dezembro 31, 2004

FINAL DO ANO. Este ano merece ter fim.

O PERIGO DA DEVASTAÇÃO. As imagens continuam a chegar. Vídeoamadores. Repórteres da desgraça. Vidas salvas e vidas perdidas. Ao pé disso, as histórias dos primeiros dias são um pesadelo, porque limitavam os danos. As regiões finalmente abertas aos jornalistas, às visitas da imprensa, ao olhar da ajuda humanitária, revelam um mundo que parecia subterrâneo até então: províncias isoladas por décadas de terror político, de isolamento e de escuridão. Falamos tantas vezes desses lugares -- nunca os tínhamos visto. Penso na China, por exemplo; e em se alguma vez teremos oportunidade de ver os territórios devastados por barragens, tufões, terramotos, incêndios, terra-queimada do Estado, Tibete, o que for. Ao pé disso, as notícias dos primeiros dias são um pesadelo, porque não só limitavam os danos como também escondiam a geografia.

RETORTA, 3 ANOS. Na altura em que faz 3 anos a Retorta V3 inicia o seu caminho. Aí está: com nova versão, abandonando a plataforma Typepad, em espaço próprio.

EMPRÉSTIMO DE LIVROS NAS BIBLIOTECAS. DIREITOS DE AUTOR, 4. O J.V.N., de A Peste, lembra, e bem, que os autores não devem recusar «uma posição de responsabilidade no progresso cultural». Eu acho isso bem. Mas, isso lembra-me outra questão, justamente: a dos benefícios fiscais para autores. O deputado do CDS/PP acha presente na Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura, diz que o Estado não pode abdicar dessa contribuição fiduciária, e não me parece mal, tal como havia dito o deputado do PSD («O Governo tomou esta posição devido ao estado em que o país se encontra e não por menosprezo das comunidades cultural e intelectual»); mas o seu argumento («o benefício fiscal não é a única maneira de incentivar os criadores») é que me parece muito perigoso. Justamente porque isso leva água no bico, ou seja, abre a porta a subsídios e «outros apoios» (sinecuras, avenças, pedinchice, cargos) do Estado. Se o autor (we, authors, exactamente, como dizia Johnson) vive do seu trabalho (como é o meu caso), não vejo razão para ser beneficiado com base em outros privilégios que não esses. Um autor não pode incluir nas suas despesas, para efeitos fiscais, nem computador, nem lápis ou papel, nem trabalhos de investigação. Como dizia um anterior director-geral dos impostos, há uns anos, «que é que vocês querem mais? lápis e papel são coisas baratas...» Ora, a responsabilidade social dos autores, que me perdoem, não pode ser usada pelo Estado em benefício próprio. Eu quero que o Estado se meta na sua vida, que já é trabalho suficiente.

A DEVASTAÇÃO HUMANA. O Nuno Guerreiro acompanhou as peripécias da recusa de ajuda israelita por parte das autoridades do Sri Lanka, e em especial o habitual arrazoado do al-Quds al-Arabi, de Londres.

Nota: O L'Osservatore Romano não perdeu a oportunidade, como também é normal, para a habitual sacanice. Cito do Rua da Judiaria:
«Numa completa inversão da verdade, o diário oficial do Vaticano, L'Osservatore Romano, criticou fortemente (!?!) Israel na sua edição de terça-feira (link para ficheiro .pdf), acusando o governo de Jerusalém de ter “recusado um pedido de ajuda humanitária efectuado pelo Sri Lanka” (ver também Catholic World News : L'Osservatore raps Israel for declining disaster relief). O jornal católico corrigiria o erro, mas sem nunca o admitir verdadeiramente, na sua edição de quarta-feira (ver L'Osservatore Romano 29-12-2004, formato .pdf).»

REVISTA DE BLOGS. No Brasil, rir de tudo: «A retórica pão-pão queijo-queijo da guerra contra o terror não vai pegar tão cedo por estas bandas. Pode explodir uma bomba na esquina que a gente faz piada. Duvidam? Vejam o que se lê num parachoque de caminhão hoje em dia:
Aqui é como o World Trade Center. Só entra avião.
Não dá. Aqui, Bin Laden cai no samba e Bush se lambuza no forrobodó.» No Alto Volta

É A VIDA. «We, authors.» (Samuel Johnson)

EMPRÉSTIMO DE LIVROS NAS BIBLIOTECAS. DIREITOS DE AUTOR, 3. Não concordando com os termos usados pela Associação dos Bibliotecários (ver notícia no JN), que fala de consequências «catastróficas», a posição adoptada pelo IPLB parece-me ponderada, ao «solicitar uma moratória da decisão até 2012», data a partir da qual o Estado terá de pagar essa conta de direitos de autor -- e não os utilizadores das bibliotecas. Outra questão é saber quem cobra os direitos de autor dos livros a adquirir pelo IPLB depois de 2012.

EMPRÉSTIMO DE LIVROS NAS BIBLIOTECAS. DIREITOS DE AUTOR, 2. O J.V.N. coloca as coisas com muita clareza (ver as suas conclusões ao post sobre o assunto):
«Ou seja, o problema colocado pela União Europeia não tem solução. A menos, claro, que o Estado assuma, sem oneração suplementar dos utentes, o pagamento dos direitos de comodato aos autores. O problema que se colocará então será o de um braço-de-ferro entre as instituições, que tentarão acordar ao mínimo a indemnização (art. 2º do Decreto-Lei-"O proprietário do estabelecimento que coloca à disposição do público o original ou as cópias da obra é responsável pelo pagamento da remuneração, a qual, na falta de acordo, será fixada por via arbitral, nos termos da lei"), e os autores, que lutarão pela ampliação desta, mas submetidos ao triste dilema de que, quanto maior for o pagamento de direitos de autor, menor será a aquisição de novas obras. Ou seja, o desenlace será mais desfavorável então aos pequenos autores, que perderão nas vendas e não recuperarão em direitos de autor, pois as suas obras serão as menos requisitadas.»
Mas a questão tem um peso ideológico claro: ou se tratam os autores como «parte das biliotecas» ou se lhes concede receber os direitos sobre aquilo que, de facto, são: autores.

EMPRÉSTIMO DE LIVROS NAS BIBLIOTECAS. DIREITOS DE AUTOR. Sobre este assunto, ler o post de Jorge Vaz Nande no A Peste, onde tenta conciliar «a defesa do frágil direito do autor quanto à sua obra e, segundo, uma tendencial diminuição do custo do acesso à cultura. Enquanto autor, parece-me justo que receba uma compensação pelo empréstimo que da minha obra é feito; enquanto cidadão, parece-me que pagar para poder requisitar um livro numa biblioteca pública é uma absoluta contradição da própria razão de ser desta.»
Parece-me que se trata de um debate ideológico importante.

dezembro 30, 2004

DE FACTO. De facto, aí está uma boa pergunta. Portugal foi, no biénio que felizmente acaba, o país onde mais vi representantes do poder (dos vários poderes, do Estado às corporações) mencionarem o seu «direito à indignação». Mas este caso, o da candidatura de Luís Filipe Menezes, que L.R. trata no Blasfémias, não tem provocado indignações: se Luís Filipe Menezes é candidato por Braga e já disse que não sai da Câmara de Vila Nova de Gaia, não dará o caso de os eleitores do círculo de Braga, votantes do PSD, se perguntarem para que serve o seu voto?

ÁSIA-PACÍFICO. O bom FBP, zelando pela sanidade geográfica do Aviz (Aliquando bonus dormitat Homerus) acha estranho que eu me tivesse referido à tragédia asiática como tendo ocorrido na zona Ásia-Pacífico. Mil perdões. Fui induzido em erro por mim próprio. Mencionei Aceh, Sumatra, e os meus meridianos deslocaram-se. Obrigado, FBP.



APPLE/MAC. O Miguel Tomar Nogueira (Origem do Amor) chama a minha atenção para a página da Apple (não a portuguesa, evidentemente). Os links comerciais foram substituídos por links relacionados com a tragédia na Ásia -- organizações humanitárias como a American Red Cross International Response Fund, Direct Relief International International Assistance Fund, Médecins Sans Frontières International Tsunami Emergency Appeal, Oxfam Asian Earthquake & Tsunami Fund, Sarvodaya Relief Fund for Tsunami Tragedy, ou a Unicef South Asia Tsunami Relief Efforts.

dezembro 29, 2004



SOBRE A TRISTEZA DA DEVASTAÇÃO. Um artigo de Jay Michaelson sobre «Three Jewish Books on Sadness».

COM ATRASO. Estar fora da Pátria tem estes inconvenientes, mas com o atraso de dois dias recordo as câmaras da televisão a entrevistar turistas portugueses (certamente gente famosa), perguntando-lhes se iam anular as férias na Tailândia ou adiá-las para Março. Nessa altura, a contabilidade ia em 30 mil mortos. Perguntas de merda. Gente de merda.

P.S. - Não, eu não discuto a grandeza ou a existência de D-us por causa da tragédia asiática. Não desvalorizo os seus sinais nem os considero uma ameaça. O que a tragédia me sugere é isto: nada. Nada a não ser a desolação e a morte e a necessidade de actuar rapidamente.

REVISTA DE BLOGS. Os textos de Ana Gomes no Causa Nossa sobre a tragédia na Ásia-Pacífico.

