BIBLIOTECAS INVISÍVEIS. O Rui Almeida, a propósito da nota que escrevi sobre as bibliotecas invisíveis — via Latinista Ilustre e O Almocreve das Petas — lembra, e bem, o divertido texto introdutório de Jorge de Sena às Qvybyrycas, de Frey Ioannes Garabatus (aliás António Quadros, aliás João Pedro Grabato Dias, aliás...) [edição ainda disponível, na Afrontamento]. O Rui Almeida enumera mesmo a lista de «livros inventados» por Sena. Borges está em todos nós.
Aviz
«We have no more beginnings.» [ George Steiner ]
outubro 31, 2003
outubro 30, 2003
HAIFA. Haifa é uma cidade bonita, tolerante e cheia de céu. Por isso, quando há atentados em Haifa, cidade que mantém todas as religiões em boa convivência, a perturbação é maior. Mas a melhor das lições continua a ser dada pelos seus habitantes — que escolheram, para presidente da Câmara, um candidato do Shinui (e nunca do Likud, ou do Shaas, ou NRP), laico e liberal. Aqui, pelo menos, o medo não ganhou.
(Não sei se o Nuno Ramos de Almeida acha isto desequilibrado, claro — mas enfim.)
O PROBLEMA DA JUSTIÇA. Sobre o fenómeno da Casa Pia o único receio é o de que não se possa fazer justiça. Como não sou jurista, o emaranhado de leis decentes que permitem praticar injustiças é-me indiferente, mas compreendo-as. Compreendo os receios actuais sobre o segredo de justiça (que são sempre receios flutuantes, conforme a natureza e a inclinação ideológica dos arguidos), sobre a prisão preventiva (já os manifestei antes deste caso, na altura da aprovação da lei), sobre as fugas de informação, sobre os poderes dos juízes e do MP. Quando ouvi falar da «república dos juízes» também manifestei preocupação sobre a «república dos advogados» («ridículo», repreendeu-me um advogado num telejornal, citando o artigo — com aquele sorriso que faz de nós gente dispensável). E quando os sinais se começaram a avolumar, manifestei aqui outro receio: pela eventual preparação de um «acordo de bloco central» (esse «bloco central de interesses», sim) que se encarregaria de diluir o caso e de o desvalorizar, até não ser possível fazer nada com ele. Os últimos factos — em redor do julgamento de Bibi, por exemplo — contribuem para que esses receios sejam cada vez mais significativos. Oxalá nos enganemos, claro.
PANTEÃO. Eu compreendo os receios do deputado José Lello sobre a cedência do Panteão Nacional para o lançamento do novo Harry Potter, e sou sensível à «elevação do lugar» (onde nunca fui, de resto, como qualquer português, aliás). De facto, o livro tem mais a ver com o Panteão do que o inverso: imagino Harry Potter percorrendo aquelas naves (terá naves?), escondendo-se atrás daquelas colunas (sim, parece que tem colunas), tremendo à lembrança daqueles nobres portugueses. Mas não consigo indignar-me nem recear a profanação. Acho que em relação aos portugueses que lá estão, a maior profanação é relegá-los para aquele silêncio todo. E oiço, então, as gargalhadas do miúdo, escondendo-se dos maus espíritos e da declaração de José Lello — e o esforço de Lello para não se rir de si próprio, ao perceber melhor o tom da sua indignação.
EQUILÍBRIOS. O Nuno Ramos de Almeida diz, na Ler, que o Aviz tem uma escrita «desequilibradamente empenhada quando se trata de defender Israel». Às vezes (pode até nem ser o caso de NRA), as ideias dos outros podem parecer ter outro equilíbrio, diferente do nosso. Mas é a vida.
outubro 25, 2003
VARGAS LLOSA. Podes e deves Joel, podes e deves ser demagogo... Mas nenhuma visita de Llosa a Bagdad muda as certezas absolutas de ninguém.
DITOSA PÁTRIA. Já escrevi várias vezes sobre a «intoxicação televisiva, radiofónica e quejanda» a propósito do futebol (mesmo quando se trata do FC Porto). A inauguração do estádio do Benfica é outro dos episódios dessa histeria corrente. Vejam, oiçam: a «catedral», as toneladas de cimento, o estado da relva, as bifanas, a marcação do campo, a lama, os transportes alternativos, um vice-presidente a anunciar que toda a gente vai ser revistada (ele mencionou «armas», portugueses!, ele mencionou «armas», que vergonha), o glorioso trajecto da história do clube, os lugares sentados, a falta de estacionamento, os 65.000, o betão, as colunas, as vigas, os acessos, os uruguaios, os futuros lugares de estacionamento, a loja para as bandeiras, os taxistas, o controle UEFA, os vips, os vivas à Nação, a imprensa, os títulos vergonhosos de A Bola, os bigodes, o Barbas, o País unido e ressentido, a representação de Fornos de Algodres, o burro que vem de Elvas, a representação de Caracas, as mensagens do Luxemburgo, a gritaria, o campeonato, o espanhol, a chuva que não cai definitivamente, o mais belo da Europa, o Eusébio, a águia, a galinha, seja lá o que for. Ah, ditosa pátria.
CHUVA. A propósito deste fim-de-semana, o Terras do Nunca pergunta-se: «E a chuva, o que é?» Fica o primeiro parágrafo de Mazurca para Dos Muertos, de Camilo José Cela: «Llueve mansamente y sin parar, llueve sin ganas pero con una infinita paciencia, como toda la vida, llueve sobre la tierra que es del mismo color que el cielo, entre blando verde y blando gris ceniciento, y la raya del monte lleva ya mucho tiempo borrada.»
BIBLIOTECA INVISÍVEL. Descobri a Biblioteca Invisível através do sempre atento Latinista Ilustre, que, por sua vez, cita a orientação original do bom Almocreve: «The Invisible Library is a collection of books that only appear in other books. Within the library’s catalog you will find imaginary books, pseudobiblia, artifictions, fabled tomes, libris phantastica, and all manner of books unwritten, unread, unpublished, and unfound.» Davam para uma vida inteira, estes catálogos. Como o Latinista também gosta de Sterne, imagino o que nos poderíamos divertir a propósito de títulos como The Campaigns of Uncle Toby and Corporal Trim ou De Fartandi et Illustrandi Fallaciis, «pseudo-títulos» do Tristram Shandy. Cuidai-vos, críticos das gazetas! Mas há mais: como ambos gostamos de policiais, um dos caminhos seria avançarmos por Rex Stout ou a saborosa velhinha Dorothy L. Sayers, por exemplo. Lord Peter Wimsey, o personagem dos livros de Sayers, e Wolfe, o de Stout, poderiam encontrar-se para se irritarem mutuamente a propósito de hábitos alimentares. Um dos artigos que me proponho escrever, de parceria com o Latinista, é sobre um tema de magna importância: «o bacalhau em Rex Stout». Num dos seus livros, Archie Goodwin é avisado por Fritz Brenner, o cozinheiro, de que vão comer bacalhau. Brenner acrescenta (salvo erro) que se trata de comida dos portugueses do Bronx.
O PAPEL DO MÉDICO. O nosso bom doutor, que também anda feliz com os resultados do F.C. Porto, surpreende-se com o resultado das pesquisas do Google que vão dar ao seu blog. A mim enternecem-me sobretudo duas das que ele cita: «receitas de doces poveiros» e «felicidades médico». Os «doces poveiros» (as rabanadas, como faz questão de frisar o nosso clínico), então, merecem aplauso.
BRUXELAS. Muito bom o Planeta-Reboque, de Pedro Cruz Gomes. Por mail, o Pedro escreve que a questão do Português Suave poderia ser resolvida com uma demanda nos tribunais europeus — e cita um exemplo fornecido pelo País Relativo, sobre a atribuição do apelido ao filho de um casal hispano-belga, que revela até que ponto os merdosos de Bruxelas podem ir. O Pedro lembra ainda uma crónica de Alberto Pimenta: «Não me esqueço de uma saborosa crónica do Alberto Pimenta na TSF de boa memória a propósito da proibição emitida pela (ainda) CEE da venda de túbaros em restaurantes. Concluía mais ou menos assim: “Perguntar-me-ão os ouvintes o que é que uma questão menor de culinária tem a ver connosco... Pois se até nos tiram o colhão...”» O problema, caro Pedro, é que vai ser assim mesmo.
O FIM DA AVENTURA. O Cruzes Canhoto modificou a apresentação dos links no blog — através de livros; calhou ao Aviz um título de Graham Greene, O Fim da Aventura. É um livro que só honra o Aviz — tal como o autor. Graham Greene (um dos autores de que mais gosto) foi um passageiro fantástico da literatura (nem vale a pena rotulá-lo de «católico & espião» para o diminuir, como citam os seus críticos mais obsoletos), um criador de personagens — o coração da ficção. Era um homem que não gostava de pássaros e que até ao último livro manteve o seu tom de ironia, de melancolia e de espectador do mundo.
outubro 24, 2003
A QUESTÃO «PORTUGUÊS SUAVE». Um esclarecimento. Quando abordei no Aviz a questão «Português Suave» não se tratava de defender o tabaco contra os não-fumadores, ou de iniciar uma discussão sobre os direitos dos não-fumadores. Era muito mais simples: por que é que os merdosos de Bruxelas tinham implicado com o «Suave» de «Português Suave»? A conversa alastrou e transformou-se, aos poucos, num debate sobre os malefícios do tabaco. Nunca alinhei nessa trapalhada — o cigarro faz mal. Ponto. Penso, cerca de duzentas vezes por ano, em deixar de fumar. A única coisa que me impede é o prazer que isso me dá. É um prazer imbecil, inútil. É provável que outros vícios, como o álcool, tenham um «lado bom» — questões cardiovasculares pelo meio —, um lado não totalmente prejudicial.
Simplesmente, no lugar onde trabalho, circulou um abaixo-assinado (não na minha redacção) sobre o assunto. Os termos são tão agressivos, tão seguros do mal que lhes fazem, tão segregadores e maldosos, que temo bastante que um mundo dominado por esta gente se pareça vagamente com um purgatório.
Para encerrar a questão: sim, os não-fumadores têm razão. E têm razão os puros de sangue e os puros de espírito, e os desportistas, os que fazem jogging, os que não comem fritos (não, isto não é piada ao Bruno), os que se levantam cedo, os que fazem ginástica, os que são certinhos, os que tomam vacina contra a gripe, os que só lêem boa literatura, os que vigiam o colesterol, os que são perfeitos, os que não bebem cerveja, tudo isso. Eles têm razão. Mas uma coisa me inquieta: por que é que os merdosos de Bruxelas nos tiraram o «Suave» ao «Português Suave»? Isso sim, é um problema. O resto (fumar vs. não-fumar) já se sabe como se resolve.
outubro 23, 2003
A NOITE, O QUE É?, 20. A gripe, por exemplo. Nestas alturas ouvem-se todos os ruídos à volta, atravessa-se o fim da tarde com a sensação da cura, do abandono. Todos os ruídos estão dentro da cabeça, sobretudo aqueles que amamos. Chá, silêncio, um telefonema. Livros fechados. Coisas que não se suportam, por estarem distantes — as árvores, o riso, a relva, o mar, a comida, até a comida, a música, o vento na varanda.
RELIGIÕES. O Terras do Nunca esteve em Évora no encontro interreligioso promovido pela Fundação Eugénio de Almeida. O relato que faz é perfeito, confesso. Não se afasta muito daquele que tive, por telefone — e pela imprensa, lendo-a nas entrelinhas (embora o episódio suscitado pelo teólogo pré-deicida Carreira das Neves merecesse análise mais aprofundada). As conclusões a tirar da intervenção de Eduardo Lourenço são naturais; a recusa em reflectir sobre o religioso está relacionada com a recusa do religioso; o discurso do religioso é frequentemente desmobilizador e vazio. Há uma nota veemente no texto do João M. F., sobre a incapacidade de aquelas pessoas dialogarem com profundidade (o caso Carreira das Neves volta a revelar-se sintomático) — todos partem do princípio de que a ideia de um Deus monoteísta os salva de qualquer objecção. É um erro fatal. A história das religiões — como já escrevi aqui — não tem servido para «unir os povos». Pelo contrário, está ligada à história da barbárie de uma forma radical. A conversa sobre a «religião como factor de paz» é inócua; não leva a lado nenhum.
