIA, CAIXA DO CORREIO, 3. O Rui Oliveira, do blog Superflumina, enviou um mail sobre esta mesma questão:
«Estou obviamente de acordo consigo sobre a importância da ortografia. Não é apenas uma obsessão, mas uma necessidade, não apenas para uma maior legibilidade da comunicação (que não passa apenas por aí), mas porque obriga a um rigor que também faz falta no resto. Como ex-professor do secundário, sei dar o devido valor às questões ortográficas e também os erros que os meus alunos davam. Mas, o pior do que os erros, era a atitude com que encaravam o assunto. Para eles, a preocupação com a ortografia era coisa do passado, pois eu até compreendia o que eles queriam dizer. Esta despreocupação alargava-se depois a tudo quanto faziam nos testes escritos e depois achavam que eu era demasiado rigoroso a dar as notas. Tudo o que desse trabalho, era banido. Todavia, o que me afligia mais como professor era a confrangedora capacidade que eles tinham para produzir textos, neste caso, escritos. Tentei, dentro dos limites do programa, trabalhar a expressão escrita, mas os anos de facilitismo do Ensino Básico não permitem muito êxito nesta matéria. Por isso, penso que a mudança de programa era absolutamente necessária, mas penso que está mal realizada. A minha análise do programa actual do Secundário está em curso, mas queria falar ainda com ex-colegas que tenham dado este ano o 10.º ano e ver os manuais (embora através das críticas que o Francisco já fez a alguns - e com as quais concordo - não me deixem muitas experanças). Também tenho dúvidas que os professores estejam muito preparados para a tarefa.
Quanto ao ensino de literatura, já disse no meu blog que havia literatura a mais nos programas, sobretudo pela maneira como acabava de ser dada (não querendo generalizar demais, o facto é que a maioria dos alunos não fixavam muito daquilo que lhes era ministrado): a poesia medieval (Galego-Portuguesa e Cancioneiro Geral) é um caso para esquecer. Também dado no 10.º ano o que se poderia esperar, especialmente de uma poética com condições de produção e recepção tão específicas que, por vezes, alguns professores também não conhecem muito bem (tenho histórias pessoais interessantes a este respeito); dos Lusíadas conhece-se os episódios dados (Consílio dos Deuses, Inês de Castro, Partidas das Naus, etc.) mas não a obra inteira... Aliás, dar lírica de Camões no 10.º ano, frequentemente, é bastante frustante pois os alunos desconhecem completamente a época... e alguns professores também não conheciam muito da tradição em que Camões se integrava, como por exemplo o petrarquismo (só sabem generalidades, nunca leram Petrarca, nem Garcilaso)..
- de Os Maias, exactamente a mesma coisa, conhece-se os episódios mas não se compreende a crítica social feita por Eça porque os alunos não conhecem o Portugal do séc. XIX.
- do Fernando Pessoa e heterónimos decorava-se o que o professor diz e depois tenta-se acertar o que se sabe com aquilo que foi dito pelo professor. E de muitos outros (Cesário, Garrett, Vieira, etc.) ainda se poderia dizer mais.
Mas isto de maneira nenhuma quer dizer que a literatura deveria desaparecer ou ser metida à pressão nos programas do Secundário na disciplina de Português. Tentar separar língua e literatura no ensino é perfeitamente artificial. Será impossível dominar bem a língua se não se tiver contacto com aqueles autores que mais puxaram pelos limites e potenciaram ao máximo essa língua. [...]Quanto ao novo programa de Português para o Secundário, como acima disse, não o conheço em profundidade, mas a leitura rápida deixa-me muito desconfiado, por exemplo, quanto ao conceito que os autores terão de "tipo de texto". A bibliografia, por exemplo no capítulo "Funcionamento da Língua", para um programa deste tipo, ignora quase completamente autores germânicos e anglo-saxónicos (apenas 1 destes últimos), faz apenas referência a autores francófonos e portugueses.
Eu tenho um curso LLM/Português e Francês, mas aprendi, em matéria de linguística (geral e de texto) a apreciar imenso os autores alemães, levando-me a aprender alemão (que ainda não domino muito bem) para poder ler mais e melhor o que há por aí. Ignorar quem (os alemães) praticamente criou a linguística de texto não me parece muito bom caminho ou será, uma vez mais, a nossa crónica dependência de tudo o que vem de França e derivados? Ou incapacidade dos autores em procurarem mais além? É pena que estes problemas não sejam seriamente debatidos por quem tem responsabilidades na Educação, pois estão sempre presos ou a teorias ou a interesses corporativos. Peço desculpa pelo comprimento da mensagem e espero que continue a abordar estes assuntos. Pela minha parte também o tentarei fazer.»