O RESSENTIMENTO EM 2004. O ressentimento tem voz. E não é uma imagem decente. «Soberba dá-se nos abruptos incontinentes, traidores por feitio e natureza, que sempre se venderam por uma sacola de 30 dinheiros. É o pecado dos sem-vergonha, sem pátria e sem coluna.» Vem assinado.

REVISTA DE BLOGS. A Aula de Alemão: «Seríamos talvez os únicos desalinhados, quem discutia a Carta ao Pai, de Kafka, Luiz Pacheco ou Nietzsche, e quem ouvia Velvet Underground, Sonic Youth ou Joy Division. Eu achava que ele era intelectual, e sabia-o perdido. Sempre achei isto das minhas almas gémeas, não sei se por ser naïf ou presumida. Um dia, estávamos perdidos de bêbados à uma da tarde e ele estava sentado no chão, e gritou: Gosto das tuas ancas. Tens ancas de mulher. Pode parecer mentira, mas éramos tão frágeis, tão tímidos, trocávamos roupa e bonés e muitas vezes andávamos de mãos dadas a fazer disparates pela escola, mas sem sentido das proporções, da mediania. Quis salvá-lo, ou perder-me com ele. Depende do ponto de vista. Assim, levei-o para a primeira carteira, na primeira fila. Falávamos menos, escrevíamo-nos muito mais. Um dia, na aula de alemão, passei longos minutos a observá-lo, e ele tão perto de mim, tão lá e tão fora. Não sei como, creio que disse o seu nome, ele olhou-me e eu preguei-lhe um beijo na boca à frente da Frau Fernandes.» No Diotima.

dezembro 28, 2004

A BARBÁRIE DAS COISAS NATURAIS. Uma coisa é determo-nos diante da barbárie de que o género humano é capaz. Outra é observar como a barbárie das coisas naturais nos deixa mudos. A indignação contra os elementos está fora de moda e fora de causa. Mas existe. A cada imagem que chega pela televisão, existe, sim.


SONTAG. O que eu mais gostava em Susan Sontag (1933-2004) era o facto de conseguir atrair leitores para a discussão. Excessiva, muitas vezes espalhafatosa. Eu não concordava com metade das opiniões que Sontag publicava e multiplicava, nem gostei de O Amante do Vulcão (Quetzal); preferia Na América, que desenhava um território e uma fronteira. Estive uma vez na mesma mesa, durante uma feira do livro: era impossível discordar daquela mulher que falava, falava, falava, e em que se descortinavam convicções muito brutais e também muito sinceras. Por isso não compreendi algumas das posições políticas que adoptou, mas compreendo a cosmogonia, ou seja, o conjunto de factores que a levou a ser como era, ainda que idênticos factores tivessem produzido seres e opções completamente diferentes. Enfim, era encantadora. Muitos, que a conheceram melhor, diziam que era uma chata e que tinha uma tentação disciplinadora a que não eram estranhas as suas raízes familiares, o não me custa a acreditar.

BIOGRAFIAS PARA O FIM DE ANO, 2. O Manolo Piriz, por email, corrige uma «informação incorreta sobre a construção de Brasília», que está no post logo aqui abaixo:
«Na realidade, é de Lúcio Costa o projeto do Plano Piloto da cidade. Ao Niemeyer coube a elaboração dos projetos arquitetônicos de grande parte dos principais edifícios, assim como: os palácios da Alvorada, da Justiça e do Planalto; da Catedral, do Teatro Nacional, da Universidade de Brasília e do Memorial JK.»

dezembro 26, 2004

BIOGRAFIAS PARA O FIM DE ANO. O Jorge Marmelo chamou a atenção para esta série de biografias de brasileiros ilustres; vêm no Pura Goiaba:
«Oscar Niemeyer, ilusionista, é um escultor que passou a vida fingindo, com sucesso, ser arquiteto. Acredita que a casa perfeita é totalmente inabitável pelo ser humano, coisa desprezível que só serve para macular a beleza dos seus desenhos (vale o mesmo para Brasília, cidade perfeita projetada por ele e imune a qualquer coisa que cheire vagamente a humanidade). Odeia a natureza e acha que mato só existe para ser desbastado e coberto de concreto. Ama bigodes gigantes e rampas, parafilias pouco estudadas pela ciência. Quando não está fazendo rabisquinhos, seu passatempo é assinar abaixo-assinados que não lê: apenas confere se Saramago e Chico Buarque também assinaram. É careca e chato. É também elo perdido com o período jurássico, prova de que vaso ruim não quebra e muso da marchinha "a pipa do Niemeyer não sobe mais".»

A FOLHA ERROU. A Folha de São Paulo deu em manchete, na passada quinta-feira, que ia ser um fim-de-semana cheio de chuva. A edição metropolitana arrancava, inclusive, com uma foto de Ipanema (ena!, a Folha!, com uma foto do Rio!) debaixo de chuva. Procurei várias vezes a secção «A Folha Errou» para ver se o jornal se retratava. Nada. Até agora, um sol de praia abrasador.

AS IMAGENS. Eu tinha um preconceito anti-indonésio; acho que quase todos os portugueses tinham. Venci-o quando estive lá. As imagens que nos chegam devolvem-me lugares que conheci na região e uma sensação de desgraça que não tem a ver com nada conhecido.

dezembro 24, 2004

REVISTA DE BLOGS. Semântica e Música: «A semântica da musicalidade é como o Natal: só se vê uma vez por ano e só se se for da religião correcta.» [...] «O meu sonho era vicentino, cognitivo e omnisciente.» No The Galarzas.



SOB CÉUS ESTRANHOS. (A NOITE, O QUE É?) Ficamos com pouco, depois de um ano inteiro: poeira, o coração sempre no fim da tarde, insectos, colibris, o sabor da cerveja, não ter endereço. O coração no fim da tarde é uma imagem que transporto todos os dias. A poeira também. E alguns nomes novos: vagalume, sonambulismo, domingo de praia, nadar a meio da noite, livros, café da manhã.

PACTO DE REGIME. A ideia de que tem de haver um pacto de regime soa a trapaça. Soa a armadilha. O pacto de regime serve para aprovar contas-fantasma, leis irrepreensíveis mas quase sempre inadequadas, relatórios que não relatam nada. Só é admissível um pacto de regime para matéria constitucional.

BIBLIOGRAFIA DE FINAL DE ANO. Dois livros acabados de ler: O Silêncio de um Homem Só, de Manuel Jorge Marmelo (edição Campo das Letras), e O Opositor, de Luis Fernando Verissimo (edição Objetiva). O M.J.M., já o disse várias vezes, é um narrador muito subestimado, injustamente subestimado; estes contos são muito bons e merecem encontrar leitores -- a sua língua ecoa por corredores de festa e de euforia, tanto como por horas de absoluta preciosidade, como se às vezes aparecesse um verso a quebrar a ideia de prosa. Mais uma vez, um bom livro do Jorge. Quanto a O Opositor, de Verissimo, tem a marca do delírio, o que não admira, um vez que apanha Manaus vista do céu; é pena os personagens aparecerem deslocados, como se fossem arrancados a outro lugar do mapa. Mas Verissimo tem um problema: quem delira com as suas crónicas, contos e textos curtos, dificilmente deixará de lembrar todo esse manancial, acrescido, ainda, do peso dos livros do outro Verissimo, o Erico, seu pai. É um peso injusto, mas fatal.

PS - Devo uma explicação pública sobre o blog do Manuel Jorge Marmelo. Só uma incrível distracção me levou a não o incluir na lista dos meus blogs do ano. Está já feita a rectificação.

CORRESPONDÊNCIA DA AMÉRICA LATINA. «A capital do Uruguai, Montevidéu, onde vive 40% da população do país, terá um monumento à diversidade sexual no seu bairro histórico, resolveu por unanimidade a Junta Departamental, órgão legislativo comunitário.» Notícia aqui.

UMA TEMPORADA NOS TRÓPICOS. Os meus filhos, rapazes, chegam hoje de Portugal. A irmã mais nova vai esperá-los ao aeroporto; pelo entusiasmo, acho que está convencida de que vêm eles mesmos aos comandos do avião.

CORRESPONDÊNCIA DO BRASIL. Resumo da história: uma semana antes da segunda volta das eleições municipais, o publicitário Duda Mendonça (conselheiro particular de Lula; responsável pela campanha, marketing e crê-se que ideologia do PT; responsável pela campanha de Marta Suplicy em São Paulo; proprietário da agência de publicidade que canaliza mais contratos vindos do governo, de Brasília ou de empresas estatais) foi preso num recinto de brigas de galos (rinha de galos, aqui), ilegais no Brasil. Telefonou a Lula e ao ministro da Justiça, mas ninguém pôde fazer nada – as lutas de galo são ilegais e ele estava lá. Marta Suplicy, entretanto, perdeu. O PT, pelo meio, não ficou bem visto. Um mês e meio depois, a notícia continua: dois dos polícias (Polícia Federal) que participaram na detenção de Duda Mendonça (e de mais um dirigente do PT, que também estava lá), foram afastados do Rio de Janeiro para um município do interior. Quanto ao responsável da delegacia que coordenou a actuação policial, foi agora demitido de funções sem explicação. «Permanece na delegacia», diz a Polícia Federal; mas foi demitido um mês e meio depois.