O REGRESSO DO PÂNTANO, AS AMEAÇAS DO BLOCO CENTRAL. [Artigo no J.N.] É muito provável que o presidente da República não tivesse feito o seu discurso de anteontem caso não fosse directamente visado pelo material que consta das escutas telefónicas — ainda bem que o fez dessa maneira aparentemente tranquila, respondendo às dúvidas dos cidadãos. Porque, como todos vamos concluindo, o retrato de conjunto paranóico em que se transformou o processo da Casa Pia é ainda pouco para o que veremos, para o que saberemos e para o que poderemos vir a suspeitar. É cada vez mais difícil sobreviver e manter a lucidez no meio dessa paranóia. Só assim se explicam algumas das intervenções políticas mais recentes e o complexo de exageros que diariamente o cidadão pode recolher pela Imprensa.
Portugal transformou-se no país da suspeita — sobre a justiça e as suas investigações, sobre os políticos e os seus encobrimentos e alianças, sobre a Imprensa e os seus «alinhamentos». No caso da Casa Pia, essa suspeita recai sobre mais duas entidades: os que estão a ser acusados de crime, e as vítimas desse crime. Não sei o que é pior, mas suspeito que a desvalorização do papel das testemunhas é um factor de perturbação que pode vir a tocar o limite do abjecto.
Se nos lembrarmos de outros casos semelhantes ocorridos — em Espanha —, o massacre das testemunhas conduziu àquilo que se teme que venha a acontecer em Portugal: a diluição do processo. A partir daí, a suspeita sobre as testemunhas leva ao fim da investigação. Claro como água. Seria conveniente proceder à comparação dos processos e dos acontecimentos, para evitar essa verdadeira hecatombe.
Provavelmente de forma involuntária, Francisco Louçã citou Guterres ao referir-se ao processo da pedofilia, usando as expressões «lama» e «pântano», depois do seu discurso na AR — a melhor intervenção parlamentar sobre o assunto. Em resumo, transformar o processo da Casa Pia num «processo político» consistiria, basicamente, em arrastar a política para o pântano em que se transformou o conjunto de pressões, desvarios e enormidades que têm vindo a ser produzidas todos os dias. Causa por isso alguma apreensão que Ana Gomes tenha — depois do «apelo ao silêncio», de António Costa — dado uma entrevista à Antena Um, em que reafirma que, para o PS, este será um «combate político». Só por isso, a realização de um congresso extraordinário do PS seria ou um ofício de defuntos ou uma sessão de psicanálise.
É curioso como algumas almas se têm mostrado mais sensíveis à violação do segredo de justiça e aos vários delírios judiciais, do que às consequências que a «pantanização» do processo podem vir a ter para o país inteiro. Essa permanente pantanização tem um objectivo claro — não apenas retirar peso e importância ao próprio caso (banalizando-o), mas também retirar credibilidade às testemunhas e vítimas.
Dentro de algumas semanas, caso a paranóia se mantenha, não faltarão vozes chamando a atenção para os prejuízos que o processo vai causar na imagem de Portugal (esquecendo que isto — o processo — é mesmo Portugal). Ora, a última coisa de que Portugal precisa, nestas circunstâncias, é de um acordo de Bloco Central para que tudo se dilua, tudo se perca em discussões entre juízes e advogados (cada qual com a sua república) e, afinal de contas, tudo permaneça neste limbo de suspeita. Tendo em conta que há vários indícios de que se pode preparar esse cenário, convém dizer, desde já, que esse será o pior dos sinais. A encenação dessa desistência moral da sociedade portuguesa (porque é disso que verdadeiramente se trata) não é tão absurda como isso. Basta ver a quem serve. [J.N.]
outubro 22, 2003
ROADSHOW,3. Ana Gomes diz que este caso — o da Casa Pia — continuará a ser, para o PS, um «combate político» (entrevista de sexta-feira na Antena 1, ao fim da tarde). É por isso que eu temo, sinceramente, um acordo de Bloco Central sobre a matéria. Todos os sinais estão por aí, dispersos. Questão de marketing patriótico.
ROADSHOW, 2. José Pacheco Pereira tem (ainda) responsabilidades políticas no PSD — mas é bom que um político reconheça o perigo da duplicidade, como o faz no Abrupto: «DUPLICIDADE: Se há coisa que peço a mim próprio, e, se não fosse incréu, ao Senhor, é não cair na duplicidade na análise deste processo, todo ele impregnado de duplicidade. Tenho as minhas opiniões, gostos e antipatias, que é impossível não mostrar; posso cair em contradição, porque isso, às vezes, é inevitável, mas farei todo o possível para não ser dúplice.»
ROADSHOW. Por muito ridículo que isto* seja, tenho muita pena que não se faça o congresso extraordinário do PS.
[*Isto: esta onda de insanidade no PS.]
outubro 21, 2003
SURREALISMO PERFEITO. Uma das melhores descrições do que pode ser uma sessão de lançamento de livros do António Lobo Antunes (na Litteraturhaus de Colónia) está no Desejo Casar, pelo Ricardo Esteves Correia. Eu já assisti a várias e diverti-me sempre.
NOITE, O QUE É?, 19. Vejo essa imagem por instantes. É só por instantes; abre-se a noite, atravessando o mar, o perfume basta, só o perfume, um fragmento, a pele, uma coisa proibida. Há coisas mais felizes, mas nenhuma como esta.
NOITE, O QUE É?, 18. A voz que apazigua, a voz que ri, a voz que entra por todo o lado como um vendaval, ou só como um recado, uma lembrança. No meio da insónia, escreve-se muitas vezes sobre essa voz que atravessa todos os tufões, as ondas, a melancolia, o assombro, a malícia, a penumbra, a voz a que se pertence sem saber. Voz no meio do sono, voz que acorda de repente, voz que traz búzios, voz no meio da cinza. Emudece-se, por essa voz. Emudece a noite.
outubro 20, 2003
NOITE, O QUE É?, 17. Fico perdido — essa imagem enche a noite. Mês após mês, espero o mês seguinte. Não tem segredos, isto, mas tem mais sentido em segredo, como se apenas esse relâmpago se pudesse esconder no meio do céu.
O REGRESSO DA URDIDURA. A utilização da palavra «cabala» parece-me francamente má opção; quanto a «urdidura», acho ainda pior. Mas, ao ler o texto de Luís Delgado em que se pede a demissão de Souto Moura (por serem «de lá» que vêm as fugas de informação), numa tentativa de matar dois coelhos de uma só cajadada (demissão de Souto Moura, demissão de Ferro Rodrigues), acho melhor usar qualquer uma delas. Ou o Luís esqueceu o que manifestamente aprendeu durante anos de editor e director de jornais sobre as «fugas de informação» (ele e os que apontam apenas na direcção do procurador...) ou as virgens já não são o que eram.
NEM MAIS UM TOSTÃO. O Terras do Nunca viu o actor Rogério Samora, na televisão, emprestar a sua voz a mais um exercício de indignação (as coisas que se dizem...): «A cultura não interessa, somos merda.» Estavam em causa, suponho, os dinheirinhos do ministério da Cultura. Sabendo que a situação financeira do actor Rogério Samora é incompatível com o seu natural talento, tomando conhecimento da revelação do seu estado merdoso, e ainda tendo em conta a popularização de uma recente expressão portuguesa, declaremos em uníssono: «Estou-me cagando. A partir de agora é que não levas nem mais um tostão.»
NOITE, O QUE É?, 16. Agora, que regressou o frio, a noite é ainda mais difícil. Eles pensam que ela significa apenas escuridão, aquele período entre a luz mais intensa e a que vem, como um aviso, trazer a insónia. Não é assim: há os ruídos da noite, as imagens que ela traz como um incêndio, todas as coisas do céu, todas as coisas do mar, uma lembrança, um esquecimento. A espuma das noites. Coisas que não se suportam, por estarem distantes.
POLÍTICA À PORTUGUESA. As coisas estão a ficar indecorosas, mas, de qualquer modo, vale a pena assistir.
Em Traições, de Philip Roth (Bertrand), alguém pergunta: «Estás interessada em política por seres polaca ou porque te interessas por política?» Ela responde: «Acho que, principalmente, porque sou polaca.» Perguntem aí fora.
outubro 19, 2003
CULTURA POPULAR. Ouço, na Antena 2, um programa com educadoras especializadas em «imaginação» e «criatividade». Uma delas, convicta, diz que se as pessoas fossem bem ensinadas ou preparadas, um «bom livro» bateria sempre o Game Boy, uma «boa conversa» bateria sempre a televisão, um «bom disco» bateria sempre os Pokémon. A nossa capacidade para rir é sempre posta à prova.
CANELADA. De resto, a velocidade a que o País ensandece parece-me normal. A capacidade de ficar chocado ou perturbado ultrapassou há muito o «português médio». Esta vaga onda de sandice vai aumentar, aumentar, aumentar. Vai andar tudo «à canelada».
OS POLÍTICOS E O DIREITO DE MENTIR. [Actualização para um tema discutido com o Mar Salgado, o Grande Loja do Queijo Limiano, o Bloguítica, o Glória Fácil, o Guerra e Pas, o Adufe, entre muitos outros.] Há anos (nem vale a pena lembrar...), a The New Republic, que não podia ser acusada, de modo nenhum, suspeita de fazer favores à Casa Branca de Clinton, publicava um artigo sobre o adultério em casos políticos conhecidos. Só a lista de políticos americanos (alguns deles, até brilhantes para o seu contexto) que sucumbiu devido à prática do adultério dava para encher uma boa página da revista. A tese era muito simples: o adultério é uma prática social «recriminável e condenável», e é suposto ninguém se gabar da sua prática. Em nenhum caso um político devia admitir ter caído nas malhas do pecado. E, em termos públicos, o que podia fazer seria negar, negar, negar até ao fim. «Lie!», era o título de capa da revista. Nem de propósito. Dois meses depois desse artigo, aproximadamente, a América festejava «mais um caso» de Bill Clinton. Um dos editores do Washington Post, feliz, comentava para um colega editor do sereníssimo e discreto Financial Times: «Há vinte anos que não tínhamos uma história assim.» Vale a pena dar mais exemplos: os apresentadores dos principais telejornais, nessa altura recrutados para Havana, onde acompanhariam a visita do Papa, voltaram para casa no primeiro avião — nenhum deles queria deixar escapar a crise nem, evidentemente, o disparo das audiências. A declaração mais preciosa vem, no entanto, do homem que acompanhou, para a CBS, o «caso Watergate»: «Senti hoje o mesmo cheiro a sangue que havia na Casa Branca em 1973.»
Este «cheiro a sangue» compreende-se. Do modo como estão as coisas, um telejornal, tal como a direita religiosa e republicana da altura, é capaz de tudo. Tudo estaria cheio de palavras como «alegado», «suposto», «suspeição», «atribuído a», «infere-se que», «é possível que» e outras expressões que a imprensa e a sociedade usam com abundância e originalidade quando sabem que não devem dar como certo um rumor que não tem interesse nenhum.
[Na altura, escrevi que a culpa era dos democratas. Não porque Clinton não fosse capaz de esfaquear, metódica e paulatinamente, o seu matrimónio — mas porque, até hoje, toda a campanha política pela «absoluta transparência» teria de dar no que sabemos. A primeira grande vítima foi, justamente, Bill Clinton. O «caso do juiz Clarence e de Anita Hill» (que tinha pormenores disparatados) foi apenas um levíssimo quadro que anunciava tormentas maiores para o género humano e para a liberdade. O que esteve em causa, com «o caso Clinton-rabo-de-saias», não era o temperamento do presidente americano enquanto «caso patológico». Toda a gente de bom-senso e de cultura mediana tem uma ideia do assunto. O que estava em causa, precisamente, era a liberdade e a chamada «esfera da privacidade» — de onde resulta a «tese do perjúrio». Clinton tinha o direito de mentir em matéria do chamado «foro íntimo». E tinha o dever de se demitir se aparecessem, depois disso, os testemunhos sobre os delírios na Sala Oval. Um presidente é um presidente.]