agosto 06, 2004

ORTOGRAFIA, CAIXA DE CORREIO, 2. O José Flávio P. Teixeira, de Moçambique (onde mantém o Ma-Schamba), comenta também por mail a questão do Português:
«Apreciável polémica essa, a ortográfica. Eu faço erros ortográficos, o que é algo tão pouco assumido como a impotência sexual – estou a sair do armário. Ainda assim, escrevo sem corrector, nunca o instalei. Serão poucos, mas estão lá. Mas esse não é o problema. O ensino que tive foi o pós-25 de Abril, 4.ª classe em 1974. O que me faltou aprender foi sintaxe. Ao reler o que escrevo até tremo. E nisso não estarei sozinho, há por aí muito teclado que ainda vai pior. E disso pouco se fala. E como sintaxe é a inteligência aqui é que vai o mal, diz o leigo nessas coisas.
Não percebo isso de Os Maias. O livro é giríssimo e tem algum sexo, até incesto, e é cinematográfico, ou seja imaginável. Que mais se pode pedir? A Cidade e as Serras é uma chatice para o seculo XXI (além de que as serras já arderam todas; para quê imaginar as suas belezas?). No meu 11º ano, como já tinha lido Os Maias foi só relê-los e brilhar. Isto vem a propósito do que era também obrigatório, aqueles clássicos que francamente: nem li as Viagens na Minha Terra, meu Deus que absurdo (só lá cheguei nas antropologices de olhar os românticos e etc.), nem os Herculanos (O Bobo e Eurico, o Presbítero - li-os depois e são uns pastéis, ainda para mais para quem passou pelo Walter Scott ou até Feval e Dumas na puberdade) nem mais qualquer coisa que havia. Deu para dispensar. Pois aquela primeira parte do programa, "coisas técnicas", ninguém ligava, nem nós nem a stôra, devido ao primado da literatura. E com este primado há tanta gente que nem cartas oficiais sabe escrever. Maldito primado. Lá na escola nunca li Os Lusíadas (excepto aquelas primeiras páginas do 9º ano). Surpreende-me que se discuta a pertinência de Os Lusíadas no ensino liceal. Será que se estudam mesmo, ou se continua com o singelo início, só para estar no programa? Voltar atrás. A ortografia é grave. Mas pior é não ensinar a sintaxe. Acho eu, mísero antropólogo.
Ah, isso de ler os brasileiros sim. Sim. Sim.»

ORTOGRAFIA, CAIXA DE CORREIO, 1. O Mário Filipe Pires, do Retorta, por mail, comenta a questão ortográfica (que, para mim, de resto, é mais vasta do que a ortografia; diz respeito à expressão em Português):
«Tenho acompanhado a troca de correio acerca da ortografia e do português com bastante interesse. Devo o meu gosto pela leitura a dois factores, a existência de um numero razoável de livros em casa dos meus pais, e um professor de português, que conseguiu interessar toda uma turma nas questões da lingua e dos textos. Refiro ainda que no Liceu Pedro V de 1975 isto não é um feito menor. Infelizmente já não me lembro do seu nome, mas ainda me recordo que já teria pelo menos umas cinco décadas de vida, e que trajava quase sempre casaco, laço e colete, o que naquelas circunstâncias seria meio caminho andado para ser catalogado como fascista.
Utilizando apenas o seu entusiasmo e os livros do programa da altura, conseguiu cativar uma turma inteira, que nas suas aulas prestava realmente atenção ao que ele dizia. Com ele os livros não eram letra morta. Foi também o único com quem insistimos em almoçar no final do ano lectivo. É um facto para mim que o português dos clássicos é algo que deve ser visitado regularmente, mesmo que já seja necessário existirem notas explicativas para termos ou frases. Sem conhecer bons exemplos e diversos estilos narrativos empobrecemos a nossa escrita e fala. Ninguém escreve hoje com o estilo de Eça de Queirós ou Gil Vicente, mas o facto é que continuamos a retirar prazer da leitura dos seus textos. Independentemente disso, quando se ganha o hábito da leitura, mesmo que estas sejam inicialmente menos interessantes, tenho esperança que se vá desenvolvendo um crivo crítico em cada pessoa. Quanto ao ensino do português o assunto é complexo, mas aquelas mudanças do acordo ortográfico não foram inocentes e levantam muitas questões em termos de ensino inicial.»