CORRESPONDÊNCIA DO BRASIL. Depois do falhanço do Fome Zero, o Brasil descobre que o grande problema é a obesidade dos cidadãos. Foi manchete em todos os jornais e o governo está preocupado. Desconfio que se trata do lobby das academias de ginástica, perdão, de malhação.

dezembro 23, 2004



MEMÓRIA, 2. Há uns anos, de Maputo, trouxe eu esta imagem, a do cemitério judeu.



MEMÓRIA. O Rui continua a publicar, no Companhia de Moçambique algumas imagens de João dos Santos Rufino, sobre a capital da antiga colónia. Esta é a fotografia da Sinagoga de Lourenço Marques.

«A Sinagóga», em João dos Santos Rufino, Álbuns Fotográficos e Descritivos da Colónia de Moçambique, vol. III («Lourenço Marques. Aspectos da cidade, vida comercial, praia da Polana, etc.»), Lourenço Marques, 1929.

OS SONHADORES E A POLÍTICA. Actualização do post «Sonhos», de anteontem, no texto do JN.

P.S. E uma rectificação: como acentuaram alguns leitores, os subscritores do texto do Público não era da FEUP mas da FEP. A FEUP é a Faculdade de Engenharia; a de economia é a FEP.

dezembro 22, 2004

BLOGS DO ANO. Não tenho. Os deste ano, salvo duas ou três excepções, já estavam na minha lista do ano passado. Gostamos de quem gostamos mesmo e de quem nos confronta, de quem nos acompanha e de quem nos abandona – ou porque lhes sentimos a falta ou porque não abdicamos da sua companhia. São estes os meus blogs preferidos (vão por ordem alfabética):

PORTUGAL
Os laços principais
A Causa foi Modificada
A Praia
Blasfémias
Contra-a-Corrente
Fora do Mundo (P.M.)
Homem a Dias
Rua da Judiaria
Voz do Deserto

A biblioteca de eleição
Abrupto
Amor-e-Ócio
Apenas um Pouco Tarde
Babugem
Blog dos Marretas
Blogame Mucho
Bomba Inteligente
Companhia de Moçambique
Desesperada Esperança
Grande Loja do Queijo Limiano
Klepsydra
Jaquinzinhos
Mar Salgado
Ma-Schamba
Memória Inventada
Periférica
Portugal dos Pequeninos
Rititi
Seta Despedida
Superflumina
Tradução Simultânea


BRASIL
Os laços principais
Alexandre Soares Silva
Blógico
Diário de Lisboa
FDR
Pura Goiaba
Radamanto
Saudade do presidente Figueiredo

As afinidades de eleição
A Mente.Capta
Drops da Fal
Hormoniosas
Fabulosa & Inútil
Letra Miúda
Megeras Magérrimas
Miss Veen
O Caderno Lilás
Paulinho Assunção
Perto do Coração Selvagem
Sub-Rosa
Vertigem

DIOGO MAINARDI. Como prometi oferecer o livro, percorri metade da cidade, de livraria em livraria. Em Salvador, o livro de Mainardi está esgotado. A senhora da Siciliano segredou-me, às escondidas: «Amanhã vêm mais oitenta, mas posso lhe guardar um.»

BIRMINGHAM, PARTE DOIS. O Fernando Albino, do No Quinto dos Impérios, chama a minha atenção para alguns desenvolvimentos sobre a matéria do post anterior. «A peça», diz F.A., «foi retirada mas parece que irá ser transferida para Londres. Para o Royal Court mais precisamente. A comunidade artística está, como é óbvio, bastante preocupada com este precedente perigosíssimo e hoje de manhã, no programa «Breakfast», da BBC, o director do Royal Court manifestou-se convicto de que a peça seria mesmo levada a cena por uma questão de princípio.»

MULTICULTURALISMO E LEI DA BLASFÉMIA. Aqui está um exemplo para reflectir. Membros da comunidade sikh de Birmingham (cerca de 400 pessoas) «tentaram invadir, sábado, o teatro durante a exibição da peça ["Behzti" ("Desonra")], causando danos materiais de milhares de euros e ferindo três polícias». O texto do jornal refere que «a comunidade sikh, dá grande importância à honra pública», o que explica que a autora do texto, Gurpreet Kaur Bhatti, de origem indiana, tenha recebido «ameaças de morte e de rapto e foi forçada a sair de casa». Um membro da comunidade declarou-se satisfeito por «termos exercido os nossos direitos democráticos ao protesto». O director do teatro de Birmingham diz que, «infelizmente, os líderes da comunidade [sikh] foram incapazes de nos garantir que não haveria uma repetição das acções ilegais e violentas que presenciámos. É-nos agora claro que não podemos garantir a segurança dos nossos espectadores. Portanto, com muita relutância, decidimos acabar com a exibição da peça por razões puramente de segurança.» É a blasfémia, é a blasfémia.

dezembro 20, 2004

REVISTA DE BLOGS. Cinema e propaganda: «Eu pagaria dez pau para qualquer filme brasileiro que tivesse Aldine Müller, mas não quero ser obrigado a financiar (enfie aqui qualquer atriz que não seja Aldine Müller), muito menos acharia importante esse filme. E me dizem que os franceses financiam seu cinema, que é aquela maravilha que conhecemos, apesar da dor nas costas. Mudem para França. O cinema só é importante para candidatos a Goebbels. As gentes que defendem a importância do cinema acreditam que guerras culturais podem ser vencidas. Não podem, todos perdem em guerras culturais, e no mínimo perdem tempo. Só pessoas muito inocentes ou muito condicionadas a não pensar podem achar que a propaganda é estratégica e que ela só pode ser combatida com mais propaganda. Ao mundo moderno, o merecido desprezo.» No Saudades do Presidente Figueiredo.

OBRIGADO. Caro McGuffin: só me resta agradecer a distinção. E esperar pelo próximo encontro no Fialho, naturalmente, até para discutir essa nota de rodapé (5) ao teu texto. Parece-me francamente discutível estar a sugerir vitualhas não provadas.

SONHOS. Retomando o comentário de João Miranda sobre o manifesto de uns jovens da FEUP. Não fiquei muito sensibilizado com o texto, mas parece-me desventura minha. A ideia de transportar os sonhadores para a política, que pode ser generosa, acaba por provocar depressões e abandonos prematuros da actividade. Para a política seria desejável ter gente dedicada e competente, capaz de tomar decisões que, pelo menos, não prejudiquem os cidadãos. A ideia de que os sonhadores vêm do nada puro, destinados a grandes coisas, saídos da faculdade e prontos a meter os grunhos na ordem, parece-me delicada. A quantidade de sonhadores que causou catástrofes enche várias páginas. Mas enfim, talvez seja uma questão linguística, não sei.

LEITORES DE BLOGS. Os jornalistas do Público lêem blogs. Depois do Substrato, o bom Arqueoblogo, também plagiado, descobriu essa verdade elementar.

OBRIGADO. Ó Alberto, homem! Há dias bons.

LIBERDADE RELIGIOSA, 2. Sobre o post de ontem, escreve Carlos Pereira da Cruz, por mail: «Creio que o proselitismo religioso (cristão, muçulmano...) está fortemente controlado por leis do estado turco, com as leis da UE talvez isso tenha que desaparecer... ou não, porque penso que ainda subsistem anacronismos (?) legais em países como a Grécia, em que o BI identifica a religião do portador e em que só cristãos ortodoxos podem ser funcionários públicos.»

A ÚLTIMA FLOR DO LÁCIO. O Rui Ângelo Araújo publicou no blog da Periférica um texto intitulado «O futuro da Língua Portuguesa». É um bom texto, cheio de sensatez (coisa que tem faltado) e de pistas para o debate.

dezembro 19, 2004

EXACTAMENTE. Sem moralismos políticos, António Barreto faz algumas perguntas que os eleitores deviam fazer. Já não me interessam ideias gerais; gostava de saber coisas concretas. «Já é tempo de compreenderem que a sociedade mudou e que o voto tribal é cada vez menos importante.»

ISTO SIM, É UMA NOVIDADE. Já houve coisas piores, eu sei. Mas se isto é verdade, não vejo razões para não estarmos autorizados a rir da Pátria, a bem-amada. Via Grande Loja.

PAPAI NOEL... Esta notícia é estranha. Lida a imprensa de referência, no entanto, só falam do que não interessa. Disto, nem uma linha. Nem uma referência, sequer no órgão oficial do Benfica. Falta de respeito pelo interesse público.

FASHION MALL. Soube, pela Vogue americana, que finalmente será banida umas das piores criações contemporâneas: os sapatos pontiagudos. Como se diria no Brasil, são definitivamente sinal de cafonice. Mais: os saltos altos estão definitivamente out. Também são um bocadinho cafonas, sim. E então com aquele terminal pontiagudo...