Agustina Bessa-Luís, numa crónica sobre o «caso Dreyfus» justificava algumas hecatombes e movimentos ideológicos por uma espécie de abundância do ódio em certos períodos históricos. Ora aí está.
O PAÍS, ESTADO GERAL. Eu compreendo a inquietação de alguns blogs amigos, como o Adufe, o A Metamorfose, o Faccioso, o Bloguítica Nacional — que debatem o papel «não- interventor» do presidente da República. Há, portanto, quem defenda um papel mais activo do presidente neste «caso» (Casa Pia, justiça, fugas de informação). O dr. Sampaio já esclareceu que só fala do assunto quando entender, e faz bem. Mas se o seu discurso de Braga não tinha destinatário nem foi uma intervenção no «caso», não sei o que é «intervir» mesmo. Ou também acham que o presidente só falou «sobre princípios gerais» naquelas circunstâncias? O grande perigo da «moralização» vinda de Belém é a suspeita da sua origem e da sua «inclinação».
MEPHISTO. Eu gosto do Mephistopheles. É mau como as cobras. Já fazia falta. Todos levamos (fui o primeiro, aliás).
AH, LAMPIÕES. Meu caro J.C.B., nem sei que te diga quando escreves que «nem sabes a raiva que me faz saber que o FCP é melhor que nós. Ter que reconhecê-lo...» Pensei nisso naqueles instantes — o golo de Derlei, o golo de Deco, o golo de César Peixoto, o golo de Marco Ferreira — e, depois, quando a SIC apresentou as biografias dos três candidatos à presidência do Benfica. Nem sei que te diga. Mas reconheço a extrema bondade do teu texto— eu sei que querias escrever sobre a polémica do Português Suave, eu sei: «O Futebol Clube do Porto está a perder com o Belenenses. Saio da sala da televisão para comprar cigarros, subo o degrau que leva à outra sala, não tenho dinheiro trocado, troco uma nota de cinco euros, falo por instantes com o empregado de balcão, acabo por beber uma imperial, meto as moedas na máquina, desço à sala, sento-me na mesa, acendo um cigarro e olho de novo a televisão: o Porto ganha por 4-1. Se isto não é prova suficiente dos malefícios do tabaco, vou ali e já venho...» Para a semana encontramo-nos em Faro e fazemos contas.
Já o bom Artur, do blog benfiquista Nietzsche & Schopenhauer, disse que «não escreveria nem mais uma linha sobre as eleições presidenciais do Benfica». Na frase seguinte esclarece: «Tal não é possível. Há ali muita matéria-prima para aproveitar. Por exemplo, os sonhos dos três candidatos.[…] Coisa para mil páginas, no mínimo. O grau de estupidez vai muito avançado. Só não está completo porque o senhor dos pneus ainda não avançou com o nome da senhora Judite de Sousa para primeira-dama. Aí sim, estava o circo montado.»
Nem sei que te diga, meu amigo, mas a vida é assim.
PORTUGUÊS SUAVE, 12. [OU: PARA ACABAR DE VEZ COM A CULTURA.] Contribuição verdadeiramente importante para o debate, a do Mistério, que arruma a questão com sobriedade:«O barulho que andam a fazer à volta do Português Suave já saiu das marcas. Pessoas tão eruditas a queimarem um tempo tão precioso. Que mata, que incomoda, que sabe bem, que acalma... É só fumaça. Li que o cannabis tem poderes terapêuticos. Abram um texto sobre isso e levem as competentes forças do sistema a colocarem à venda essa erva com esta inscrição na embalagem: “Faz bem à saúde.”»
PORTUGUÊS SUAVE, 11. O médico Paulo Caldeira, do Dias Que Voam tinha já publicado um mail no Aviz sobre a questão «fumador passivo», em resposta e contra-argumento ao que o nosso médico da blogosfera. Nos seus blogs continua a polémica, que se pode visitar com proveito e exemplo. O Paulo mantém as suas dúvidas sobre a natureza e vitimização do «fumador passivo». E conclui: «O único fundamento é a ditadura da maioria. Não concordo nada que se tente atingir o objectivo de reduzir o número de fumadores, lançando sobre estes a ira dos não-fumadores, à custa do mito (até à data) do fumador passivo. É apenas o caminho mais fácil.»
Quanto ao Médico, confessa que «como fumador passivo, adoro o odor do fumo do tabaco, ainda me deixa muitas saudades. E já lá vão 20 anos». Num dos seus textos, reproduz textos e conclusões de estudos de algumas organizações científicas sobre a matéria. Caro doutor: seguirá em breve uma amostra de charutos.
PORTUGUÊS SUAVE, 10. Há mais notícias pela blogosfera sobre este debate — que começou por ser um protesto pela forma como a rapaziada de Bruxelas tirou o Suave ao Português Suave — em redor da cigarrada. O Faccioso juntou-se à lista, e bem:
«Posts em vários blogs sobre fumos, fumaças e português suave, lembraram-me de uma coisa. Diz-se agora que a dieta de baixas calorias, acrescenta anos à nossa vida. O problema é que retira a vida aos nossos anos. Não sei se é verdade. Mas com o fumo, como será? Estou a ver J.C.F.e o FJV puxando largas fumaças no meio de um sorriso. Será a mesma questão? E, no entanto, preferia não fumar.»
Também eu, também eu. Um H. Upmann que o RAP me deu há uns tempos, já foi.
O Hugo, do Ford Mustang retoma a questão do Português Suave propriamente dito:
«Será que se os senhores de Bruxelas se conseguiriam redimir se confessassem serem suaves as suas capacidades de análise e discernimento? O Aviz e o Nuno, do Klepsidra — entre outros — já disseram mais […] sobre o assunto: é a noção do politicamente correcto levada a um extremo patético. Tenho pena que a designação desta marca — que, de qualquer forma, está em extinção — desapareça antes do iminente fim do seu mercado. Teria preferido uma morte natural e completa em vez deste definhar embaraçoso. Duma coisa estou certo: o meu pai fuma Português Suave há 30 anos e é Português Suave que ele vai continuar a pedir ao balcão.»
SHOAH. O João Carvalho Fernandes publicou no seu Fumaças (que também aderiu à vaga de transferências para o Weblog) um texto importante, o «Nós recordamos», evocando o momento em que o Vaticano, através de João Paulo II, tratou a Shoah, o holocausto, e as relações com o judaísmo. Era bom que alguns representantes portugueses da Igreja católica pudessem ter lido o texto que o bom J.C.F. em boa hora publica.
DANIEL FARIA, POEMAS. Um dos motivos para dar um salto até ao Extravaganza, para quem não tem ainda o livro em casa (edição da Quási), é que aí se podem ler alguns poemas de Daniel Faria.
outubro 18, 2003
NOVIDADES DA BLOGOSFERA, 1: O PEDRO. O Pedro regressou ao seu blog. Já não era sem tempo. E fê-lo com três textos para discutir por aqui e por ali. O Guerra e Paz regressou, isso é uma boa novidade. Mais coisas para ler.
outubro 17, 2003
PORTUGUÊS SUAVE, 9. O «fundamentalismo» é o tema do mail de João Raposo sobre este tema infindável.«Quando tinha 13 anos fumei um maço de Monserrate num dia. Não gostei. Nunca mais fumei, já lá vão quase 40 anos. Devo, no entanto, confessar-lhe que, dado o extremoso cuidado dos nossos fundamentalistas anti-tabagistas, estou a pensar seriamente em começar a fumar. De que me serve a saúde sem liberdade?»
O N.M.M., do Nortadas traz também um testemunho pessoal: «Acabo de ler as reacções fanáticas que recolheu. Pouco ou nada há a dizer senão que está em perfeita sintonia com esta «nova modernidade» do povo português — de suave, nada; de, agressivo, muito. Talvez o nome Português Agressivo esteja até mais de acordo com os tempos. […] O certo é que, durante muitos anos, fumei de Setembro à Páscoa — há seis anos deixei de intervalar as minhas épocas de fumo, asneira grossa que senti bem no meu rendimento geral; o pior é que, por muito estúpido que possa ter sido, uma das razões que mais retirou motivação para deixar de fumar foi, exactamente, essa pressão desmedida, fanática e irracional contra os fumadores e o fumo dos cigarros, a paranóia do fumador passivo (onde o fumo do cigarro mata enquanto os outros desinfectam)… Foi particularmente difícil deixar de fumar na passagem do ano de 2002/03: além de abdicar do tabaco o saber que ainda podia vir a figurar como uma vitória dos fumodamentalistas…..foi duro.»
outubro 16, 2003
UMA ONDA DE PARVOÍCE, 14. O Liberdade de Expressão tem uma posição discordante nesta matéria. Acha que «actualmente, qualquer editora é livre para propor manuais escolares. Quando uma eitora propõe um manual arrisca o seu próprio capital, não arrisca dinheiros públicos nenhuns. A editora pode até não vender um único exemplar.» Claro que a sua posição não é redutível a este extracto. O Mata-Mouros respondeu e hoje acrescenta um texto intitulado «Pederastia cultural, manuais escolares, liberdade e responsabilidade». Um excelente contributo para esta discussão.
PORTUGUÊS SUAVE, 8. Há ainda sequelas da conversa sobre tabagismo vs. anti-tabagismo. Raquel envia um mail sobre o assunto:
«Considero-me aquilo que uma amiga chama de "fumadora intermitente". Isto porque tenho o hábito de fumar de vez em quando (às vezes muito), mas também me acontece ficar dias, semanas, possivelmente meses sem pegar num cigarro. Não me faz confusão, não me aflige, não sinto ressaca. Fumo por prazer, portanto, embora admita que não é muito fácil identificar a natureza desse prazer. O que me leva a escrever foi o facto de ter lido que 90% dos mails que recebe são de anti-tabagistas radicais e os já tão estereotipados comentários do costume — como por exemplo o do “cúmplice no assassinato”... — isso sim, faz-me muita confusão. […] Não fumo onde é proibido fumar, não fumo junto de quem está a saborear uma refeição, não fumo se me pedirem educadamente para não o fazer. Também não gostaria que me impedissem de fumar um cigarro (charuto ainda não sou capaz, confesso) dentro da minha própria casa. Sinceramente provoam-me uma sensação de urticária esses ataques pseudo-moralistas, e seus argumentos enfadonhos, sempre os mesmos para todos os casos[…]. Acredito que é legítimo que existam campanhas anti-tabagistas em prol de um benefício comum, em termos de consciencialização pública. Não acredito, contudo, na imposição, na desapropriação de direitos. […] Seria bom que o susto do «suave» retirado ao «português» fosse suficiente para libertar do vício.»
UMA ONDA DE PARVOÍCE, 13. Por mail, M. Gaspar faz chegar mais um exemplo de gloriosas páginas de livros escolares portugueses — «tremei, aprendentes!», como diria o ex-ministro Roberto Carneiro (eu juro que ouvi o Eng.º Roberto Carneiro chamar «aprendentes» aos alunos...).