O FILME DE MOORE. COM DESCULPAS AO RUI. O Rui Miguel Curado Silva (um dos meus académicos de eleição, um dos animadores do Klepsidra) enviou um mail sobre a nota que aqui deixei a propósito do Farenheit 9/11, de Moore. Infelizmente, azares vários fizeram com que lhe perdesse o rasto (ao mail) durante alguns dias -- aqui está agora.
«As duas linhas que dedicou ao novo filme de Moore entraram numa cadeia de copy-paste do link do texto em que Kopel aponta 59 falsidades ao filme de Moore, e o pior é que me parece que ninguém leu esse texto e ninguém viu o filme. Eu vi o filme e quando comecei a ler o texto de Kopel estava convencido que ia ali encontrar a denúncia de maroscas do Moore (o que não me espantaria). Comecei a ler e desatei a rir. Aquilo é fraquito. A falsidade que me deu mais vontade de rir é o facto de ser falsidade Moore dizer que Flint é a sua home town (apesar de ter de facto vivido em Flint). Mesmo que as 59 falsidades de Kopel fossem todas verdade (eu verifiquei que algumas estavam erradas, outras são juízos de valor subjectivos, outras ainda demonstram que Kopel não percebeu certas partes do filme) nenhuma delas chega aos calcanhares de falsidades e de situações graves que Moore aponta à administração Bush e que nem o próprio Kopel desmente: a ligação da família Bush à família saudita, as relações entre o antigo regime de Saddam e Reagan, as relações recentes entre os talibãs e empresas texanas ligadas a Cheeney e a grupos económicos da família Bush, etc. O filme é falível, como todos os filmes, como os nossos blogues, como todos os livros que se tem escrito sobre o assunto. Estamos a falar de um filme e não de um documento oficial que deve ser rigoroso como: uma constituição, um texto jurídico, um artigo científico ou um relatório sobre armas de destruição em massa. O que eu acho estranho é que se seja tão rigoroso com Moore e se seja tão complacente com falsidades bem mais graves escritas em documentos oficiais, esses sim que não deveriam cometer erros nem falsidades, como os relatórios sobre armas de destruição em massa emitidos pela administração Bush. Aqui recomendo a leitura do último livro de Hans Blix (Irak: les armes introuvables) onde são apontadas muito mais do que 59 falsidades à administração Bush só no capítulo das armas de destruição em massa. Acho estranho todo este súbito rigor em relação a Moore (que produz um filme intencionalmente de espectáculo) num país que transmite astrólogas todos os dias na estatal RTP, que tem um primeiro-ministro que vai à bruxa, que tem nas páginas brancas um numero de serviço de horóscopo ao lado do número do despertar e da meteorologia e dos números de emergências, cujos jornais sérios dedicam às vezes 5 a 6 páginas de treta astrológica nas suas revistas de fim de semana, etc. Li as criticas ao filme de Moore noutros países onde o estilo de Moore é avaliado com a ponderação correcta: boa denúncia com uma dose de macacada. Ou seja, fazer rir para não chorar com assuntos graves. Só aqui em Portugal é que se é muito sisudo com Moore e leva-se na macacada Durão a afirmar que viu as provas das armas de destruição em massa no Iraque, coisa que nem Hans Blix viu. Deveríamos ter sido sisudos era com Durão Barroso.»