LIBERDADE RELIGIOSA. Muita gente vai achar estranho, mas «Turkey's imams predict more freedom of worship – thanks to the EU». Mais:
«Mullahs have no chance to write and deliver impassioned speeches to the faithful at Friday prayers because the Chief Mufti of Istanbul faxes out the sermon, which must be delivered in identical form across the country. Yet this tight grip on religion jars with Western, and EU, concepts of religious freedom. As a result, Turkey's Islamists believe that membership will allow them greater freedom to worship as they like. "In Turkey there are higher powers that answer to Jewish and American controllers which do not allow the government to grant us these freedoms. We have been controlled for far too long."»
A reportagem vem no Telegraph, onde podemos escutar o imã Muzzaffer Gecgel:
«Turkish people in my position want to be in Europe because it will mean greater liberty for us.»
Esta ideia de «greater liberty for us» tem que se lhe diga. Quanto aos «impassioned speeches to the faithful at Friday», idem.

MEMÓRIA DE MOÇAMBIQUE. O Rui, do Companhia de Moçambique, tem vindo a publicar algumas das melhores imagens de José dos Santos Rufino, «comerciante estabelecido na papelaria e livraria A Portuguêsa, na Rua Consiglieri Pedroso da baixa de Lourenço Marques» que «foi o editor do mais extensivo levantamento fotográfico realizado na colónia até aos anos quarenta». Recomendo muito uma visita para ver essas imagens (em 1929 Rufino publicou, em 10 volumes, os Álbuns Fotográficos e Descritivos da Colónia de Moçambique).

dezembro 18, 2004

HIPHOPCONDRIA. Pois é, caro Paulo. Ainda um dia destes falávamos sobre o que é e o que não é política, a propósito do que é a esfera privada da vida dos políticos -- e, inclusivamente, sobre o que, da esfera privada, resulta ter uma dimensão política. E, tendo uma dimensão política, tem sempre, necessariamente, uma dimensão pública. Ora, o que me parece que te irritou nessa história publicada pelo Expresso foi, antes de mais, o facto de ter sido publicada pelo Expresso. Soa a vendetta. Acho que sim, é bem provável -- mas é bom que aprendam que até os canais de fuga de informação do gabinete do primeiro-ministro têm de ser credíveis ou não tão falseáveis. Mas essa história, que a Grande Loja publicara, que corria por todos os bares da capital e que provocava alguma risota (justificada, diga-se de passagem), é inequivocamente uma história política. Não só por complicar a vida do trânsito em NY ou em S. Bento -- mas também porque prova que não basta ser primeiro-ministro, é necessário parecê-lo. O poder tem um preço; é, provavelmente, uma lei aborrecida e disparatada para certas almas. Mas o facto é que tem um preço: o da privacidade, o da imagem pública, o da vida afectiva que aparece nas revistas (se o visado foi palerma ao ponto de a expor nas revistas), o das preferências futebolísticas ou o da hipocondria, por exemplo. Entre outros. Quem não quer ser ridicularizado não pode, de facto, fazer figuras ridículas.
Eu defendo o direito dos políticos à vida privada, mas não acho decente tentar privatizar a sua vida pública, ou seja, tentar diluir na esfera do privado aquilo que é exposto em público. O episódio da ambulância é apenas um. Vir falar de facadas nas costas e de direito ao sossego parece-me, depois destas histórias, um exagero.

MÁ ONDA. Esta história, sobre plágio jornalístico, é má onda. Sobretudo se a autora do plágio escreveu, depois de se ter esquecido de citar o blog Substrato, que "o jornal Público não é um veículo publicitário de blogs".

REVISTA DE BLOGS, 2. Questões literárias: «Gosto mais de reler Eça que de reler Camilo mas acho que emprestava mais depressa o meu carro a Camilo.» No Blogame Mucho.

MULHERES. A Rititi e a Controversa Maresia. Upa, upa. E mai’ nada. Eu gosto.

ARQUITECTURA. O A Barriga de um Arquitecto faz um ano. É um blog com muito bom gosto e com fontes muito úteis. Parabéns.

REVISTA DE BLOGS, 1: Papai Noel: «No Shopping do bairro judaico tem renas, neve, trono, o Papi Noel e uma insólita princesa com vestido cor de rosa ao lado dele, acho que para quebrar um pouco a cristandade fora de lugar. Eu, toda encantada: - olha a princesa, que linda, oiiiii. O Papi Noel moreno, bondoso que só, olhando pra minha amiga: oooiii, linda. Numa festa de aniversário infantil, decorado com motivos natalinos, o Papi Noel de uns 25 anos para a minha amiga, dona da festa, mãe do pimpolho: se precisar de ajuda é só me chamar. E no Megasupermercado, o Papi Noel de zóio verde olhou pra ruiva sem pestanejar as pestanas e sem mexer um fio da barba longa: já fez seu pedido?» No Hormoniosas.

COMO FAZER UMA NOTÍCIA. O P.M.F., do Blasfémias, comenta esta notícia da TSF. Bom, isso explica-se. O jornalista aproxima-se de, imaginemos, Marisa Cruz, e pergunta-lhe: «Admite jogar a ponta-de-lança do Boavista?» A D. Marisa Cruz responde: «Não afasto hipótese nenhuma nem admito nada, mas o João Pinto vai marcar, isso garanto.» O título da notícia seria, possivelmente, «Marisa Cruz não afasta hipótese de jogar com João Pinto contra o Penafiel.» Outra ideia é esta: o jornalista aproxima-se de, imaginemos, um director do Benfica e pergunta-lhe: «Acha que a actuação do árbitro foi irregular, reveladora do mau estado da arbitragem em Portugal e de que é preciso avançar com as investigações do Apito Dourado?» Resposta: «Sim.» O título poderia ser «Direcção do Benfica acha que foi vítima do Apito Dourado». As hipóteses são muitas, mas só se espera que a sandice não cresça.

dezembro 17, 2004

UMA PEQUENA QUESTÃO. Para os que pensam sobre a adesão turca à UE:
«Advocates of the European Union as a fully fledged superpower predicted yesterday that the addition of Turkey's military might would make it a true global player. Ankara's forces are greater than those of France and Britain combined, with 514,000 men under arms and 380,000 in reserve, plus a robust air force with American fighters. A Nato official described the forces as "very experienced and well-trained", hardened by years of battles against Kurdish guerrillas.»
Ler mais aqui.

SAMBINHA. Caro Ivan: sei que estás à espera da Ópera do Malandro em Lisboa, mas olha que em São Paulo vão actuar juntos Zeca Pagodinho e Paulinho da Viola, o malandro a sério e o cavalheiro sorridente. Ainda estás a tempo de reconsiderares. E tem mais: o acompanhamento dos dois será da Velha Guarda. Por curiosidade, Paulinho vai cantar «Argumento» e «Coração Leviano»; Zeca vai começar com «Deixa a Vida me Levar» e «Verdade»; está prometido que vão cantar juntos «Recado» e «No Pagode do Vavá», mas a surpresa maior está reservada para o final -- quando cantarem «Nervos de Aço», de Lupicínio Rodrigues. Pensa bem.

ESTAS COISAS. Obrigado, LMR.


AGENDA. Mário Cláudio, Prémio Pessoa 2004. Amanhã no Livro Aberto, RTP-N, às 23.00horas. Repete no domingo à 01.00h. RTP-1 também emite a entrevista.

EU, COMOVIDO A OESTE. Obrigado, bom Ricardo, pelo prémio do Babugem.
P.S. - Mas isso não é desculpa para não teres aparecido no grande almoço da convenção liberal em Évora. Tão liberal, já agora, que este senhor transportava um exemplar da última edição da Socialist Review (ah, o que eu esperei por um pretexto para poder dizer isto...).

O MUNDO É MUITO TARDE. O F.N.V., do Mar Salgado, publicou ontem um texto que nos devia fazer pensar em qualquer coisa. «Despede-te (chora) do dia que passou, não esperes nada do dia de amanhã (se quiserem o original em latim vão a Horácio, Odes, I, II, 8)». Li o texto hoje de manhã e senti o arrepio que se sente quando o mundo todo aparece tarde demais. Depois, vi que o Rui Baptista teve a mesma reacção. Aprende-se tarde demais. Não temos o tempo a nosso favor, ao contrário do que diz aquela canção antiga dos Rolling Stones. É verdade, Filipe, nascemos dentro da jaula.

JOSÉ GIL. O livro de José Gil, Portugal, Hoje. O Medo de Existir (edição Relógio d'Água) é uma soma de diagnósticos, um retrato dos traumas, dos medos, das oportunidades perdidas, das desistências. A experiência de Portugal pode ser uma sensação deprimente, tendo em conta a actualidade do livro e o facto de escrever, já, sobre o consulado de Santana Lopes. Admito que seja necessário pensar desta maneira para se poder sobreviver.

ISTO SIM. Meu bom amigo: fiquei, como toda a gente, deliciado com o estudo sobre a frequência lexical nos blogs. Inequivocamente, nunca mencionamos o que é importante, essa é que é essa.