«Ainda a propósito da má qualidade dos manuais escolares e, de um modo geral, da maioria das publicações de apoio à nossa profissão, envio-lhe uns excertos de um livrinho que comprei, na semana passada. Trata-se de A Construção do Corpo ou Exemplos de Escrita Criativa, de José Gil e Isabel Cristóvam-Bellmann, da Porto Editora. Comprei-o para alargar os meus conhecimentos, para tirar ideias e diversificar as minhas estratégias na sala de aula. Agora, lamento o dinheiro que gastei... Eis algumas pérolas: "Só lê aquele que assim o desejar e de livre vontade." (p.22); "Podemos afirmar que a escrita criativa é um método. Quem escreve criativamente não tem obrigatoriamente ainda que estar a produzir escrita criativa. A escrita criativa apresenta-se como sendo composta por três componentes:..." (pág.20) ; "Com o texto não termina a escrita criativa. Valerá sempre a pena continuar a pensar e repensar aquilo que se poderá fazer mais com o texto. O texto puderá ser ponto de partida..." (pág.24) ; "Os três bloqueadores da escrita são: a perfeicção; o medo; a arrogância." (pág.35. Nota: os erros ortográficos não são meus.»
PERDER A INOCÊNCIA. O Paulo Gorjão, do Bloguítica Nacional, refere a minha crónica de hoje no JN, lançando-me um repto para que comente as «duas excepções» ao princípio de que «a vida particular de um politico é isso mesmo: particular». O Paulo enumera-as: 1) «A primeira abrange situações em que o político esteja envolvido em actividades que violem o ordenamento jurídico vigente na altura.»; 2) «A segunda refere-se a comportamentos que o político condene no seu discurso político, mas que pratique na sua vida privada.» Como escrevi na crónica, «quem pratica crimes não pode nem deve deixar de ser julgado, independentemente das suas preferências ou aventuras sexuais». Mantenho que a vida do procurador Starr, em Portugal, seria muito difícil. Quanto ao segundo aspecto estou, por princípio, de acordo, mas levanta sérios problemas, nomeadamente quanto à identificação dos «vícios privados» diante das «públicas virtudes» dos políticos. Melhor: estou de acordo, como princípio, mas parece-me difícil estabelecer os critérios que identifiquem essa «discordância» entre o público & o privado. Por exemplo: é legítimo explorar ou investigar a vida privada de um político para ver se ela está conforme ao seu discurso público? Não. Acho, caro Paulo, que essa segunda excepção está exactamente sobre a linha que eu defini na própria crónica:«Há um risco aparentemente invisível de que convém não nos aproximarmos: o da moralização da vida pública através da Imprensa, por exemplo, é um deles. Se andar atrás de jovens no Parque Eduardo VII é criticável, e pode configurar um ilícito de certa gravidade, um passo em frente seria suficiente para cairmos na paranóia: um ministro que se dedica a actividades de comércio carnal com uma actriz, uma deputada que negoceia afectos com um deputado de outra bancada, um político apanhado em Bali na companhia de uma senhora. É importante definir os critérios dessa avaliação. Poderá um fumador ser ministro? Poderá um praticante de ioga ser juiz de um tribunal? Poderá um motard sentar-se no Parlamento?»
Outro exemplo, certamente confrangedor: um político que mantenha um discurso «moralizador» — e que se refira explícita e criticamente aos «adúlteros» ou ao «adultério», digamos — e que seja visto num hotel do Djibouti na companhia de uma dama, «indiciando adultério», deverá ser denunciado desse ponto de vista? Esse é uma pergunta que decorre dessa «segunda excepção». Eu percebo a ideia de «hipocrisia», claro — mas há na expressão «vida privada» um carácter absoluto e intransigente. Tenho, por isso, muitas dúvidas sobre «o grau de privacidade» a estabelecer. Se, por exemplo, um deputado aprovar legislação probicionista (anti-tabagista) no Parlamento, e for visto a fumar um charuto no Café de São Bento, ao lado da Assembleia — teria menos dúvidas (digamos que eu próprio tomaria a iniciativa de denunciar a baforada criminosa). Nos EUA seria necessária a presença de um porta-voz para esclarecer que o senhor deputado «não inalou».
É desejável um certo bom-senso, mesmo em matéria de princípios. Daí que, de entre as raras virtudes portugueses, eu ache louvável esse bom-senso. Lembra-se da campanha de rumores e de piadas sobre Sá Carneiro & Snu Abecassis? Na altura, a imprensa (o então semanário O Jornal, por exemplo) noticiava com tom «escandalizado» que havia figuras da igreja católica muito incomodadas com essa relação «extra-matrimonial». E que tinha o público a ver com isso?
Também por isso, embora o texto de José António Saraiva, no Expresso, não seja «moralista» ou «moralizador», é necessário ter algum bom-senso para que não se passem a vigiar os políticos tendo em conta a sua «vida privada». A menos, claro, que abram «as portas da sua casa e do seu coração» à Caras — então, a partir daí, que levem ambos: os políticos que acederam em posar nessas páginas e os jornalistas que viajaram para a ilha brasileira onde a Caras leva as celebridades.
DINAMARQUESA. O Terras do Nunca confirma no seu blog que recebeu a mensagem de uma dinamarquesa da Kristi Kirke København. «Havde vi glæden af et besøg?», perguntou o João. Acho indelicado. Perguntar a uma dinamarquesa se quer «glæden af et besøg» é pouco próprio. «Comer um besugo»? Ó João...
outubro 15, 2003
AH, MARRETA! Esquecia-me do Cozinheiro Sueco: diz-se que recebeu recentemente uma mensagem de Annika Billström: «Som finansborgarråd i Stockholm vill jag skicka en hälsning med mitt fulla stöd till Stockholm Pride...». Annika Billström é considerada na Suécia «finansborgarråd i Stockholms stad ger sitt fulla stöd till festvialen» Parece que sim. O nosso cozinheiro da Covilhã respondeu à altura: «Hon skickar följande hälsning till arrangörerna, festivaldeltagarna, besökarna och till alla andra som återigen visar upp ett Stockholm som står för öppenhet, rättvisa och stolthet.» Coisas das terras altas. Não sabia que o Cozinheiro tinha sido visto na Stockholm Pride.
A SAGA DAS LÍNGUAS DO NORTE. Sim, isso é muito bonito, mas, como diz o Morgunblaðið, de Reykjavík, «mótframbjóðandi sonar núverandi forseta Aserbaídsjan hefur lýst sig sigurvegara í forsetakosningunum sem fram fóru í landinu í dag þrátt fyrir að tölur sýni að forsetasonurinn, Ilham Aliyev, hafi farið með sigur af hólmi». Isso devia preocupar-nos a todos.
Dito isto, fim de delírio.
AFINAL NÃO ERA ISSO. Afinal, comenta-se aqui ao lado, o maior problema teve-o o Terras do Nunca que foi atacado por uma leitora dinamarquesa da Igreja de Cristo de Copenhaga (Kristi Kirke København). Dizia ela que «en første lørdag og søndag i oktober havde vi glæden af et besøg fra vores søstermenighed i Tyskland. Vi lærte meget om at have en fælles vision, samt om at bygge tillid og vise respekt». Se o João andar mal disposto estes dias, saibam que este vírus dinamarquês fez estragos.
HUNGRIA? QUAL HUNGRIA? O Alberto Gonçalves, do Homem-a-Dias foi «googlizado» na Hungria («szó túl általános, ezért kimaradt a keresésbol», comenta ele). Ó Alberto, chato a sério era se te apanhassem na Finlândia — e se se tratasse de um físico nuclear, uma vez que se sabe que «suomen Fyysikkoseuran tarkoituksena on ollut herättää harrastusta fysiikkaan ja edistää sen tuntemusta. Seura tukee fysiikan tutkimusta, järjestää luento». Isso sim, Alberto, era chato.
LEMBRAR. O Jorge Reis-Sá entrou na blogosfera com o Lembrar. Recomendo também que se visite um recente «anjo açoriano».
DESÂNIMO. Estas questões podem ser vistas como «anti-portuguesas» (um pouco à maneira como o governo está a sugerir que lê o incidente «Time-Bragança», a última trapalhada para rir). O Alexandre Monteiro escreve um longo mail, que pode ser encontrado no seu blog . A ideia do Alexandre é «estabelecer uma comparação dos comportamentos e modos de ser dos Portugueses do antigamente com os de hoje» — «encontraremos certamente bastantes semelhanças e exemplos». Vale a pena dar lá um salto para ler esta perspectiva histórica.
UMA ONDA DE PARVOÍCE, 12. O Mário Filipe Pires, do Retorta, esclarece por mail, a propósito do seu texto publicado no Aviz [«Uma Onda de Parvoíce, 10.»]. Escreve o Mário Filipe Pires: «Quando escrevi que a questão dos manuais seria secundária, não me estava a referir aqueles que apresentam erros técnicos. Nesses casos, os editores que editam manuais com falhas técnicas deviam sofrer uma penalidade do Ministério da Educação, nomeadamente colocando as suas edições nas àreas com falhas em quarentena durante um ano por exemplo.»
TELEVISÃO E PARVOÍCE, 2. Evidentemente que há o risco do apelo à censura, quando falamos desta maneira. Sim, temos medo da censura. Prezamos a liberdade, é o valor mais alto. Somos tolerantes. Prezamos a liberdade que permite termos programas de merda em horário nobre. Somos tolerantes com os pândegos e alarves que poluem a vida. Somos tolerantes com o erro. Somos demasiado tolerantes com a mediocridade. Tratamos como génios uns fedelhos intoleráveis incapazes de soletrar. Não damos valor à idade. Não damos valor ao trabalho, ao esforço, à imaginação, à cultura. Esse país razoavelmente interessante acabou. Provavelmente acabou há muito, no meio da gritaria da televisão, do ruído dessa canalha que se apoderou dos centros de decisão, do jet set e dos comissariados do gosto. O país está entregue a eles. Que o devorem e lhes faça bom proveito. Podemos começar a emigrar.
TELEVISÃO E PARVOÍCE. O mail de Jorge Camões levanta a questão da televisão. Vale a pena pensar no assunto — mas em regime de permanência. As televisões fornevem uma explicação para essas «ondas de parvoíce»: aquele país razoavelmente interessante, de que se fala de vez em quando, acabou. As elites, incultas e sórdidas, valorizadas na medida em que são muito incultas e ainda mais sórdidas, deliram com o espectáculo. O Estado demite-se da única responsabilidade que, em boa verdade, devia ter – proteger os cidadãos; em vez disso, o Estado detesta os cidadãos, odeia os cidadãos, é alérgico aos cidadãos. Que televisão queriam para esse país?
A televisão está como está por culpa das elites que se demitiram. Porque a mediocridade da classe dirigente é tão escandalosa que ninguém se atreveu a denunciar o baixo nível da nossa vida pública. Porque essa mediocridade se instalou nas universidades onde meninos selvagens e de imbecis se exercitam nas «praxes académicas» em vez de serem detidos pela polícia de costumes. Essa mediocridade instalou-se na vida política de formas tão subtis ou tão explícitas que é absurdo protestar sem correr o risco de ser alvo de chacota; instalou-se na vida cultural, onde se promovem fraudes com o patrocínio de hierofantes hirsutos, cheios de si e do seu poder, imunes a qualquer denúncia; instalou-se, naturalmente, na televisão, onde bandos de jornalistas incultos, incapazes de pronunciar correctamente frases de português médio, inaptos para escreverem, diminuídos na sua capacidade de aprender, estudar ou investigar, aparecem promovidos nos ecrãs. A mediocridade instalou-se na escola, em geral – onde se «facilita a vida» aos meninos e meninas, e onde (apesar do esforço dos professores) os ministérios de burocratas nunca conseguiram impor uma cultura de rigor e de excelência. Em vez disso preferiram uma escola «destinada a formar cidadãos», esquecendo-se que não há cidadãos de pleno direito incultos e com má preparação científica. É uma mediocridade que deve tudo à classe dirigente do país, a uma canalha sórdida com mau sotaque e hábitos preguiçosos, incapaz de recitar um verso de Camões ou de escrever sem erros ortográficos uma redacção de segundo ciclo.