agosto 05, 2004

ORTOGRAFIA, UM REGRESSO. O Pedro Ornelas continua, no seu blog, a tratar do problema da ortografia; a dado passo, num dos comentários ao seu texto, achou que eu pertenço também ao grupo de pessoas que assumem «posições histéricas e impensadas». «Parece», escreve o Pedro, «que quando se chega às questões da língua viramos todos fascistas.» Eu não comento esse pedacinho, mas ficou-me uma ligeira amargura. Quanto ao resto, vejamos: eu não defendo, como o Pedro sabe – e leu os meus textos durante alguns anos, no O Independente, com um cuidado que lhe agradeço, corrigindo algumas vezes certos disparates –, que exista uma «norma absoluta» da língua. Estaríamos a escrever como el-rei D. Afonso II, o Gordo, que, por acaso, não escrevia. Também não defendo que em cada português deva existir um especialista em questões ortográficas ou sintácticas, citando Rodrigues Lapa (a sua Estilística foi profundamente moderna para o tempo, questionando a norma e defendendo a evolução pelo uso, conceito que não era apenas filológico; a citação de Cândido de Figueiredo que o Pedro faz no seu blog já vinha no mesmo sentido) ou, digamos, Lindley Cintra. Mas defendo que deve existir, nessa matéria, um certo grau de exigência, na escola como na vida pública. E penso que, de facto, o défice de contacto com os clássicos da nossa língua (na escola, na biblioteca de família – sobretudo entre os 14 e os 18 anos) diminui as possibilidades de se escrever melhor. Escrever melhor não é escrever de acordo com a norma; daí que eu concorde perfeitamente, e sem objecções, com a apreciação do Pedro em relação a autores inesperados, como Leonardo Ferraz de Carvalho (outro autor que me surpreendeu, também na área da economia, foi Rogério Martins, que no Público assinou algumas crónicas «literárias»).
Penso que é um dislate meter Os Lusíadas à força nos programas escolares antes do 11º ano (mas não é mal nenhum falar da sua existência antes); tal como é dislate semelhante escolher Os Maias, de Eça, em vez de A Cidade e as Serras, por exemplo (a propósito, escolher o Memorial do Convento não é a mesma coisa?). Não é por acaso que no Brasil Os Maias foram objecto de adaptação televisiva – enquanto que em Portugal, onde o livro foi de leitura obrigatória, não se fez nada disso. Em 1989, num estudo encomendado pela Ler sobre os hábitos de leitura, com preocupações um pouco mais vastas do que as habituais linhas sobre «quantos livros se lêem por ano» (e realizado pela Marktest), chegámos à conclusão de que 82% dos alunos que tinham Os Maias como «leitura obrigatória», pura e simplesmente não o tinham lido. Enviámos (na altura eu dirigia a Ler) o estudo ao Ministério da Educação e manifestámos a nossa preocupação: não era a altura de mudar a agulha? Ou seja: se 82% dos estudantes que deviam ler Os Maias não o liam, porque achavam o livro «chato», «pesado», «comprido», «difícil», não estaríamos a tempo de evitar que crescesse a rejeição a Eça, e se tentasse A Cidade e as Serras (ou A Relíquia, essa obra-prima do humor e da tentação) ou a leitura de alguns contos de Eça? O Ministério da Educação, na secção do ensino do Português, estava ocupado com outras questões.
A minha questão com «o ensino da literatura», ou a prática da leitura de clássicos na escola, não está ligada unicamente ao «ensino da língua»; a leitura desses clássicos não é apenas importante para o contacto com a Língua – é fundamental para o contacto com a História. A questão, caro Pedro, é mais vasta: é a de defender que o Português seja uma disciplina central para as «humanidades», tal como a Matemática o é para as «ciências».
De resto, sobre a reforma do ensino do Português no ensino básico e secundário, não me parece que um aluno do 9º ano esteja em condições de compreender a complexidade formal (estética) e «histórico-cultural» de Os Lusíadas se as aulas de História não acompanharem esse esforço. Mas já me parece que a obra seja mencionada apenas aos alunos do 12º da área de «humanidades». Na altura do «escândalo camoniano» (creio que em 2000) escrevi que o assunto dava matéria para várias hipocrisias: o nacionalismo literário, aliás, respondia cheio de feridas e de amarguras – estão a abandonar o Camões. Mas o nosso Camões estava já abandonado há muito tempo. Na universidade tive a surpresa de perceber, quando frequentei uma cadeira intitulada «Estudos Camonianos» (1981, creio), que metade dos meus colegas não identificava textos marcantes da lírica e que nunca tinha ouvido mais do que uma frase sobre «a malandrice» do Canto Nono.
O Pedro acha que, «para não variar», também lamento o que eu designei como a «euforia da linguística teórica nas universidades e escolas secundárias». Mas não foi isso que aconteceu em França, na Espanha ou na Alemanha e nos EUA? Eu fui professor de «linguística teórica» na universidade; podia dar-me ao luxo de passar um mês a comentar a frase «John hit the ball» retirada das Estruturas Sintácticas, mas sempre achei que nas escolas secundárias não era esse trabalho que facilitava a aprendizagem da Língua ou o conhecimento e o contacto com o melhor de que a nossa Língua foi capaz. Aliás, acho que, nessa matéria, a redução à «linguística da frase» não foi um grande contributo. Tema para outra conversa. Mas continuo sem perceber – problema meu – como pode a leitura de maus textos contribuir para a melhoria da nossa «competência linguística».
O Pedro acha que invoquei «os argumentos do costume» para falar «da decadência da escrita em português». Sinceramente, não acho isso mal. Escrevi isto: «Um ensino do Português com tons mais permissivos, preguiçosos e envergonhados não há-de produzir bons falantes da nossa língua, nem bons leitores dos textos da nossa língua, nem sequer gente capaz de escrever – com clareza e rapidez – uma frase decente.» Está à vista. Escrevi que «a “classe educada” portuguesa abdicou […] de pensar e de ser exigente» e que isso tem reflexos na maneira como se lida com o Português. Está à vista. Temos um secretário de Estado da Educação que justifica os seus erros ortográficos com a falta de corrector apropriado no computador. Como se dissesse: «Isso não tem importância. Que é um erro ortográfico?»
Há aqui um mal-entendido. Eu não me importo que Mia Couto escreva em Português daquela maneira; posso não gostar. Mas nem me escandaliza, nem acho que – nas actuais circunstâncias – nós possamos reivindicar a propriedade da Língua. Até acho que é uma pena não se ler nas nossas escolas mais literatura brasileira, de Machado a Rubem Fonseca. Teríamos muito a desenferrujar. Muito.
Sim, talvez não fosse correcta a minha referência ao Dicionário da Academia – aí, o Pedro chamou-me à pedra e fez bem. Aliás, sobre os dicionários, o Pedro tem a posição que julgo correcta (ele dá o exemplo do trabalho da Longman, que é exemplar). No resto, longe de qualquer frase minha ironizar sobre a leitura de Os Cinco (aquela gastronomia adolescente de Os Cinco e o Circo sempre me fascinou) ou de qualquer outro género. Acho, justamente, que a nossa literatura tem um défice nesse capítulo; o «sistema literário português» continua muito reticente em relação ao «romance de aventuras», à «novela policial», etc. – porque gosta de uma «literatura muito literária», muito voltada para si mesma, muito debruçada sobre a própria escrita. Uma das razões é esta: falta-lhe muita leitura dos clássicos. Se o «sistema literário» tivesse aprendido a lição dos clássicos, não eram tão aborrecidos os romances portugueses contemporâneos, nem alguma poesia tão convencidinha da vida. Machado, Camilo, Sterne (o Tristram Shandy, sim), Swift, Cesário, Sá de Miranda, a fantástica poesia do barroco, por exemplo.
Em suma, caro Pedro, eu não defendo que os mestres andem de luneta apontada, à cata de discordâncias. Mas suponho que tenho o direito de exigir que no Telejornal não me apareçam erros ortográficos nos rodapés e de pedir o favor de controlar de alguma maneira a aberração das mensagens SMS em todos os programas de televisão popular. Se eu pedir que qualquer estudante do 12º ano possa fazer os exercícios recomendados por Mendes Silva no seu Português Contemporâneo (o livro está publicado pela Teorema e pelo Círculo de Leitores), também acho que não é pedir muito.