PRONTO. Moacyr Scliar acha que os portugueses são os responsáveis pela chegada da melancolia aos trópicos. Passei a noite a ver «E.R.» («Serviço de Urgência» em Portugal); depois um episódio longínquo de «The West Wing», de que amanhã vou assistir ao primeiro episódio da nova temporada»; um debate interminável sobre a última jornada no campeonato brasileiro sem perceber se o Santos vai ser campeão ou se pode ser ultrapassado pelo Atlético (mas descobri que o Flamengo não desce, o que abalou um pouco a minha fé na justiça divina); o zapping levou-me ao «CSI Miami» e a uma estranha discussão acerca da separação de Caetano e Paula Lavigne (o que reacendeu em mim a fé na interminável justiça divina, não sei explicar porquê). Terminei a ler o livro de José Gil sobre o infeliz destino português dos últimos anos. Ó Moacyr, sinceramente. Não acho que tenhas razão, coisa nenhuma.

dezembro 16, 2004

CORRESPONDÊNCIA DO BRASIL, 2. Cineastas, actores, jornalistas, autores & pessoal afim, criticam a criação da Ancinav, Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual, uma espécie de central de controle da programação televisiva, dos roteiros/guiões de cinema, etc. Arnaldo Jabor, ex-lulista: «A Ancinav saiu da cabeça de alguns intelectuais que deviam estar plantando milho e comendo capim. Como eles não conseguiram ter um programa político para o País, resolveram fiscalizar a cultura, o cinema, os artistas e a televisão.» Roberto Damatta, o sociólogo: «Esse decreto vai contra tudo, quer regular o que não se regula, a criatividade. É quase surrealista ter um ministro que já foi censurado e agora quer acabar com a liberdade de expressão.»
Por outro lado, o projecto para a criação do CFJ (Conselho Federal de Jornalismo), um instituto pensado com o objectivo de «controlar e disciplinar a actividade jornalística», foi rejeitado na Câmara de Deputados. O líder do PT na Câmara, Arlindo Chinaglia, promete voltar à carga para o ano.
Duas boas notícias juntas.

P.S. - Alguns leitores do Aviz protestaram por ter chamado medíocre à Isto É, que escolheu o ministro José Dirceu como a figura do ano. Bom. Eu acrescento: duas vezes medíocre. Para «figura da comunicação social» a revista escolheu Luis Gushiken, encarregado da propaganda do Planalto -- no seu currículo está a cumplicidade na alteração ao texto de uma entrevista de Gilberto Gil no site da presidência, de modo a torná-la mais ortodoxa e favorável a instrumentos de censura; está também o entusiasmo colocado na expulsão do correspondente do The New York Times, Larry Rhoter. Como figura do ano, a Isto É Gente escolheu Marta Suplicy. Portanto, duas vezes medíocre talvez seja pouco, sim.

CORRESPONDÊNCIA DO BRASIL, 1. Os sindicatos foram autorizados por Lula a anunciar o aumento do salário mínimo para 300 reais, o que corresponde a um aumento de cerca de 9,5%. Para cumprir a promessa eleitoral, o governo teria de esticar até aos 62,5%.

LIVROS DO BRASIL. O Gávea voltou à actividade.

VAMOS ENTRAR EM CAMPANHA ELEITORAL. Por isso, aqui fica o conselho do Contos Licenciosos um blog brasileiro que, infelizmente, não é actualizado há um tempo:
Em épocas eleitorais sinto saudade do tempo em que "apelar para a ignorância" significava abandonar a discussão verbal e partir para as vias de fato. Hoje em dia a porrada é uma atitude muito mais inteligente do que o debate. Os ignorantes ganharam voz e cátedra, são muitos e não se cansam; "te pego na saída" é quase sempre a resposta mais sensata.

PERDIZES, CODORNIZES & TARAMBOLAS. Abriu a caça aos atiradores furtivos. Eu acho bem, caramba.

dezembro 15, 2004

REVISTA DE BLOGS, 6. Problemas com a literatura: «Junior, dotado de um ou nenhum charme [...] mandou constantes bilhetinhos e flertes e emails para a Literatura, a moça mais alta da pequena cidade, não sendo, é claro, correspondido, da forma mais cruel e sem coração das coisas que não acontecem à humanidade, nem mesmo a Junior. [...] Junior não só obrigou Literatura a se casar com ele - drogada, em Las Vegas, com Gordo Elvis - como deixou ela por anos e anos dormindo no quartinho de empregada e a traindo inúmeras e confessas vezes. Junior, entre os amigos, ainda diria o quanto era apaixonado por Literatura, que era o motivo de sua vida, mas vez ou outra saía com garotas, muito especiais, com fome de tudo, fome de música, de sol, de brisa, de alegria, de amor, de vida e, vez ou outra, de empadinhas, e Junior abandonaria prontamente a Literatura para requentar croquetes e risoles e coxinhas para suas amadas famintas.» Ieda Marcondes, no Fabulosa e Inútil.

DIOGO MAINARDI. Entrevista de Diogo Mainardi. Sim, eu gosto de Diogo Mainardi.

REVISTA DE BLOGS, 5. É a vida: «Se eu contar a oficina de redação que dei agora cedo, ninguém vai acreditar. Coisa de filme. Sabe aqueles filmes dos anos 70, as criancinhas meio bocós superando limites? Era isso, mas sem a parte da superação de limites. São os futuros médicos desse país, uns galalaus lindos de 17 anos, bronzeados, sarados, dirigindo caminhonetes maiores que minha cozinha (muito maiores) e eu juro por deus, eles não conseguem juntar duas frases que façam sentido. Ai caceta.» No Drops da Fal.

REVISTA DE BLOGS, 4. Mistérios do roque brasileiro, ou uma pequena homenagem à inocência perdida dos Kid Abelha (& os Abóboras Selvagens): «Tira essa bermuda, que eu quero você sério. Salvo engano meu, foi Rubem Braga que, ao ouvir essa música, perguntou como é que um sujeito sem bermuda podia parecer sério. Faz sentido. Nos anos 80, o conceito de seriedade transmitido pelo roque nacional era tão elástico que abrangia homens pelados da cintura para baixo -provavelmente de blusinha de marinheiro, à Pato Donald, ou camisa do Olaria- e o lirifmo tranfgreffivo daf letraf do Cafufa (é!). Ou seja, correspondia exatamente à cara do país. Ou, ou, ou, ou, nada mudou. (Pelo menos as letras permitiam variações interessantes do tipo "tira essa bermuda e faz cara de guitarra", como cantávamos no colégio. A time of innocence, a time of confidences. Long ago it must be.)» No Pura Goiaba.

REVISTA DE BLOGS, 3. Brinquedo novo: «Você decide que já é hora de ter um vibrador. Transpassada a emblemática barreira dos trinta anos, você já pode encarar com naturalidade essa vontade que lhe assalta há tempos. Afinal, é adulta, vacinada, independente e ninguém vai fuçar nas suas gavetas. Se você ainda não tem trinta e ainda assim resolveu satisfazer esse impulso, parabéns, você é inteligente, sabida e precoce para assuntos de vibrador. Se você está sem namorado, a hora é essa, já que não precisa se preocupar com o que o dito iria achar e, afinal, é a fase ideal para se divertir sozinha, já que tá difícil de se divertir acompanhada, né amiga? Se você está com namorado, mas ele é meio conservador, a hora também é essa porque namorado conservador ninguém merece e você deve estar precisando se divertir mais. Se você finalmente está com um namorado resolvido e depravado o suficiente para não só apoiar a compra, mas ter idéias ótimas para novas brincadeiras, a hora definitivamente é essa.» No Megeras Magérrimas.

REVISTA DE BLOGS, 2. Portugal no Brasil: «Pelo menos em Satolep onde a colonia portuguesa é grande, faz parte da tradição comer bacalhau. Eu como adoro esse bichinho fedorento e esturricado, aproveito a desculpa sempre. Certa vez fui visitar amigos no Paraná e eles encomendaram um bacalhau num restaurante de Maringá chamado Casa Portuguesa (alou pessoal de Maringá, vão lá ver se eu tô mentindo!). Eu comi meia tonelada e dei graças a deus por conhecer gente que me amasse tanto e conhecesse tão bons restaurantes. Meses mais tarde, fui acometida por uma vontade incontida de comer novamente aquele bacalhau. Quem diz que eu acho? Aquele bacalhau com natas, batata, cebola, aquela coisa cremosa e suave, com aquele gostinho... ah,sim, sim, sim, eu precisava desesperadamente de comer aquele bacalhau. Resolvi tentar fazer por conta própria, assim, a esmo, e ver se Nossa Senhora de Fátima me ajudava. E ajudou. Depois fiz a receita para D. Maria (portuguesa legítima, vizinha da Vó Nininha, que faz o melhor caldo verde do mundo) e ela disse que estava "perfeito, ó pá!"» No Megeras Magérrimas.

REVISTA DE BLOGS. Blogs e livros, 1: «Uma vez uma página de blog andava por uma floresta quando topou com uma página de livro. As duas se estranharam no começo, mas logo pintou um clima e a primeira perguntou: «- Quem é você?» E a outra: «- Eu sou você, amanhã.» Nota: esta parábola teve o patrocínio da vodka Orloff. E se você não se lembra do slogan não é porque não tem idade para isso - é porque bebeu demais.» Blogs e livros, 1: «Depois de atravessar oceanos e montanhas, de enfrentar tigres e tempestades, de passar, durante meses, sede, fome, frio e calor, o jornalista chegou finalmente à cabana do homem mais sábio do mundo.«- Mestre! Suplico que me ajude!» «-Pergunte qualquer coisa, e obterá a resposta.» O jornalista ajoelhou-se, perguntando com voz trêmula: «- Blog é literatura?» «- Ora, vá pra puta que pariu.» No Blog de Papel.