UMA ONDA DE PARVOÍCE, 11.Para Jorge Camões, que entra na discussão sobre o assunto, a situação é natural, posição que eu defendo há muito, sobretudo quando aparecem almas torturadas, chocadas — e, geralmente, esganiçadas —, protestando contra as várias «ondas de parvoíce». Diz isto, o mail de Jorge Camões (que mantém o blog Ser Português (Ter Que):
«Há um aspecto que me parece interessante, mas que não tem sido abordado na questão dos manuais escolares: é a inevitabilidade de aparecerem coisas como estão a aparecer. Nos Estados Unidos, os grupos de pressão estão a levar os manuais a níveis absurdos do politicamente correcto, de acordo com o The Language Police. Em Portugal, onde não há grupos de pressão instituídos como tal, há um poder evidente, o da televisão.
A televisão molda comportamentos, e coisas como o Big Brother espalham-se como virus, em especial em organismos frágeis, como a escola, ainda mais fragilizados com programas de disciplinas que objectivamente convidam os monstros a entrar. Portugal trata mal os velhos, educa mal os novos e está-se nas tintas para os restantes. O nível de analfabetismo funcional tende para infinito e o poder de compra tende para zero. As opções pedagógicas têm sido catastróficas.
Neste cenário, em que as televisões são, para muitos, a única fonte de informação e entertenimento, a ausência de limites aos conteúdos parece-me um crime ao nível do comércio de droga. Os limites deveriam ser auto-impostos e pelos vistos não são, e o Estado não tem coragem para os impor (começando por não fazer cumprir os limites de publicidade). Neste sentido, o aparecimento do Big Brother nos manuais escolares parece-me uma consequência natural. Se não secamos a fonte nem construimos barragens decentes, o resultado é este, e será sempre.»
SILÊNCIOS RESPEITÁVEIS, CLARO. Claro que um blog tem direito ao seu silêncio. Já aqui escrevi sobre esse direito ao silêncio e à desregulação permanente dos blogs. E mesmo o direito a sentirem-se cansados. A pensarem — várias vezes por dia — que «isto» não tem sentido. Mas o que se passa com o silêncio do Pedro Mexia e do Carlos Vaz Marques?
VENENO SIMPLES. O dr. Soares anda muito calado, mas feliz. Ana Gomes está a fazer o trabalho e, daqui a uns tempos, pouco sobrará deste PS. «É a vida», como diria um dos seus ódios de estimação.
FALAR, NÃO FALAR. Do muito que se devia aprender sobre esta questão da justiça/pedofilia/etc., o Almocreve das Petas resumiu o essencial, citando o mais importante dos parágrafos do Tratactus de Wittgenstein. Nem mais. «Do que não se pode falar, é melhor calar-se.»
UMA ONDA DE PARVOÍCE, 10. Escreve o Mário Filipe Pires (do Retorta), por mail: «A questão da educação tem sido demasiadas vezes deixada a cargo de técnicos de gabinete, que planeiam sem se preocuparem com a adequação das matérias. Na formação profissional digna desse nome, as questões pedagógicas e de conteúdo são pensadas em função das competências que se quer que os formandos adquiram e da duração das acções de formação. A educação formal não perdia nada se olhasse com olhos de ver para os métodos e formas de actuar da formação profissional. A questão dos manuais até a posso considerar secundária, muito mais fulcral é a questão da preparação dos professores e das condições de trabalho que lhes são dadas. Professores excepcionais haverá poucos, infelizmente, mas a maioria deles terão competência e empenho para conseguirem desempenhar a sua função com brio. Gostava também de um modelo de educação, onde a prioridade não fosse a memorização de dados, mas a capacidade de relacionar factos e resolver problemas utilizando o conhecimento actual como base para o pensamento. Não sei se algum grau de ensino em Portugal nos educa na verdadeira acepção do termo.»
Há um problema, caro Mário Filipe: a questão dos manuais não é secundária. Não o digo por causa da obsessão com o livro, mas porque tem de existir uma lei na escola, e essa lei, aparentemente frágil, é também a do livro. O que se passará na cabeça de miúdos que têm de corrigir — este é um exemplo de entre os muitos que têm chegado ao Aviz — a tabuada no livrinho de fichas, porque aí vem errada? E daqueles que aprendem, num outro livro de fichas/exercícios, que o plural de «qualquer» é «quaisqueres»? E o que devia acontecer com aquele professor que escreve «plo» em vez de «pelo» no livro de sumários — e, tendo alguém tentado corrigi-lo, diz que «tanto lhe faz»? Esse é um problema. Não escreverei sobre pedagogia e sobre a «transmissão de valores» — acho que a pedagogia é para os professores e que a «transmissão de valores» é assunto familiar. Mas estas coisas são simples: deve, ou não, o Ministério da Educação penalizar os editores e autores de manuais escolares onde se detectem erros desta natureza e de semelhante ou superior gravidade? Ora, eu penso que o Ministério deve garantir aos cidadãos, através de um grupo de trabalho permanente, que estas coisas não passem em branco.
outubro 14, 2003
UMA ONDA DE PARVOÍCE, 9. Acho que alguns dos contributos desta discussão poderão ser enviados ao Ministro da Educação — como sinal de uma preocupação e como claro protesto a propósito da questão dos manuais escolares. Sinal de que a «blogosfera» se preocupa. Leia-se, por exemplo, o contributo de Pedro Freitas (professor universitário, do departamento de Matemática da Faculdade de Ciências de Lisboa) que se junta à discussão sobre a «onda de parvoíce», e escreve sobre o assunto, por mail:
«Orientei estágios de alunas que viriam a dar aulas no secundário. Nessa altura dei-me conta que, atrás do problema da falta de exactidão dos manuais (cheguei a ver um em que as definições das funções trigonométricas tangente e cotangente estavam trocadas), há um uma fúria de tornar as coisas mais próximas dos alunos, num "ensino centrado no aluno", como se ouve muito, por vezes em deterimento dos conteúdos. Ora, eu não sou contra a atenção pedagógica necessária, ao aluno como pessoa, e à sua situação social e psicológica — há uns anos usavam-se manuais de matemática no liceu que, digo-o com segurança, ninguém percebia (pelo menos em parte). Mas agora caiu-se no extremo oposto, julgo eu que devido a uma tendência pós-moderna exagerada, mal amadurecida e mal interpretada, que invadiu as escolas de educação. Os conteúdos são relativizados em relação aos métodos, e, na urgência de mudar, experimentar, nem há tempo para corrigir manuais. E, no limite, para algumas pessoas, nem há motivo sequer para preferir certos conteúdos a outros, nem mesmo o facto de os primeiros serem cientificamente verdade e outros não (veja-se a propósito Um Discurso Sobre as Ciências de Boaventura Sousa Santos).
Cito (de memória) uma frase do filme Les Invasions Barbares, dita por um professor doente, acamado, rodeado de amigos, quando é visitado por uns alunos: "Sim, são analfabetos, mas se lhes tivessem ensinado como deve ser, seriam tão inteligentes como nós."»
Vítor Brinches, do The River Run e do do Leitura Partilhada sugere uma área específica de estudos dos média:
«Aproveito esta discussão para relembrar alguns factos essenciais: a) a maior parte dos alunos do secundário passa mais horas por semana em frente do écrã (seja da televisão, da consola, do computador ou da internet) do que à frente do livro ou do professor; b) Qualquer aluno quando acaba o secundário tem mais slogans publicitários na cabeça do que versos da poesia portuguesa.
Por que não aproveitar esta ocasião para discutir a criação de uma disciplina obrigatória de análise dos media (ou mídia, como preferirem), de educação para os media (e por que não incluir também noções básicas de cidadania e de direitos do consumidor, por exemplo). Uma disciplina que preparasse os alunos para discutir, para agir, para pensar sobre os media que afinal são omnipresentes na sua formação. Uma disciplina em que se discutisse as técnicas de propaganda utilizadas pelos partidos políticos nas campanhas eleitorais, as manipulações da publicidade, do marketing, da televisão e, por que não, o regulamento do Big Brother.»
Também Pedro Cruz Gomes (do Planeta-Reboque) envia um mail com uma pergunta — que, no entanto, enfrenta a lógica da economia de mercado:
«Porque é que não é o Ministério da Educação a publicar UM manual para cada disciplina? Poupava-nos quase todas as aberrações que vêm sido citadas (sobrava só a estupidez oficial, mas isso é outra história...) e poupava outros dois pesadelos actuais: o preço e o peso dos livros (papel couché de muita gramagem para quê?).»
UMA ONDA DE PARVOÍCE, 8. É importante que os professores falem abertamente sobre a questão levantada por este tema, como já disse. Acredito que, em determinadas circunstâncias (nada negligenciáveis, aliás), eles são um elo fraco nesta teia de irresponsabilidade, mediocridade e parvoíce. Muitas vezes submetidos à burocracia e às linguagens dos «técnicos» e «pedagogos» oficiais, acredito que o seu mundo ou fique irrespirável ou lhes dê uma grande, enorme vontade de rir. A questão dos manuais escolares, no entanto, é muito séria, prolongando erros e desvarios junto de crianças e professores. Veja-se o mail de M. Gaspar, que dá exemplos e levanta dois problemas interessantes:
«Sou professora de Língua Portuguesa do 10º ano. […] De facto, é cada vez mais impossível, no que diz respeito a manuais, escolher o manual certo. Só para dar um exemplo, recebi há dois dias um conjunto de fichas de trabalho, de Vera Saraiva Batista e Verónica Baptista, Jogos Gramaticais, 3.º Ciclo Ensino Básico, publicado pela Lisboa Editora. Quando me preparava para fotocopiar uma das actividades para os meus alunos, que tinha por objectivo sistematizar os pronomes, vejo o seguinte: “qualquer - quaisquere(s)”! (página 16, exerc. nível 1). É apenas um, entre milhares de exemplos. Pergunto eu: qual o motivo que leva o Ministério a deixar proliferar tanta estupidez, tanta ignorância? Por que motivo se culpam apenas os professores? Por acaso já pensaram que os professores recebem, habitualmente em Junho, dezenas de manuais novos para escolherem um, no máximo até dia 15 de Julho? Já pensaram que essa escolha coincide com a avaliação, com o serviço de exames, matrículas, etc? Não é desculpa, mas dá que pensar. Então, se no Ministério há tanta gente sem componente lectiva, se é nos seus gabinetes que se fazem os programas, porque não fazem a análise pormenorizada dos manuais? Assim, corriam-se menos riscos, em princípio. Depois, as escolas, no pouco tempo que lhes é dado, limitavam-se a escolher, de entre os manuais aprovados, aquele que tivesse mais a ver com os seus alunos. E, se tivesse de ser um manual único, como foi durante anos, não vejo qual o problema. O mesmo manual torna-se logo diferente consoante o seu utilizador e as estratégias de abordagem.»
Nesta matéria dos manuais escolares, bem como em outras áreas do ensino básico e secundário, não seria bom existir uma «entidade reguladora» que vigiasse erros como os que são apontados por M. Gaspar? Será aceitável que os autores e os editores de manuais escolares com erros grosseiros possam continuar a produzir disparates, como inimputáveis?