agosto 04, 2004

OPINIÕES MAIORITÁRIAS. William Hazlitt tinha uma frase admirável que vale a pena recuperar: «Aqueles que rejeitam tudo a que falta uma perfeição imaginária, fazem-no não por superior capacidade de gosto ou largueza de intelecto, mas para destruir, reduzir e limitar todos os prazeres e opiniões que não sejam as suas.» No século XVIII, depois da Revolução Francesa, de Burke e de Madame de Staël, Hazlitt foi condenado por não ser um pensador e um crítico maioritário. Hazlitt seria hoje crucificado. Os tempos vão para as opiniões maioritárias. Aproveitemos o Agosto português.

agosto 02, 2004

TELEVISÃO. Os argumentos de Eduardo Cintra Torres em relação à série Os Maias produzida no Brasil e exibida pela SIC merecem ser lidos. Quando há dias escrevia aqui sobre a demissão das elites em relação à televisão, à língua e à cultura, também falava disso.

MÉDIO ORIENTE. Não deixar de ler a entrevista com Yoram Yovell, psicanalista israelita, na Veja de ontem. Na mesma área, noutra orientação, veja-se a entrevista com Mohammed Dahlan, antigo homem forte da segurança palestiniana, afastado por Arafat, no Al-Watan, do Kuwait, reproduzida pelo Al-Bawaba.

DARFUR, UMA REVISTA DA IMPRENSA. «Darfur resolution splits Arab press. Newspapers in the Arab world are divided in their reactions to the UN Security Council resolution calling on Sudan to act against militia attacks in the western Darfur region.»

agosto 01, 2004

HOMEM A DIAS. O Alberto Gonçalves é uma das pessoas simultaneamente mais discretas e cultas (ligação que não devia ser surpresa) que conheci – e é por isso com um mea culpa (pelo atraso) e com alegria (pela sua insistência) que lhe envio um abraço de parabéns pelo primeiro aniversário do Homem a Dias. É um blog corajoso. Infelizmente, o Alberto não escreve nele com a frequência de outros tempos, mas é a vida. Shalom.