RUBEM. E É BEM FEITO. São 64 contos. Sessenta e quatro. E de Rubem Fonseca – escolhidos por ele próprio a partir dos seus livros. Acaba de sair. E é bem feito para todos nós ser ele o melhor contista de língua portuguesa.

dezembro 14, 2004

REVISTA DE BLOGUES: «A coligação e o desejo: Interessante dinâmica evolutiva nos conservadores valores da direita. Primeiro o sexo e depois, talvez, o casamento.»
«Fome de bola:
Esta noite, em Madrid, Figo, Ronaldo, Zidane e outras estrelas jogam contra a pobreza. Não se sabe quem alinhará pelo lado da pobreza, mas espera-se que se bata com galhardia.» No A Loira Não Gosta de Mim.

O MUNDO OCIDENTAL. BREVE PASSEIO SOBRE O DESCRÉDITO. O Superflumina dá conta de algumas parvoíces «politicamente correctas» mais recentes (uma equipa de hóquei que é excluída porque é superior às outras, a substituição australiana de «Happy Christmas» por «Happy Holidays», etc). A amostra é suficiente; aguardem, aguardem.



DIÁRIO DE FLORIPA. O que fazem uma paulista e um português em Florianópolis? O que quiserem. A Maura Paoletti e o Jorge (que enfrentam os dissabores da burocracia luso-basileira, e que muito podem contar sobre ela) casaram naquela doçura da ilha de Santa Catarina. Agora e sempre -- foi há quase um mês, de resto. As boas notícias devem guardar-se durante um tempo, para que o mundo não se surpreenda. Mas o Diário de Lisboa ainda não é o Diário de Floripa.

MA-SCHAMBA. O José Flávio consegue aquilo que era inimaginável: manter um blog português assente em Moçambique. Invejo-o bastante e já falámos nisso, precisamente no Maputo. O Ma-Schamba já cumpriu um ano de vida; não é uma proeza, para quem conhece o José Flávio. Ele prova que, às vezes, só se pode mesmo ser assim fora de Portugal. Acrescentaria muito mais: que conhece Moçambique como poucos e que o facto de estar longe da ditosa Pátria (que também já representou com muito proveito para todos nós) lhe favorece as fúrias e lhe permite uma certa tranquilidade. Desalinhado como é, como foi e como, provavelmente, será, o Ma-Schamba já entrou nas nossas leituras, faz parte do nosso mapa.

E HÁ MAIS. Não percebo como a Lei da Blasfémia pode proibir a repetição de imagens como as que se viram em Londres por altura da fatwa, onde, ao lado do Speaker's Corner, havia ilustres membros de comunidades religiosas a queimar livros. Não há imagem mais absurda: estar ao lado do Speaker's Corner a queimar livros. E haver uma polícia para defender a liberdade dos cavalheiros que queimam livros à luz do dia, em Londres.

BLASFÉMIA. Vital Moreira comenta no Causa Nossa a questão da lei da blasfémia. Repito o que escrevi há cerca de duas semanas sobre o assunto:
«A ideia de uma lei anti-blasfémia, proposta pelo ministro holandês da justiça, Piet Hein Donner, é apenas mais um começo e mais um (péssimo) sinal. Imaginemos uma lei dessa natureza e uma comissão estatal encarregada de avaliar as «blasfémias». Ou, pior, uma comissão inter-religiosa. Ou, ainda pior, uma comissão religiosa. Havia de ser bonito, havia.»
Vital Moreira coloca o problema a partir de um outro ângulo: os direitos dos não-crentes. A ideia é justíssima, e compreende-se bem o ponto de vista de VM, mas acho que seria bom que a discussão não chegasse a esse ponto. Pobres dos europeus se se põem a discutir a ideia de blasfémia, como se não tivesse chegado tudo o que aconteceu antes do século XIX. Bastaria, claro, aquilo que é mais raro nestes momentos, o bom senso que parece estar a faltar tanto na Holanda, como na Inglaterra e na Alemanha (que ponderou, e não sei se mantém a proposta, de um «feriado islâmico» para «compensar» os «feriados cristãos»). A ideia, toda a gente percebe, é a de tentar acalmar o monstro com a estratégia habitual: não enfureçamos o monstro para que o monstro não nos ataque ou incomode. A Europa abdicaria, assim, da ideia de liberdade de expressão em nome de uma covardia -- nomeadamente a covardia do Estado que se mostra incapaz de defender a liberdade dos cidadãos. O primeiro e mais desagradável erro vem da própria designação por que está a ser conhecida a tentativa de legislar sobre isso: «Lei da blasfémia». Esse anacronismo civilizacional dá bem ideia da rendição de que a Europa é capaz, não em nome do pluralismo mas da efectiva perseguição à liberdade de expressão.

P.S. - A propósito dos Versículos Satânicos, que VM também cita sobre a matéria, seria bom reler o que se escreveu na imprensa europeia na altura em que o ayatollah iraniano decretou a fatwa. Já aqui citei a opinião de John Le Carré. Na verdade, a fatwa de Khomeiny só passou a ser realmente insuportável a partir do momento em que os europeus acharam que ela era discutível como matéria intelectual. Ou seja, que podia não ser considerada do domínio do absurdo. Ela foi um sinal evidente. Ansbury Park veio logo a seguir.

FUSOS. Caríssimo Marujo: neste momento, o Brasil tem três fusos horários. O que para a digníssima e minha diária Folha são oito da manhã, são para mim apenas (ou ainda) sete. Desraçados que estão no Acre, por exemplo, encostados à Serra de Contamana, que têm uma hora a mais para saber o resultado dos jogos...
P.S. - Ah, cacheados...

dezembro 13, 2004

FICAR TUDO NA MESMA. Caro Manuel: o problema, que fique bem claro, não é o receio pela investigação; é, como sabe, o zunzum que se seguirá quando se perceber que algumas das acusações podem não ter pernas para os cem metros obstáculos. Isso, sim, eu temo. Imaginemos que um telefonema, um simples telefonema, do sr. x para o sr. y (tudo gente obscura, naturalmente...), se dilui numa conversa sobre banalidades...

REVISTA DE BLOGUES: «A futebolização da vida política é um facto. Sampaio, há cinco meses, era um "presidente sério e ponderado", agora é um "banana excitado". Lendo alguns blogues, em revista por aí, é o que se conclui. A futebolização exprime-se não na crítica, mas nas desconsiderações de carácter pessoal bem como no processo de intenções ( quem não se lembra de um certo presidente de clube que até sabia o que o fiscal de linha X comia ao pequeno almoço e que daí deduzia um sem número de corolários?). Ou seja, se me favoreces ou aos meus, portaste-te bem; se não, és um vendido, ou na melhor das hipóteses, um chalupa. Confesso que esta infecção me preocupa.» FNV, no Mar Salgado.

DEVE DE. UM ESCLARECIMENTO. O excelente Abel Barros Baptista esclarece as dúvidas sobre a expressão «deve de», usada ultimamente por um detentor de cargo público demissionário:
«O "deve de" carece de contexto para ser condenado. "Às súplicas e às mágoas/ Tua alma de mulher deve de palpitar." (Machado de Assis, Poesias Completas) Explica o Aurélio: «Seguido da preposição 'de' e de um verbo no infinitivo, indica probabilidade, suposição.» E o Pessoa, na «Defesa e Ilustração da Língua Portuguesa», esclarece que o verbo «dever» tem dois sentidos, o de obrigação e o de probabilidade. Curiosamente, o exemplo que oferece é rigorosamente oposto ao sentido do Aurélio (A Língua Portuguesa, Assírio & Alvim, pp. 61-62). Mas aconselha a supressão da preposição em caso de dúvida.»
Aí está como se deve ter cuidado com a língua. Obrigado, Abel.



SABRINA SATO (TRABALHOS DO CORRESPONDENTE NO BRASIL). A edição deste mês (oh, arcanjos do pudor!) da Playboy brasileira é mais oriental, muito nissei, e não faz esquecer Luiza Thomé, como se sabe. Sabrina Sato pode encher de despeito e furor as ruas do Bairro Liberdade, em São Paulo (ah, sim, ao contrário de Mel Lisboa, que frequentava os sebos -- alfarrabistas -- do Flamengo), mas a heroína do «Pânico na TV» não deixa de ter os seus admiradores. Tutty Vasquez bem pode repetir o que dizia de Juliana Paes: é curta de tronco. Dapieve bem prega que ela é repeteca e que isso lhe provoca uma afasia erótica: «A alourada Sabrina, portanto, é o próprio imaginário japa.» Desventuras de uma japonesa nos trópicos.

SE A ASTRÓLOGA SABE... A astróloga amiga de São Bento deve ter previsto tudo.

CONTRA A CORRENTE. Olhá lá, ó Carlos: que tenhas mudado o template não acho mal (podes incluir o meu voto nos sins, a propósito, mas está a custar a habituar-me), mas, sinceramente, não precisavas de ser tão simpático.

dezembro 12, 2004

AS ESCOLHAS DO ANO. Só passaria pela cabeça da medíocre Isto É: José Dirceu é considerado o brasileiro do ano na capa da revista.

VIRGENS MARIAS. Leio em alguns blogs notas de espanto moral e político sobre a demissão do governo; parecem-me desnecessários e muito atribulados na sua argumentação. Poucos a tinham previsto, naturalmente, mas não é uma decisão despropositada. Até acho que não é de levar a mal.