SAN ANGEL INN. Sim, eu gostava de regressar ao San Angel Inn, esse restaurante de Mexico DF. Mas, mais do que isso, gostava de cumprir essa promessa contigo. Há velhos carochas para seguir por estradas que levam ao fim do mundo, do Pacífico ao Atlântico, colibris, histórias, poeira, cervejas (Dos Equis, Carta Blanca, Leon Negro, Negra Modelo, Montejo), poemas, canções, rios, restaurantes para comer sopes e ouvir boleros de Agustín Lara, mapas que ensinam onde fica Oaxaca e onde se perdem as estradas para Campeche, lojas de Coyoacán, a penumbra da Sierra Madre, mariachis nas praças de cidades do sul. Depois de começar, não se acaba.
outubro 13, 2003
PÉREZ-REVERTE. Depois de um livro destes (vai a meio) uma pessoa devia respirar outra vez, mas não sei se consegue. O A Rainha do Sul, de Arturo Pérez-Reverte (edição Asa, 440 págs.) é um romance que também não convém ler depressa porque é tão bom, tão bem escrito, tão «saboroso» (sim, cheio de sabores), que dá pena acabar um capítulo só para se continuar a ler a investigação fantástica de Reverte sobre Teresa Mendoza, a namorada de um operacional do narcotráfico mexicano, Güero Dávila (e, depois, de Santiago Fisterra, outro fabuloso contrabandista galego a operar entre Algeciras e Gibraltar). Teresa, la Mejicana, é uma personagem fantástica e a reconstituição que Reverte constrói na primeira pessoa (citando entrevistas com personagens reais em lugares reais — de ex-polícias e jornalistas, a escritores, como Manuel Rivas — e com documentos verdadeiros) é uma peregrinação policial superior. Esse mundo extraordinário que vai do San Angel Inn, em México DF (onde o director do diário La Reforma lhe propõe que escreva a sua investigação sobre Teresa — o San Angel é um restaurante que não se deve perder, come-se lá o melhor da gastronomia mexicana, já agora), passando por Sinaloa, Culiacán, por Melilla, Algeciras e Gibraltar, misturando a luz e a cor de Marrocos com personagens espanhóis (e irlandeses, e russos) que parecem relâmpagos numa noite de Verão, encontrou um narrador à altura. Construído no limite, transformando criminosos em actores fascinantes (Güero Dávila, Epifanio Vargas), revelando aqui e ali pormenores sobre o narcotráfico no consulado mexicano de Salinas, cheio de avionetas ilegais, de amores excessivos e de uma delicadeza surpreendente (pelo tema e pelas circunstâncias da própria biografia de Teresa Mendoza),A Rainha do Sul é uma revelação a conservar durante alguns dias em cima da mesa.
SITEMETER. O José Xavier, do Satyricon, comenta um texto anterior do Aviz em que se falava da minha resistência em colocar um «sitemeter» no blog. Ontem entrou aqui e deparou com um — procurou esse texto antigo (é sempre bom testar coerências), não o encontrou e pôs a hipótese de eu ter «cedido à tentação e eliminado esse “post”, para não lembrar as fraquezas do espírito...» Ora, o texto está ali, nos arquivos, sim senhor. E está mais, ali em baixo, um outro em que eu confesso que usei uma geringonça da Bravenet durante uns dias. Simples curiosidade, natural. O Sitemeter continuará por mais dois dias — para saber quantas visitas há, por exemplo. Sucumbi à curiosidade e à tentação. Na quarta-feira volta à normalidade: fico sem resistência depois de saber que alguém veio ler o Aviz digitando, no Google, «Benfica», «Hugh Grant» ou «Prof. Pardal». Vaidade, vaidade, tudo é vaidade. Ao pó voltaremos, como se diz nas circunstâncias.
O PAPA, A VELHICE E A ABDICAÇÃO. Vale a pena ler o texto «Apóstolos da gerontocracia?», publicado num dos meus blogs preferidos, o Memória Inventada (assinado pelo Tulius): «O culto da "juventude e da eficácia" é uma evidência que inquina a relação que temos com os mais velhos e com o nosso próprio futuro. Convém combatê-lo. Até aí estamos de acordo. Mas não me parece sensato concluir de imediato que a pública e progressiva decadência física do Papa é, afinal, a última lição de João Paulo II, ou seja, uma forma de nos lembrar que envelhecer faz parte da vida. Duvido sinceramente que seja esse o propósito do Papa ou daqueles que, de algum modo, o mantêm no lugar. O que parece ser indiscutível é que as suas limitações físicas são incompatíveis com as exigências e responsabilidades do cargo que ocupa.»
Ainda no Memória Inventada, há um pequeno texto do Ivan sobre Yom Kippur (entretanto, passámos Sukot, mas isso é outra coisa — lá voltaremos, caro Ivan).
UMA ONDA DE PARVOÍCE, 7. A discussão sobre o assunto continua — seria bom, de qualquer modo, conhecer a opinião de professores. Entretanto, o Viva Espanha também comentou: «Mais concretamente, e no que se refere aos últimos exemplos conhecidos, trazer os saberes dos alunos para a sala de aula é uma pobre desculpa para o encobrimento da estupidificação de massas que determinados programas televisivos representam. Discutir o Big Brother e as telenovelas tem uma relevância inegável. As ilações que se podem tirar desses produtos televisivos dizem muito sobre a televisão que temos e sobre quem a vê. Mas promover o assunto a tema de estudo no ensino secundário à custa de tempo para explorar a Língua, as obras e os autores resulta de uma insensatez e de uma incúria indescritíveis.» O Homem-a- Dias deu um tom de ironia, atrevido: «Julgo que a reacção aos tais manuais do 10º ano tem sido excessiva. O regulamento do “Big Brother”, por exemplo, pareceu-me um texto conciso, correcto e razoavelmente perceptível. O que é muito mais do que se pode dizer de boa parte da literatura portuguesa contemporânea.» O Mata-Mouros também tem dedicado alguns textos ao assunto. O Klepsydra voltou a ele (o primeiro texto era de Nuno Mendes) — com uma nova e curiosa tese (acerca da inclusão de publicidade nos manuais escolares), exposta por Rui Curado Silva, e que termina com um fragmento dos Maniac Street Preachers: «If you tolerate this, then your children will be next.»
MUDANÇA. Depois de Martins da Cruz, parece que a política externa portuguesa poderá beneficiar com algumas alterações. O Notas Verbais (ver texto «Com o sinal “Manuela Franco”, mudará a posição portuguesa para o Médio Oriente?») sugere-o com clareza. É uma boa notícia — o A.G. também ainda não esqueceu os gestos de ternura de Martins da Cruz para com o Hamas.
outubro 12, 2003
NOITE, O QUE É?, 15. Os nómadas estão sempre noutro lugar, falam das coisas da noite: respiração, páginas lidas, telefones, ruídos ocasionais — até chegar a insónia verdadeira. Nada interrompe esse delírio nem esses sonhos. Coisas fantásticas presas por um fio, recordadas todos os dias para que a vida tenha uma história para acontecer. De noite espera-se mais profundamente (mesmo que se ame a manhã, a luz perfeita do céu, a primeira luz do mundo). Passeios junto da água, idas ao supermercado, transplantar árvores, almoços tardios, recuperar o tempo. De noite espera-se mais profundamente.
PULSE. «This that recedes/ will come near to us/ on the other side of day.// Autumn: a single leaf/ eaten by light: and the green/ gaze of green upon us./ Where earth does not stop,/ we, too, will become this light,/ even as the light/ dies/ in the shape of a leaf.// Gaping eye/ in the hunger of day./ Where we have not been/ we will be. A tree/ will take root in us/ and rise in the light/ of our mouths.// The day will stand before us./ The day will follow us/ into the day.» {Paul Auster}
UMA ONDA DE PARVOÍCE, 6. O Tempo Dual também escreve sobre o assunto.
UMA ONDA DE PARVOÍCE, 5. Há, evidentemente, uma sensação de desânimo quando aparecem notícias como estas. O caso do manual de Português com o regulamento do Big Brother e anacronismos fatais já não nos devia incomodar? Devia, sim. E devíamos pedir esclarecimentos a quem aprovou esse manual. Devia fazer-se uma discussão sobre o assunto.
Entretanto, chamo a atenção para um blog que tem estado atento a casos semelhantes, o The Amazing Trout Blog: há uns meses tratou do manual escolar Estudo do Meio do João. Recordo o essencial, escrito então no Público e no Diário de Notícias e citado pelo The Amazing Trout Blog: «Os erros passam pela História, Política e Geografia. Portugal tem, de acordo com o manual, 22 distritos, ao invés dos 18 reais. O país já teve, de facto, 22 distritos, mas desapareceram em 1974. Este ano não é, aliás, feliz no Estudo do Meio do João, incluído no Estado Novo, período que se estende até à década de 80 e em que pouco se menciona o nome de Salazar. O período de ditadura é alvo de outra incorrecção quando se referem os órgãos de soberania da máquina do Estado Novo: o Presidente da República é substituído pelo chefe de Estado e a Assembleia Nacional pela Assembleia Geral. A nomenclatura não é, de facto, o forte dos autores do livro escolar, que garante que D. António (membro da segunda dinastia portuguesa) é filho de D. Luís e do cardeal D. Henrique. A Geografia contribui também para a catadupa de imprecisões, quando no manual são subtraídas quatro ilhas a Cabo Verde e São Tomé é presenteado com mais uma ilha.» No texto de ontem, o The Amazing Trout Blog indigna-se justamente. Só os parvos não se indignam com isto.
[Vejam-se, também, os protestos de A Sombra ou do Klepsidra.]
ESSA É A IDEIA. Depois do incidente com o blog da Rita, o Miguel Nogueira, do A Origem do Amor escreveu que teve um sonho: os textos do Abrupto e do Aviz tinham desaparecido e nem o Pacheco Pereira nem eu tínhamos cópia de segurança. Essa é a ideia, caro Miguel, essa é a ideia.
UM ESPECTÁCULO PORTUGUÊS, 4. Outro mail, o de U.T.:
«A mim não me comove a saída de Paulo Pedroso do EPL. A mim não me comove todo o espectáculo mediático sabiamente arquitectado. A mim não me comove a arrogância dos políticos que se julgam acima da lei. Enoja-me saber que o cidadão comum continua a ser um anónimo, um número de processo, sem direito a debate ou a qualquer tratamento sério por parte de quem de direito. Assusta-me tudo quanto se processa nos bastidores, longe das câmaras, perto, muito perto de interesses que, embora suspeitando, desconhecemos. Assustam-me essas sociedades secretas e obscuras, que ditam os destinos do País. Não tenhamos dúvidas, as ligações perigosas estão acima de partidos, credos e valores humanos. O Doutor Paulo Pedroso pode estar inocente ou não. Se um dia for ilibado, da forma que o processo está a ser conduzido, sinto-me no direito de pensar que os fortes podem sempre tudo, podem comprar e vender a dignidade humana.»
UM ESPECTÁCULO PORTUGUÊS, 3. Na sequência deste texto, Cecília Costa envia um mail em que deixa três perguntas:
«a) Acha mesmo que houve um espectáculo, no sentido de ter sido montado, na saída de Paulo Pedroso da prisão?; b) qual foi o verdadeiro papel dos media neste espectáculo?; c) na actual conjuntura, o que se esperaria dos ditos meios de comunicação social?
Gosto de o ler e não gostei da maneira como alinhou na cantilena de uns quantos recatados e "sóbrios" da nossa praça.»
Respostas concisas: a) sim; b) o de fazerem o que lhes estava destinado que fizessem; uns fizeram-no com mais sobriedade, outros com mais «sentido do espectáculo», outro com mais «sentido das conveniências», outros com uma certa falta de «sentido do ridículo», sobretudo nos comentários mais imediatos dos seus «repórteres no local» — preferia que houvesse mais sintaxe e menos adjectivos; c) a pergunta está armadilhada pela inclusão desse pormenor, «na actual conjuntura»; na verdade, esperava-se que os media fizessem o que fizeram — que dessem a informação e a explorassem (acompanhei o momento pela rádio, fazendo zapping); era dispensável o festim. A partir deste momento, o «caso Paulo Pedroso» está definitivamente encerrado na «esfera política» (mesmo que o dr. Sampaio reafirme que o seu discurso de Braga era «geral» e feito de «generalidades» e não dirigido ao juiz Rui Teixeira) — mas não acho ridículo que o deputado tivesse ido ao Parlamento; foi lá que deu a sua conferência de imprensa antes de ser interrogado e, depois, detido. O que se passou no espectáculo (misturando a «celebração política» em redor de Paulo Pedroso com os comentários sobre o Estado de Direito» e a natureza desta investigação) é outra coisa, como se verá nos próximos anos — se ainda tivermos memória para as coisas que se disseram nas últimas semanas e que vão ser ditas nas que se aproximam.
De resto, o «espectáculo» era inevitável. Compreendo perfeitamente o discurso próximo do País Relativo, por exemplo, que foi contido — e não vejo como poderia ser de outra maneira. Um resto de humanidade (e de amizade) marca as pessoas em momentos destes.
Cito, aliás, o que se escreveu com idêntico bom-senso na blogosfera, pelo Picuínhas: «Daí até sugerir que os dirigentes do PS se deveriam abster de receber com alegria e emoção um amigo libertado da prisão, vai um longo passo. É da natureza humana que se criem amigos junto daqueles com quem trabalhamos todos os dias. E um amigo não se abandona.»
ALFACINHA E VIRGINIA ASTLEY. Reparo, com atraso, que o Alfacinha (que entretanto mudou de alojamento, trocando o Blogger pelo Weblog.pt) deixou no seu blog um dos temas do From the Gardens..., da Virginia Astley, com dedicatória e tudo. Comovido, agradeço. E oiço.
UMA ONDA DE PARVOÍCE, 4. Há, a esta hora, alguns textos na blogosfera sobre o assunto; Helder Ferreira também comenta, por mail, a «questão Big Brother»:
«Tenho um filho no 4º ano do ensino privado, a conselho de vários professores do Ensino Público. Em princípio seguirá a àrea artística, o que fará com que no 10.º ano esteja no Colégio Soares dos Reis, no Porto, especialmente vocacionada para esta àrea. A ser verdade o que vem escrito no seu post e sendo que o posso pagar, dentro de dois a três anos, irá estudar em Espanha. Recuso-me a permitir que seja quem for possa ser formado intelectualmente pelo regulamento do Big Brother. Fiz o ensino Secundário no Liceu Marquês de Pombal, numa àrea técnica e tive que estudar Gil Vicente, Descartes e Eça. No 11.º ano não li Os Maias, limitando-me a comprar e estudar os manuais que o explicavam. Nos dois anos seguintes, li a obra três vezes. Assusta-me que meu filho possa vir a ser mais um indigente. Por favor, a quem podemos apelar para que esta tristeza não vingue?»
UMA ONDA DE PARVOÍCE, 3. O Adufe, no seu blog, conta uma história que, creio, não será única — mas que merece atenção:
«Conheço uma professora de português, com cerca de 30 anos de carreira que, perante os manuais à escolha (e particularmente perante o que a sua escola escolheu), resolveu assumir a responsabilidade de escrever o seu próprio manual. Entre textos próprios, peças completas dos autores do currículo — que não os excertos tristemente truncados que surgem em alguns manuais, por vezes nas partes mais nobres e instrutivas para o exemplo que visam destacar —, recortes, opiniões e outros contributos, escreveu e reescreve quase todos os anos um manual de português. Tudo é artesanal, tudo sai do corpo e das horas que poderiam ser destinadas à família, à leitura, ao lazer. Os seus leitores são exclusivamente os seus alunos e os bons resultados que vai conseguindo têm-lhe dado força para conquistar o direito a recusar os manuais adoptados. Tudo isto se passa numa escola pública da grande metrópole. Hoje, (só agora!), pouco depois do início do ano, a equipa de português percebeu que o manual que escolheu adoptar e recomendar aos alunos é particularmente mau. Que fazer? Pedir desculpas aos pais e pedir-lhes para comprarem outro menos mau? Deixar rolar porque ninguém está com atenção para o que se passa na escola? Temo que ninguém se lembre do exemplo da colega que ainda luta por valorizar o que faz e por respeitar os alunos que lhe cumpre educar.»
PORTUGUÊS SUAVE, 6. Continua, por vários lugares, a discussão sobre o Português Suave. Paulo Caldeira — que é médico — expressava há dias, no Aviz algumas dúvidas sobre o verdadeiro risco de doenças graves no fumador passivo. Entretanto, o meu vizinho médico que, felizmente, não prolongou por muito tempo a sua ausência do consultório escreveu no seu blog que estava «provado que o fumador passivo também é molestado pelo fumo do tabaco do parceiro do lado». O nosso bom doutor, é «apologista que os fumadores tenham os seus espaços isolados»; eu preferia dizer desta maneira: é bom que os fumadores tenham direito a um espaço de modo a não molestarem os não-fumadores. É essencialmente a mesma coisa, razão porque há entre mim e o Médico uma concordância em muitas coisas.
Convém, no entanto, dizer que a ideia de um «instinto agressor» do fumador faz parte da vulgata ecofascista muito em voga entre velhinhas evangelizadoras e psicopatas recém-chegados ao «clube dos saudáveis». Num dos romances mais divertidos de Manuel Vázquez Montalbán, Asessinato en Prado del Rey, Pepe Carvalho recusa-se a fumar o seu charuto porque pressente — e bem — que o charuto se apagaria de tristeza diante do ódio anti-tabagista do seu interlocutor.
Seja como for, Paulo Caldeira regressa ao Aviz para comentar o assunto, contrariando o nosso doutor, e afirmando que não concorda que «ficou provado» que o não-fumador é contagiado fatalmente pelo fumador:
«Apenas observo que, baseado em observações epidemiológias falíveis, se generalizou a ideia que o fumador passivo tem um grave risco de doença, especialmente o cancro do pulmão. E porque é que não concordo?
Em primeiro lugar, e como já disse, a entidade de fumador passivo é algo difícil de definir. Pego num artigo científico português, de onde retiro este excerto, que bem o exemplifica: os estudos deste tipo, para avaliação do risco do tabagismo passivo, podem estar sujeitos a vários tipos de limitações epidemiológicas, que de alguma maneira poderão falsear a determinação do risco do cancro do pulmão. Passamos a analisar algumas descritas por Eriksen e colaboradores:
a) erro de classificação > tratam-se dos problemas ligados ao diagnóstico de cancro do pulmão, e ao «status» de não-fumador. No que se refere ao primeiro, no nosso trabalho todos os casos foram histologicamente confirmados, não sendo de excluir no grupo com adenocarcinomas algumas neoplasias secundárias; contudo num estudo conduzido por Garfinkel, ao excluir todos os adenocarcinomas, persitiu o efeito positivo do tabagismo passivo.A possibilidade de incluir fumadores ou ex-fumadores que se declaram não-fumadores, poderá falsamente elevar o risco do ETS, contudo dados recentes mostram excelente concordância entre os marcadores biológicos de exposição e afirmação da condição de não-fumador.
b) questionários > desde sempre se têm levantado dúvidas da capacidade descriminatória da informação obtida. Os estudos de Coultas e Brownson demonstram, contudo, a fiabilidade da história da exposição ao ETS através de questionários estruturados e com entrevistas estandardizadas.
c) «confounders» > a existência de outros factores de risco como a dieta e a exposição ocupacional, ou a interferência do nível social e educacional devem ser tomados em conta, pois podem ter um efeito de «counfonder» em relação à exposição ao tabagismo passivo. Embora estes aspectos não tenham sido abordados no nosso trabalho, os hábitos dietéticos, a história ocupacional e o nível educacional vão ser analisados no âmbito do estudo multicêntrico.
Este trabalho português está integrado no estudo europeu sobre risco do carcinoma do pulmão em fumadores passivos, conduzido por Paolo Boffetta . Faço notar duas coisas a propósito deste estudo. «Não fumador» é definido como consumo inferior a 400 cigarros/vida e, aparentemente, não fizeram nenhum teste biológico para confirmar essa condição. Concluem que o risco relativo da Ca pulmão do fumador passivo (só para cônjuge e trabalho) é de 1.15, o que não é nada de especial (embora significativo). No entanto em 3 centros esse risco foi inferior a 1 (efeito protector) e em 2 foi de 1 (efeito nulo). Não foram avaliadas outras potenciais exposições.
Outra razão: referi também que o risco de carcinoma do pulmão, no fumador e não fumador, tem muito a ver com factores genéticos. Coloco aqui só um abstract do Boffetta sobre o tema. Então porquê esta enorme campanha?
Tem a ver com muitas coisas. É claro que o fumar tem riscos importantes para a saúde, tornou-se socialmente correcto não fumar, é uma campanha atractiva para os média, é mais fácil fazer os fumadores parar de fumar se atrair sobre eles a ira dos não fumadores. Esta campanha vem da América, país de democratas e fundamentalistas. Assim como as tabaqueiras manipualm dados a seu favor, instituições públicas também o podem fazer. Só um exemplo de "manipulação" de dados que passa facilmente para os média: o tabaco causa cerca de 440.000 de mortes/ano nos EUA, causando cerca 5 milhões de anos de vida perdidos e cerca de 8,6 milhões de pessoas têm doenças atribuídas ao fumo do tabaco. Estes números de milhões são impressionantes.
Ora se virmos a tabela ressaltam duas coisas. As definições: fumador é definido (em contradição com o acima definido) como ter fumado mais de 100 cigarros/vida e manter hábitos alguns ou todos os dias, ex-fumador é ter fumado mais de 100 cigarros na vida e não manter hábitos actuais, não fumador como ter fumado menos de 100 cigarros/vida. As doenças: estão incuídas, nas doenças relacionadas com o tabaco, o AVC e o enfarte do miocárdio. Desta maneira (quase) todos nós somos fumadores ou ex-fumadores.
Desta maneira um velhinho de 70 anos, cheio de diabetes, colesterol e que fuma 1 ou 2 cigarros por semana, ao ter um banal AVC passa a constituir morbilidade associada ao tabaco, e se morre, uma morte atribuível ao tabaco.
Já chega. Não tenho nenhum interesse na indústria tabaqueira, não defendo o hábito de fumar. Apenas condeno campanhas acéfalas baseados em dados científicos pouco seguros. Qualquer médico sabe que, epidemiologicamente pode-se "provar" tudo, até que homens de bigode farfalhudo têm mais calos nos pés!»
Eu também concordo com o Paulo Caldeira, porque me convém, evidentemente. Mas o que me assusta, realmente, é acabarem com o «Suave» do «Português Suave». Isso é um golpe e tanto.
outubro 11, 2003
UMA ONDA DE PARVOÍCE, 2. A linguagem dos técnicos do Ministério da Educação é, na maior parte das vezes, incompreensível: esquece o seu destinatário, esquece os problemas. Se nos últimos anos do sistema de ensino em Portugal pudemos assistir a alguma experiências pedagógicas «interessantes» — ou seja, cativantes na sua «forma» — isso deve-se mais ao empenhamento de professores, isoladamente, do que às estruturas da própria instituição. Mas isso não retira nada ao clima de barbárie científica vivido no «secundário», em matérias como o ensino da língua e da literatura, bem como na escolha dos autores representativos da nossa literatura. Tem-se esquecido o estudo da nossa história, dos clássicos portugueses, da literatura. Em favor de quê? De uma preocupação (e isto não implica o menosprezo do ensino vocacionado para as «saídas profissionais», como se verá) pela actualidade, pela contemporaneidade, pelos «cortes temporais» que representam passos essenciais da história portuguesa através de esquemas simplificados e anedóticos (como se a história não fosse uma narrativa), e em nome de um desprezo curioso pela erudição, pela passagem do tempo e pelo «esforço de aprender» — tudo substituído por textos seleccionados pelos alunos de revistas de televisão ou, acrescento eu, para «análises» nas aulas. Passear pelas propostas de «análise textual» de alguns manuais escolares de Português poderá ser uma boa oportunidade para rir, caso não se trate de matéria séria demais. É tal a quantidade de asneiras, de leviandades apresentadas como «certezas científicas», de expressões defeituosas em termos gramaticais, de esquemas que de tão simplificadores deixam de se poder entender — que bem poderíamos manifestar mais compreensão pelos adolescentes que vagueiam pelos corredores das escolas secundárias.