O CANTINHO DO HOOLIGAN. Ao intervalo, a ESPN Brasil fez o favor de passar um resumo do FC Porto-Chelsea, o que soube bem, mas os comentadores do SportTV2, que transmitiu o Once Caldas-FC Porto, foram excelentes: parciais e entusiásticos, defenderam o seu time. Que era o FC Porto, naturalmente. Mesmo de madrugada -- aqui eram sete da manhã. Depois, quando Pedro Emanuel rematou, foi uma espécie de alívio. Eu sei que não é justo, mas nada me deu mais prazer, naquele instante, do que o ar martirizado do guarda-redes colombiano. São coisas do futebol. Sei que não é uma novidade no nosso currículo, mas, enfim: somos, de novo, campeões do mundo. Deixem-me escrever outra vez: campeões do mundo.

ADENDA.
Vendo os títulos da imprensa portuguesa online, reparo no provincianismo de sinal contrário, que contrasta com a brasileira, a inglesa, a italiana e até, oh! pasme-se, a francesa: em quase todo o lugar, o FC Porto é anunciado como o campeão do mundo, excepto na pobrezinha representação portuguesa. Ah, se fosse outro clube qualquer...

dezembro 11, 2004

O CANTINHO DO HOOLIGAN (MUITO RAPIDAMENTE). Sim, o país rejubila com a inclusão de Pinto da Costa no rol dos arguidos do Apito Dourado. Nada contra. Mas há uma coisa que me inquieta e, suponho eu, com alguma razão: dada a natureza das acusações (das que já são conhecidas e circulam na roda-vivas da imprensa), temo bastante que a coisa vá parecer ridícula daqui a uns meses. E que tudo fique na mesma.

SAMPAIO. [Actualizado] Eu sabia que seria assim. À hora a que eu atravessava o Atlântico, Sampaio falou -- só li o discurso agora. Que pena. Imagino a figura de um homem que tem dificuldade em justificar a sua própria sombra. Não se trata de indecisão, clareza: trata-se de Jorge Sampaio. Não foi mau. Não foi espantoso. Lá foi. Quod erat demonstrandum.

Adenda: Escrevi há três dias: "Para um liberal à moda antiga a estabilidade não é um valor absoluto e é preferível haver clarificação do que este ressentimento flutuante. Não que elas não sejam imprescindíveis, mas Sampaio errará se não explicar com clareza, ao menos desta vez, por que precisamos de eleições. Nem precisa de pôr o dedinho esticado, professoral. Bastam meia dúzia de frases." Acho que Sampaio perdeu uma oportunidade de ser claro, embora se percebesse bastante bem o que queria dizer. O que é uma pena, porque nestas circunstâncias não estamos em condições de ir à procura da metáfora do Presidente, mas de saber por ele o que o levou a agir como agiu, independentemente da nossa opinião. Por isso me parece tão natural que o governo corra para a frente e aproveite a onda. Acho que nem toda a gente percebeu que o discurso de Sampaio abriu as portas aos fantasmas que aí vêm.

dezembro 10, 2004

PEDRO MEXIA. «Já podes. Nessa sala escura/ quase se confundia o negrume/ os contornos a respiração,/ o corpo contra os móveis./ Um movimento aquático,/ sem relógios/ risos abafados,/ comunidade invisível/ o fegante,/ na fronteira da infância./ Este jogo, há muitos anos./ Não me encontraram/ e eu não encontrei ninguém.»
Pedro Mexia, Vida Oculta (Relógio d'Água)

PEDRO CANAIS. Um romance histórico nem parece coisa destes dias, mas Pedro Canais consegue escrever um, de 600 páginas: A Lenda de Martim Regos (Oficina do Livro). Muito bom.

PARTIR (A NOITE O QUE É?). O nómada é aquele que não tem casa ou aquele que está cansado de andar, de madrugada, por estradas que levam a lugares onde nunca fica mais do que um dia, ou nem isso? Os amigos estão com gripe faringites, tonturas; ouvem-se vozes ao telefone, a qualquer hora do dia. Tenho livros no porta-bagagens do carro, jornais espalhados, telefonemas por fazer. É isso, um nómada?

LUZES, 2. As de Hannukah, no entanto, acendem-se durante estes dias. Às vezes é bom reconhecer o milagre da sorte, o milagre que acontece por acaso. Inscrito na ordem das coisas. Sem razão.

LUZES. Coisa extraordinária. Aviz, a vila, tem umas iluminações natalícias dependuradas no edifício da Câmara. De resto, só uma luz a brilhar no castelo, bem lá no alto: uma estrela de David. Seis pontas. Intermitente.

DEVE DE, 2. Escreve a Joana, por email:
«Sou leitora do seu Blog e, fã do "cantinho do hooligan"! (até me admira que "ele" hoje não tenha escrito...). Não me lembro de ter ouvido ou lido um tal espanto perante essa expressão que promete cristalizar-se nos nossos usos e costumes. Ainda bem que o ouvi hoje. Eu propria senti um arrepio de horror quando a ouvi no parlamento da boca do Primeiro-ministro. Que mais faltará? Ah... é verdade! Já fui corrigida, por gente bem falante, quando disse o simples, normal e pacífico "como deve ser".»
Escreve também o Júlio Lopes da Costa:
«Deixe-os dar pontapés na gramática, saltar por cima da ortografia toda. Eles são assim. Eu fiquei perplexo, sim, mas não acho que tenha especiais razões para isso uma vez que as meninas da RTP, aquelas repórteres sem qualificação, dizem coisas extraordinárias e ninguém as ensina a conjugar verbos e pôr os complementos directos no sítio. Portanto deixe-os andar à solta que ninguém se importa. Eu sei, até, que o "deve de" não tem importância nenhuma, eu sei; a minha mulher diz-me que é da bílis, mas estes senhores irritam-me. Tenho saudades de um primeiro-ministro capaz, é verdade, mas também gostava que ele lesse qualquer coisa para além da "Tv Guia".»

DESERÇÃO. Escreve a Maria Perry, por mail:
«Eu não concordo com o Francisco que Durão tenha desertado. Ele seguiu a vida dele, depois de ter feito um bom trabalho para o país. Fala-se muita da herança pesada que ele deixou, mas afinal que herança pesada é esta? Santana Lopes? Mas este tem apoio de quase todo o conselho nacional do PSD! O grande problema, que se revela agora, é que o PSD é um partido inerte e sem brio, que não vai à luta e não se importa de perder as eleições porque os seus membros estão mais preocupados com as suas vidinhas do que com o futuro do país. Não tem nada a haver (é haver ou ver?) com a falta de tempo, serem vítimas da conjuntura, etc. A "lealdade" ao chefe aqui é uma enorme deslealdade ao eleitorado, porque não nos oferece uma alternativa viável. Mas as pessoas insistem em culpar Durão Barroso por tudo em vez de denunciar a mediocridade existente no PSD. (Já parece aquela história da pesada herança do colonialismo, 30 anos depois ainda serve de justificação.) O PSD vai conhecer a maior derrota de sempre porque só assim é que há esperança de nos livrarmos de Santana. E se o PS souber governar, então dificilmente o PSD voltará ao poder porque agora perdeu o nosso voto de confiança. Está escrito nas estrelas...»

dezembro 08, 2004

DEVE DE. Na televisão vejo os acordes finais da discussão sobre o Orçamento, no parlamento. E ouço alguém a sustentar, do alto da tribuna, que qualquer coisa «deve de ser». «...deve de ser»? Já nada surpreende.

E AINDA HÁ TEMPO? José Pacheco Pereira terá razão:
«É muito simples perceber a diferença entre lógicas pessoais e partidárias e o interesse nacional. Aqueles que esperam (mais do que isso,desejam) que Santana Lopes concorra a eleições, as perca e depois, vulnerável, possa perder o partido, seguem uma estrita lógica pessoal e de grupo partidário. A esses pouco importa que Sócrates e o PS possam governar quatro anos, ou que Santana Lopes ferido possa arrastar o PSD para uma vendetta colectiva. Quem pensa na situação nacional tem urgência.»
Mas não lhe vale de nada. Não há tempo. A tragédia (lê-se nos clássicos, vê-se em Shakespeare), a partir de certa altura, adquire uma velocidade que não pode ser travada; nessas circunstâncias, nenhum autor sério chamou os deuses para intervir. As coisas limitaram-se a acontecer como estava escrito nas estrelas.

AINDA A QUESTÃO DO LIBERAL À MODA ANTIGA E, PORTANTO, DA IDEIA DE CONSULTAR O POVO QUANDO NÃO HÁ MESMO OUTRO REMÉDIO. Pois, de facto há essa questão acerca da promessa, do promitente e do compromisso. E do promissor que prometeu e nos comprometeu a todos. A verdade é que isto ainda agora começou, Caro Filipe. Primeiro, Durão Barroso esteve a salvo na sua caminhada europeia; por razões puramente estratégicas, evidentemente; não convinha, por vários motivos, tratar de desertor um homem que tinha desertado de facto. Segundo, o Presidente estava a salvo no seu novelo de interpretações sobre a vontade de povo; por razões puramente estratégicas, evidentemente; não convinha molestar um homem que ia entregar o poder ao novo promitente, apesar de estar a fazer um favor claríssimo à esquerda, esperando que ela se recompusesse e aparecesse; terceiro, Cavaco Silva estava a salvo da sanha desertificadora do novo promitente, por razões puramente estratégicas, evidentemente; não convinha atrapalhar o caminho ao patriarca.
Todas estas coisas se desmoronam: Durão Barroso declara em Bruxelas que não tem nada a ver com a cacofonia que deixou em Lisboa, o que é uma hipocrisia lamentável num homem que sonhava regressar à Pátria para ser presidente (nem pense). O presidente, por motivos certamente inacessíveis, mas não despropositados, cansou-se do novo promitente e achou que tinha chegado a hora de dizer uma coisa que fosse. Cavaco? Ah, Cavaco apenas disse que não queria ter nada a ver com os pantomineiros -- e não tem -- o que lhe valeu admoestações daqueles pobres espíritos que não compreendem que o que está em causa não são fundos para as autarquias, nomeações para as direcções-gerais e rapaziada nos ministérios; que isso é o menos.

SENDO ASSIM. Por motivos sérios -- nomadismo, vício, etc. -- entro num cybercafé. Cavalheiros circunspectos lêem o correio electrónico, duas adolescentes teclam no MSN, rapazes combatem em jogos online, um blogger ali ao fundo. Os rapazes excitam-se com os jogos de guerra e a agudização do combate, e desatam numa onda de palavrões. O meu dicionário, que é razoável, enriquece-se, sobretudo porque eles falam alto. Ao fim de meia-hora levanto-me e vou fumar um cigarro; aproveito para perguntar ao encarregado da loja se não pode dizer àqueles palermas para falarem mais baixo. Ele responde-me que é um espaço público. Eu digo-lhe que sei o que é um espaço público mas que gritar que «foda-se lá a gaja, maizó caralho» não me parece um exemplo acertado. Ele promete fazer qualquer coisa e eu vou à porta, que dá para a rua, fumar um cigarro. Um pai leva as duas filhas (sete, oito, nove anos?) ao cybercafé e ouve a conversa. Parece-me que ficou apreensivo e olha lá para dentro, mas o rapaz da loja murmura qualquer coisa sobre «pessoas que não compreendem o que é um espaço público» nem o espírito rebelde dos adolescentes que de vez em quando gritam foda-se. O pai olha para mim, e, apesar do meu ar perplexo, vejo que acaba por concordar com o energúmeno: claro, é preciso perceber isso, os miúdos diante do computador dizem sempre um caralho de vez em quando, pá, isto é assim mesmo, não tem mal nenhum, foda-se. Sinto-me um reaccionário num cybercafé de bairro de classe média. A classe da classe média já mudou, foda-se. Melhor, a tolerância e a pedagogia foderam-na. Estamos fodidos. Desculpem lá.

dezembro 06, 2004

SAIR (A NOITE O QUE É?). A tentação de sair é grande. Não, não é sair da blogosfera. É mais andar pela praia, que é uma coisa acessível, fácil, deixar pegadas para a poeira varrer logo depois.

MÁRIO CLÁUDIO. O romance de Mário Cláudio, Gémeos (Dom Quixote) é uma viagem alucinante sobre como se pode entrar num quadro e viver dentro dele. A sua melancolia toca a amargura, como um texto clássico, difícil, maduro, sem ceder numa única página à tentação de explicar a forma como chegou até aí.

INSTABILIDADE. Paulo, peço desculpa pela insistência, mas há aí um problema, que é o da indeterminação da própria vida. Dito assim há-de parecer estranho, mas é simples: as eleições não são marcadas para conseguir maiorias absolutas; a propósito desses receios vindos dos sectores soaristas, convinha relembrar o debate sobre as maiorias, aliás, no tempo de Cavaco -- quando as maiorias eram consideradas inimigas do regime demcrático. Ora, o presidente não pode marcar eleições tendo em conta a sua intuição sobre qual vai ser a vontade do eleitorado; tal como não pode evitá-las só por suspeitar que o eleitorado não vai dar maioria absoluta a nenhum partido. Eu compreendo que a dissolução «teria sido mais adequada no momento em que potenciasse a emergência de um quadro de estabilidade governativa e parlamentar». Ora, isso pode dar origem a impasses fatais. A ideia defendida por Mário Mesquita vem no sentido que o Paulo defende (e, valha a verdade, tem defendido), eu sei, mas daria origem a raciocínios muito criticáveis -- por exemplo, pedir que o Presidente esperasse pela realização das Novas Fronteiras, ou que Santana reúna a sua «equipa ideal» (como, perversamente, pedia Ângelo Correia, e olha quem).
É claro que a discussão ainda agora começou. Por exemplo: existe a hipótese de Santana Lopes ludibriar todas as previsões da imprensa e obter maioria.

dezembro 05, 2004

UMA VEZ POR OUTRA. Claro que sim. Mas não me lembro de ver ninguém, há quatro meses, a dizer que a decisão de não convocar eleições favorecia a esquerda (julgo que o FNV e eu falámos do assunto), o que valeu algumas piadas. Portanto, agora que vejo a ideia repetida por aí, não me importo de dizer: sim, uma vez por outra gosto de ter razão. Depois de ler a entrevista de Durão na revista do Expresso, é que não posso deixar de dizer que, à distância, tudo isto tem um sabor perverso: José Manuel Barroso lixou tudo, evidentemente, também para destruir a carreirinha de Santana Lopes.

UMA VEZ POR OUTRA. Claro que sim. Mas não me lembro de ver ninguém, há quatro meses, a dizer que a decisão de não convocar eleições favorecia a esquerda (julgo que o FNV e eu falámos do assunto), o que valeu algumas piadas. Portanto, agora que vejo a ideia repetida por aí, não me importo de dizer: sim, uma vez por outra gosto de ter razão. Depois de ler a entrevista de Durão na revista do Expresso, é que não posso deixar de dizer que, à distância, tudo isto tem um sabor perverso: José Manuel Barroso lixou tudo, evidentemente, também para destruir a carreirinha de Santana Lopes.

ÉVORA. Tudo, às mesas Fialho, estava bem -- sob o comando do magnífico anfitrião (não menciono a ementa, mas acredito que podemos contar com boas fugas de informação). Foi, enfim, uma verdadeira convenção liberal.

POR ESTA NÃO SE ESPERAVA, ASSUNTO COMPLETAMENTE DIFERENTE. Ler para perceber que há explicação.

POR ESTA NÃO SE ESPERAVA, COITADA DA AL-JAZEERA. O Tehran Times acaba de informar o seu estimado público: a Al-Jazeera é criação da multinacional sionista. Cito:
«Of course, the Zionists were not pleased at the idea because they believe that increased proximity between the Islamic world and the West is not in their interests. And that is why they founded the Al-Jazeera network to tarnish the image of true Islam.»

dezembro 02, 2004

UM LIBERAL À MODA ANTIGA. Ontem, Paulo Portas começou a pedir contas aos que tinham criticado a coligação e o governo. Eles deverão assumir as suas responsabilidades sobre uma eventual derrota da direita nas próximas eleeições. O que me lembra as conversas deste Verão com FNV, evidentemente. Como o Filipe Nunes Vicente e eu não deixámos de notar, a decisão de Sampaio em pleno Verão «obrigaria a dar a palavra ao povo». Essa seria a decisão de um liberal à moda antiga. Com atraso, fragilizados por quatro meses de gerrilha, os portugueses vão a votos. Vão reparar (impossível, impossível...) a asneira deixada por Durão Barroso, a quem não se poderá perdoar tão cedo.

LIBERDADE DE IMPRENSA. José Mourinho tinha pedido que os tribunais retirassem do mercado o livro de Joel Neto (José Mourinho. O Vencedor, publicado pela Dom Quixote). É uma velha mania. Hoje de manhã, o tribunal decide não apenas a favor de Joel Neto como, além do mais, passa um raspanete ao treinador do Chelsea. Alguém com bom-senso.

dezembro 01, 2004

A VIDA COM NÓDOAS. O Carlos escreve: «Ao contrário de muitos, não me sinto contente. Ao contrário de outros, não me sinto triste.» É exactamente isso. «E a vida é feita de nódoas.» Nem mais. A questão é que uma nódoa do «nosso lado» é mais triste. Um resto de decência devia ter tocado grande parte dos nossos amigos, antes de se porem a calcular perdas e ganhos. A principal perda é a da decência de governar, e isso estava garantido há pouco mais de quatro meses. Nós éramos os derrotados antes da derrota de Santana.

DELÍRIO NOS ARES. Compreendo a loucura que toma conta de certas pessoas, em determinadas circunstâncias. Por exemplo, um comissário de bordo da TAP, farto de passageiros, que começou ontem a apregoar, enquanto empurrava o carrinho de duty free: «Chá, café, laranjada! Chocolate, línguas-de-sogra, vendas a bordo!»

LIÇÃO ESTUDADA. O C.Loureiro, no Blasfémias nota um interessante cenário: tanto o PSD como o PS estão a «estudar os dossiers» e a preparar-se para eleições. O que prova a inanidade em que ambos estavam até agora?

ELEIÇÕES, AFINAL. Caro Paulo: quod erat demonstrandum.