Sendo verdade que a escola está mais aberta ao mundo exterior, que recebe mais visitas de escritores, de historiadores, de políticos, de gente viva, não se pode ignorar que a essa actividade não corresponde o esforço posterior (ou anterior) de aprofundar as matérias tratadas nesses encontros. Por um lado, a leviandade tomou conta de grande parte do ensino do Português e da História; por outro lado, o tratamento de «assuntos elevados» (presentes nos textos trabalhados em algumas aulas) não é acompanhado pela insistência em algumas coisas básicas: o valor a conferir ao conhecimento, à aprendizagem, à investigação, à leitura. A referência, omnipresente em todos os programas de ensino, à ideia de «problemática», esquece que só se pode «problematizar» aquilo que antes se estudou realmente. Há uns anos, um cavalheiro da APEL (uma agremiação de editores & livreiros), manifestou-se contra a existência de «livros pesados». Acredito. Depois de ver os que existem, ficamos entendidos. E tem razão, o senhor: quantos alunos leram, de facto, Os Maias (tirando o caso dos de uma professora de português de Mirandela que, conforme se noticiou na altura, «se tinha esquecido do Eça», e não o mencionou nas aulas)? Tão pesado, tanta maçada. E Cesário? E Vieira? Tão pesado. E para quê ler Os Maias, se há livros que o explicam «como deve ser», e com as munições da gerigonça universitária? E para quê interrogar-se sobre a própria ideia de «que literatura escolher», se os exemplos a colher vêm nos livrinhos divulgados em vulgata ou só em anos recentes? Para quê tomar a literatura portuguesa como corpus de serviço para o ensino do Português, se os mestres de linguística da antiga escola estrutural advogam o privilégio da «língua oral» sobre a matéria escrita?
Mas se estes são problemas concretos na área das humanidades, existe por detrás um monstro a permitir a sua existência: as vulgatas de Ciências da Educação — de que os alunos dos CIFOP conheciam a existência, as alíneas, os versículos, a demonologia, a metafísica e sobretudo o novo-riquismo. Por detrás das Ciências da Educação, e da pragmática erigida em teologia autoritária, transformadas em detentoras de todo o conhecimento sobre a actividade pedagógica e sobre a arte de ensinar, existe, claramente, um outro monstro: a tecnocracia, aplicadíssima, pesarosa e grave — aduladora do relativismo cultural e de tudo quanto retire humanidade às humanidades, inconsciente e irresponsável no seu anonimato de «comissão de serviço no Ministério» ou semelhantes postos. Mas quase sempre no anonimato, num universo sem rosto e muito satisfeita consigo própria.
Por todos estes motivos, o debate sobre os «curricula» e o sistema educativo não diz respeito apenas aos técnicos do Ministério da Educação. A prova está à vista neste manual que propõe aos alunos que estudem o regulamento do Big Brother e que ilustra Camões com Renoir (as autoras dizem que o contexto histórico-cultural não é importante).
UMA ONDA DE PARVOÍCE. Tal como o Nuno Mendes alertou no seu blog, o Klepsydra — para quem ainda não tenha lido um texto do Público — uma onda de parvoíce continua a banalizar e desvalorizar o ensino do Português nas escolas. Cito, para terem a certeza: «No manual “Comunicar” de Língua Portuguesa do 10.º ano, da Porto Editora, no capítulo dedicado a textos pragmáticos, é apresentado o regulamento do concurso televisivo Big Brother. Ao lado estão fotografias de ex-concorrentes, sós ou a dar autógrafos. Aos alunos é proposto que, "em diálogo com os colegas da turma", refiram o que "já conhecem sobre este concurso" e que, após a leitura do regulamento, emitam "um parecer sobre o mesmo".» Só isto bastaria para sorrirmos — caso não apetecesse desejar que a onda de parvoíce alastre para provarmos que Portugal merece isto.
Maria do Carmo Vieira, professora de Português na Escola Secundária Marquês de Pombal, de Lisboa, fez uma análise dos vários manuais disponíveis para adopção no 10º ano à disciplina de Português B — e descobriu esta pérola. O Público explica: no dossier «Textos dos Média», são reproduzidas grelhas televisivas e um passatempo da TV Guia, a que se dá o nome de «Testenovela». Maria do Carmo Vieira bem se queixa, e com toda a razão, quando diz que parece estar a vingar a ideia de que «o correcto é respeitar o discurso que os alunos trazem para a escola. Assim surgem os Big Brother, as entrevistas com Herman José (manuais da Areal e Constância), as programações divulgadas pela TV Guia». Mas o mais escandaloso é a resposta do presidente da Associação de Professores de Português, Paulo Feytor Pinto, quando lhe perguntaram a opinião sobre a presença do regulamento de um concurso televisivo da TV Guia: «O regulamento está lá só para entreter ou não? Se, por exemplo, é apresentado para se chegar a algo de maior — como o regulamento da nação, a Constituição da República Portuguesa —, então se calhar não tenho objecções.» Excelente: do Big Brother à Constituição da República. Do Canal 18 ao dr. Feytor Pinto.
As autoras do manual, por seu lado, defendem-se: «O que é pedido ao aluno não é que discuta o concurso na aula, mas que analise um modelo textual específico [o regulamento do Big Brother], tarefa que, na nossa opinião, seria bastante dificultada se este tivesse que se pronunciar sobre o regulamento de um concurso que, eventualmente, desconhecesse. O que se sugere (de acordo com o novo programa da disciplina) é uma análise da componente linguística do texto a partir da mobilização de conhecimentos anteriores que, neste contexto, podem revelar-se úteis à análise em causa [o regulamento do Big Brother], garantindo algum grau de eficácia ao objectivo de escuta.»
Esta onda de parvoíce devia ser corrida das escolas. É demasiado cruel para ser verdadeira. É Portugal no seu melhor, com o ensino entregue à rapaziada, valorizando a imbecilidade, o banal, o vulgar — em detrimento do conhecimento, do rigor e da cultura, destinando as aulas de Português à discussão do regulamento do Big Brother — já que lhe retiraram Vergílio Ferreira e Gil Vicente, por exemplo. Teresa Guilherme sempre é melhor; está ao nível.
POESIA. Há, aí, um interessantíssimo debate sobre poesia. Recomendo que o sigam, a avaliar pelo que vem na Periférica, centrado na antologia Poetas Sem Qualidades, organizada por Manuel de Freitas. Escreve R.A.A. no blog da Periférica: «Mas então vamos lá ver: opto pelo transcendental e limo as arestas como V. Ex.as preferem, ou fico à espera até novas ordens?» Este assunto já tinha sido abordado pelo Luís Januário no A Natureza do Mal (recomendo idêntica visita). Eu acho — sinceramente — que a literatura, assim, vale a pena. Um confronto por mês, pelo menos, dá alegria.
EXCESSO. Sim, é excessivo publicar estes dez textos — mas não é uma leitura de Ulysses, longe disso. São notas avulsas, retiradas ao acaso. É também uma homenagem ao Leitura Partilhada, que propôs o livro aos seus frequentadores.
NOTAS SOBRE ULYSSES, 10. Inclusive o seu encontro com Yeats não foi nada feliz: W.B. não gostou dele, não achou graça ao rapaz arrogante, convencido do seu génio e da sua grande e eloquente escrita. Mais tarde, Joyce pede dinheiro a Yeats. Este responde-lhe: «Dear Joyce, I am very sorry I cannot help you with money. I did my best to get you work as you know, but that is all I can do for you.» O amigo de Yeats, George Russell, o poeta Æ, convida-o a escrever para o The Irish Homestead, mas os textos de Joyce não o convencem; escreve-lhe Yeats (a carta seria, pelos padrões de hoje, considerada insultuosa...): «Dear Joyce, could you write something simple, livemaking, pathos?, which could be inserted so as not to shock the readers...» O exílio de Joyce foi também contra Yeats, o mundo literário de Dublin, o catolicismo, o protestantismo, o ruralismo e o folclorismo que tinha invadido a literatura irlandesa. Quando regressa à cidade — ocasionalmente —, esta deprime-o, violenta-o, entristece-o. Dublin não é, definitivamente, a cidade de Joyce.
Mas Joyce confessou muito mais tarde, depois de Dubliners, de Finnegans Wake e de Ulysses: «I have reproduced none of the atractions of the city. I have not reproduced its ingenuous insularity and its hospitality. I have not been just to its beauty.»
NOTAS SOBRE ULYSSES, 9. Joyce foi severo com Dublin: o seu envolvimento com a cidade, diz William Trevor, foi muito diferente daquele que Yeats teve com a sua Sligo, ou que Synge, o autor de The Playbouy of the Western World (estreado no Abbey Theatre, animado por Yeats) ou The Aran Islands, teve com Wicklow ou as ilhas. Não foi nunca uma paixão: tratou-se de uma aproximação «in a dry, cold, almost clinical way». Os seus roteiros de Dublin não são, como os de Sean O’Casey, Yeats, Russell, Shaw ou até Synge e Behan, caminhos comuns a uma geração, a um grupo de escritores — são viagens solitárias como as de Stephen Dedalus. Solidão no meio da pobreza, da miséria, das ruas cinzentas, sujas, frias e húmidas. Solidão no meio da própria solidão, de onde se escapa, furtiva e perversa, a imagem de Nora Barnacle, em Ringsend Park, no Verão de 1904. A imagem feliz de Dublin, em Joyce, é a que vem em certas páginas de Dubliners, cheia de recordações de infância, vozes do passado; Ulysses, escrevia William Trevor, é uma espécie de projecto arquitectónico — o mapa ideal de uma cidade pronta a reconstruir-se de acordo com as deambulações dos personagens, ou seja, uma imagem literária. Construída de acordo com um filtro de frieza e de isolamento.
NOTAS SOBRE ULYSSES, 8. A meio da Grafton Street, fica Duke Street e um bar, o Davy Byrnes, onde Joyce costumava descontar vales na caixa, cheques que toda a gente sabia que nunca iriam ser pagos ao dono do pub. Em frente, outro pub, o Bailey’s, que guarda as suas tradições literárias, sessões de leitura, círculos de conversadores e bebedores, sábados de tarde para discutir futebol e râguebi. Mais abaixo, na direcção do Trinity College (e, é verdade, da Books Upstairs, uma livraria — tão boa quanto pequena), o The Palace. E, na primeira das pontes sobre o Liffey, de onde já se avista a Custom House (onde, justamente, Dedalus e Bloom conversam por volta das duas da manhã), lá está, no chão, uma placa, adiantando, naquele local, a passagem dos personagens de Ulysses. Imagine-se o que aconteceria se a câmara de Lisboa escrevesse no chão, como está escrito no chão de Dublin em relação aos seus escritores: «Aqui pôs o pé o senhor Carlos da Maia, personagem de Eça de Queirós.» Ou a câmara do Porto: «Desta janela o senhor Edmundo Barrosas, personagem de Camilo Castelo Branco, apaixonou-se em Os Brilhantes do Brasileiro». Por aí adiante.
NOTAS SOBRE ULYSSES, 7. Molly Bloom. E Molly Malone, a da canção dos The Dubliners («in Dublin’s faer city / where the girls are so pretty / I first sat my eyes on sweet Molly Malone») também, porque se confunde com a imagem dessa mulher mitológica que ninguém conhece ao certo mas que marca os poemas das canções de bandas populares ou que, escritas por gente como Patrick Kavannagh (como «On Laglan Road», sobre a melodia «The Dawning of The Day», para a música de Van Morrison: «On Laglan Road on an autumn day I met her first and knew/ That her dark hair would weave a snare that I might onde day rue;/ I saw the danger, yet I walked along the enchanted way,[…] O I loved too much and by such is happiness thrown away.») circulam por várias vozes. Veja-se esse livro magnífico que é Confessions of an Irish Rebel, de Brendan Behan, cheio de canções (lembro-me agora da belíssima «The Auld Triangle», cantada por Ronnie Drew: «A hungry feeling/ Came o’er me stealing/ And the mice wre squealing in my prison cell,/ And that old triangle/ Went jingle jangle,/ Along the banks of the Royal Canal.// To begin the morning/ The warder bawling/ ‘Get out of bed and clean up your cell’,/ And that old triangle/ Went jingle jangle,/ Along the banks of the Royal Canal»).